Páginas

domingo, 30 de junho de 2013

Zephyr - Zephyr (1969)


Meu último post foi sobre Rory Gallagher, então hoje decidi falar de outro grande guitarrista subestimado e esquecido com o tempo - Tommy Bolin. Não necessariamente sobre ele, mas sobre sua primeira banda, a ainda mais esquecida, Zephyr, que lançou um álbum de estréia homônimo em 1969, então, em 1971, Tommy Bolin deixou a banda para seguir outras oportunidades. Esse é álbum "mais conhecido" deles e a banda não durou muito mais tempo depois disso - até 72, com uma reunião sem sucesso em 83 - e os discos que seguiram este não foram realmente muito expressivos. 



Um pouco sobre Tommy Bolin, pra quem não o conhece. Ele foi um guitarrista genial que encontrou o sucesso ainda muito jovem e de uma maneira um tanto difícil, substituindo grandes guitarristas em bandas já estabelecidas. Primeiro o Joe Walsh, em 1973, na James Gang, depois o Ritchie Blackmore, na Deep Purple. Raramente ele era recebido de maneira muito calorosa nessas bandas, mesmo tendo qualidade para ocupar a posição, o que diminuiu sua auto-confiança e o fez se atirar nas drogas, principalmente a heroína. Fora os discos com Deep Purple e James Gang, ele gravou uns discos de jazz com o Billy Cobham e o Alphonse Mouzon - deixando claro que todos os discos e artistas mencionados aqui são recomendações minhas, caso o leitor não os conheça - e uns álbuns solo, também excelentes.

Sobre a Zephyr. Nesse álbum, eles são uma excelente banda de rock, com uma boa mescla de blues e jazz, e músicos de altíssima qualidade. Além das guitarras do Tommy Bolin, os outros instrumentos merecem grande destaque, assim como a voz de Candy Givens que, embora parecida demais com a da Janis Joplin, é de arrepiar em algumas faixas. Talvez tenha sido por isso que a banda não sobreviveu, por melhores que os integrantes fossem, a banda não tinha toda uma personalidade. Isso pode ser por causa do curto tempo de vida deles, mas isso nós nunca vamos ficar sabendo, tudo que eu sei é que, na primeira vez que eu ouvi esse disco, pensei que ele fosse um trabalho perdido da Janis - o que não é ruim, de forma alguma, pelo contrário.

Cada faixa merece seu destaque, tendo aquelas mais cadenciadas e que flertam com aquele blues típico de boteco, e outras cheias de improvisos rápidos e ritmos de jazz muito interessantes. É uma pena que essa obra tenha sido praticamente esquecida, assim como os responsáveis por ela.

Nota: 4/5










sábado, 22 de junho de 2013

Rory Gallagher - Deuce (1971)


Rory Gallagher é o grande guitarrista esquecido do rock. É tão raro ver seu nome entre as listas das grandes lendas, mesmo ele tendo sido um dos músicos mais competentes e carismáticos do rock, além de ter posto a Irlanda no mapa. Morreu cedo demais, como tantos outros, depois de uma infecção hospitalar, causada por uma operação no figado, necessária depois dos tantos anos de bebedeira - bebedeira, não alcoolismo, irlandeses nunca se tornam alcoólatras.  Deuce é seu segundo álbum solo, após ter deixado a outra grande banda esquecida, Taste. Não muito bem recebido no seu ano de lançamento, hoje ganhou o status de cult, e isso é mais do que justo.

Era ao vivo que Rory Gallagher realente brilhava, afinal era o que ele amava fazer. Sendo assim, ele passou uma boa parcela de sua carreira tentando emular a energia das apresentações ao vivo em seus discos de estúdio. Deuce foi uma dessas tentativas. Para isso, ele iniciava as sessões de gravação sempre antes ou depois  de um show, para tentar tocar de uma forma em que a intensidade fosse transferida. Talvez nem seja possível fazer uma coisa dessas, mas foi uma excelente tentativa e deixou bem claro o quanto ele levava seu trabalho a sério - coisa cada vez mais rara na música.

As faixas são todas boas, com destaque para Used to Be, Maybe I Will, In Your Town e Should've Learned My Lesson. Os ritmos variam entre o rock típico da década de 70, somado ao blues, jazz e música tradicional irlandesa; essa mistura tão simples e enraizada é que tornava a música dele diferente das outras milhares de bandas de rock da época - talvez esse fosse o motivo do insucesso desse disco.

Rory Gallagher é um desses artistas obrigatórios para os fãs de rock e blues, e, se você é mais jovem e nunca ouviu falar dele, dê uma chance. Esse não é, realmente, o melhor trabalho dele, mas está longe de ser o pior, já que, na minha opinião, a qualidade das gravações de estúdio (porque ao vivo ele é infalível) decaiu muito durante a década de 80 - mas isso aconteceu com todo mundo. Um disco subestimado e que deveria ser relembrado nos dias de hoje.

Nota: 4/5








segunda-feira, 17 de junho de 2013

Andra - Secrets and Skeletons...Notes From a Desert Café (2007)


Já conheci diversas bandas pela força do acaso, mas Andra foi completamente diferente do resto. Pra quem não sabe, o site PirateBay (paraíso para os que gostam de filmes e músicas, obscuros, mas não têm grana para comprar os DVDs e discos, que forçosamente teriam de ser importados, pois não vendem por essas bandas). Em resposta aos artistas que dizem que a pirataria fode com a indústria musical, eles adotaram a seguinte política: ceda sua obra e eles te anunciam bem na página principal, na qual ficaria a logo do navio pirata. Muitos artistas fizeram parte disso - até o Paulo Coelho, que foi uma espécie de pioneiro -, mas nunca prestei atenção, pois só via música eletrônica sendo anunciada e esse não faz meu estilo. Essa moça aí apareceu num dos dias e eu vi o vídeo de propaganda. Não deu dois minutos e eu baixei o arquivo que ela disponibilizou (os dois álbuns lançados até agora, junto com dois arquivos em word com as letras - o que é muito importante vocês vão logo saber o porquê).

