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quarta-feira, 15 de abril de 2015

A Redoma de Vidro (The Bell Jar) - Sylvia Plath [1963]


É estranho quando um livro bom é ofuscado por um livro muito bom. Pra mim, em particular, é prejudicial, já que eu tento escrever resenhas depois das leituras. O que aconteceu foi que eu As Virgens Suicidas, do Jeffrey Eugenides, e ao terminar achei muito bom. Pretendo falar mais sobre essa outra leitura mais tarde, mas o que aconteceu aqui basicamente foi, antes de pegar As Virgens Suicidas, estava lendo 50 Tons de Cinza - e existe mais uma outra explicação sobre isso também que não vem ao caso agora e que eu vou guardar até que minha resenha desse livro saia, o que vocês podem saber sobre isso por enquanto é que eu fui pago pra fazer essa leitura -, então qualquer coisa que eu lesse, uma frase bem feita que fosse, faria eu me apaixonar por um livro. Foi desse degrau que eu subi para a leitura de As Virgens, do subterrâneo para o décimo andar, assim num pulo. Aí eu peguei A Redoma de Vidro (The Bell Jar), da Sylvia Plath, logo em seguida - algo em mim queria ler sobre moças depressivas, provavelmente. E tudo aquilo que eu tinha construido mentalmente sobre a qualidade de As Virgens Suicidas ruiu. Essa resenha não vai nem deveria comparar os dois livros. Mas existem paralelos bem leves entre os dois e o leitor mais dedicado do blog vai poder, mais tarde, fazer essa comparação por si mesmo, lendo uma resenha após a outra.

A Redoma de Vidro, que eu decidi resenhar primeiro, é considerado um roman à clef, por causa dos paralelos entre a história supostamente fictícia do romance e a vida da autora, que foi internada por um tempo e, no fim, se matou por causa da depressão - esse não é o fim do livro, é o fim da autora. O alterego de Sylvia é Esther Greenwood, uma garota de seus 19 anos, estudante universitária em um estágio de verão para uma famosa editora de Nova Iorque. A narrativa varia entre o "presente" - embora ela toda seja escrita no passado - e as memórias da personagem - a escola, o namorado, descobertas sobre a sexualidade etc. Normalmente esse tráfego entre os tempos se dá de forma quase proustiana, partindo de um momento que engatilha a lembrança do passado. Naquele verão, no entanto, Esther percebe algo de diferente em si mesma. Uma incerteza que antes não existia. Ela não sabe o que quer, não consegue mais ler, não consegue mais escrever ou dormir. Aos poucos, com o fim do estágio e a volta à casa da mãe, a vida vai se tornando insuportável e, quase sem saber por que, ela planeja diversas tentativas de suicídio, até decidir qual ela vai por em prática. Resgatada, ela se vê entre clínicas psiquiátricas, passa por tratamento de choque, é remediada, tudo numa tentativa de trazer de volta a Esther de antes, seja ela quem for.

Esse livro é bem mais complicado do que parece. Não é de surpreender que ele tenha sido um dos mais populares entre garotas jovens americanas por tantos anos. Pude ler no original e a prosa poética da Sylvia desliza como música pela mente, mas isso não é nada comparado a sinceridade dentro do texto. Mesmo que o leitor não tenha nada em comum com Esther ou Sylvia, em nenhum momento consiga se identificar com o que lhe é descrito, é impossível não sentir alguma empatia. Não é à toa que ele tenha sido primeiramente publicado por pseudônimo, sendo ele uma chave capaz de abrir as portas daquilo que havia de mais interno na vida de Sylvia, sua mente, seus medos, suas dúvidas e até sua doença, que ela, tendo vivido no tempo que viveu, não pôde compreender tão bem quanto nós tentamos compreender nos dias de hoje.

Nunca fica claro o grau de depressão de Esther, se é bipolaridade ou o quê. Ela nunca é diagnosticada e isso só aumenta a sinceridade no texto. Hoje, que todo mundo tem acesso a livros de psicologia para iniciantes ou à Wikipedia, não é difícil pra um autor medíocre escrever sobre depressão criando um personagem que segue a risca cada um dos sintomas da doença, como quem segue uma lista de ingredientes. A Redoma de Vidro não é assim. Esther não sabe o que tem, por consequência, nem o leitor. Não sabe descrever os sintomas. Sabe apenas que ela não consegue escrever e nem ler e nem dormir, e que a falta desses prazeres tornou sua vida insuportável.

Mas não é um livro só sobre depressão. Ele também define muito bem o que era ser mulher na década de 50/60, que infelizmente não é muito diferente dos dias de hoje - salvo que hoje o machismo, apesar de fundido à sociedade, é devidamente mascarado. Esther, que aprendeu a vida toda a quase fetichizar sua virgindade e proteger sua pureza, é obrigada a encarar que o mesmo não é exigido do seu namorado de escola, que ela declara como hipócrita e passa a desprezar, ao saber que ele perdeu a virgindade antes de começar a se relacionar com ela. Então ela passa a querer ser igual, mas não pode ter um filho. Aí ela se vê diante do dilema: ser mãe ou ter uma carreira, ser livre e sozinha ou ser uma mulher de família, virgem reprimida ou vadia perante à sociedade. Esther, talvez da mesma forma que Sylvia, não encontra respostas para essas perguntas.

Esse é um livro importante e valioso, que carrega uma mensagem atemporal. Uns diriam que é ideal para mulheres entre os quinze e vinte e tantos anos. Pode ser. Mas é importante para homens também. É uma questão de empatia. Aprender a ver as coisas pelos olhos de outro. É impossível para um homem entender completamente a condição da mulher, mas livros como esse ajudam a criar uma perspectiva mesmo que artificial. E, deixando de lado o aspecto social, mais do que tudo A Redoma de Vidro é literatura de primeira qualidade.

Nota: 5/5

Obs.: eu li no original, mas existe uma tradução brasileira até que recente lançada pela Biblioteca Azul.

3 comentários:

  1. Gosto de livros que causam empatia. E quem dera se todos os homens te lessem e seguissem sua sugestão de ler esse livro.

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  2. Que livro incrível, né? Ainda me assusta muito a identificação que eu senti com cada palavrinha da Plath, era algo que eu não esperava e me desestruturou um bocado, mas foi necessário. É uma daquelas leituras que aos poucos vai tirando uma névoa dos nossos olhos que a gente nem sabia que existia ali.

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  3. Sua resenha está muito bem escrita e desenvolvida e esse livro é realmente singular em muitos aspectos, mas o que eu mais gostei foi do seu parágrafo final, a questão da empatia e a recomendação para que mais homens leiam The Bell Jar também! Não é todo mundo que tem esse pensamento :/ Parabéns!

    Tici | www.bibliophiliarium.com

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