Eu gosto de música folk à Bob Dylan, Leonard Cohen, Simon & Garfunkel, entre outros. Essa é a base do estilo dela, se é que possível simplificar a esse ponto. Ela canta e toca violão, às vezes acompanhada de uma banda (bateria, baixo e teclas). E só isso basta. As composições são tão pessoais e simples, e diferentes da música moderna, que dá gosto só de saber que ela existe. 

Honestamente, nem precisava de banda, só a voz, o violão e as letras - todas compostas por ela -, já são mais que o suficiente. Sério, já estou ouvindo esse disco faz semanas, com muita vontade de resenhar, não só para dar opinião, mas para espalhar ao meu pequeno público da existência dela, porque vale a pena. Andra tem uma das vozes mais interessantes da música contemporânea, sem exageros, como se Tom Waits,  Janis Joplin e Dave Matthews fossem atirados em um liquidificador. É simplesmente bom demais, vocês vão ter que confiar em mim, mas não só na minha palavra. Segue um vídeo para degustação:


Essa letra é fascinante.

E, pra encerrar, uma das melhores interpretações de Stand By Me (Ben E. King) que eu já ouvi.

Gostou, então baixe a discografia você também e dê uma força pra essa moça: http://thepiratebay.sx/torrent/8431702/Andra_(Andra_Cilliers)_-_Discography__amp__Lyrics - Não costumo fazer isso, mas, como foi ela que disponibilizou, vale divulgar.

Nota: 5/5

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Resenha Especial de Dia dos Namorados

O dia dos namorados é especial para todo mundo, não é? Bom, eu estou solteiro, mas não sou desses amargos que passam o dia todo reclamando dos casais e coisa assim, até porque, posso não estar feliz hoje, mas eu estou feliz no resto dos dias (quase...). Sendo assim, decidi montar uma pequena homenagem a esse dia, sugerindo um belo filme para os casais aproveitarem. Uma obra romântica para preparar o clima antes do fim da noite. Antes de eu revelar o filme, no entanto, aqui vai uma sugestão de música para vocês que querem apimentar a atmosfera:

É, nada como uma versão disco da melodia de Adagio de Spartacus e Phrygia, falando sobre incesto. Pelo menos sempre que eu quero fazer um doce doce amor, essa é a música que eu deixo rolar.

Isso mesmo, os mais atentos já perceberam, mas não devem estar acreditando, pois acreditem, minha sugestão de filme para o 12/6 é a obra-prima do épico erótico dirigida por Tinto Brass, Calígula (original: Caligola), de 1978. Um filme marcado por polêmica, desistências e problemas na sala de edição. Acontece que o roteiro foi escrito por Gore Vidal (sim, aquele autor americano renomado), contudo ele não fazia ideia de como o filme seria feito. Quando descobriu, pulou do barco. Tinto Brass também não teve muita sorte, tendo seu corte praticamente roubado por Bob Guccione, criador da Penthouse e produtor do filme. No fim, Calígula acabou se tornando o que é hoje, mas antes que eu me adiante, vamos à história.


Calígula talvez tenha sido o mais notório e infame César da Roma antiga, com seu temperamento egomaníaco, beirando a insanidade. Tanto que várias lendas foram criadas ao redor do seu governo, algumas reais. O filme trabalha ao redor dessas lendas, tornando-se uma ode à libertinagem, perversão e paganismo. Perfeito, não? Intercalando entre cenas envolvendo a ascensão e queda do imperador Calígula (Malcom McDowell, conhecido por Laranja Mecânica e mais 224 títulos, de acordo com o IMDB) e cenas de sexo explícito gravadas pela Penthouse com intenção de tornar o filme pornográfico. O filme passou por diversos cortes diferentes, mas o mais conhecido e o que eu assisti foi o Unrated de 2h36min de duração - sugiro que os casais assistam esse também.


Bom, na época, o filme não foi muito bem aceito pela crítica, que dizia que a obra era uma tentativa falha de empurrar pornografia para o cinema "mainstream". Não concordo, considerando que a produção é excelente e as atuações são perfeitas. Vale até lembrar que o filme não conta com atores amadores, e sim grandes atores renomados, como o próprio Malcom McDowell, Peter O'Toole (claramente bêbado durante as filmagens, o que não é nada mais que apropriado) e Helen Mirren (antes de interpretar a Rainha Elizabeth, ela foi a mulher mais promíscua de Roma). Sendo assim, toda a crítica é devido ao sexo e a violência, que até hoje não é bem aceita pelos críticos. Se você é como eu e não tem dessas frescuras, vai entender que Calígula é um filme como outro qualquer. Ou melhor, não como outro qualquer, mas muito bem feito e inovador, tendo como falha somente a produção instável.

Peter O'Toole: foste T. E. Lawrence (Lawrence da Arábia), foste Tiberius (Calígula), foste Zaltar (Supergirl).
 
Algumas cenas podem chocar os não iniciados - muitas cenas -, mas não é nada que vá atrapalhar sua noite de amor. Mas, com toda a honestidade, quem se choca com coisas como um homem de 4 pernas? ou um homem com o cu no estômago? ou um homem levando com um punho no cu, sendo este enfeitado com uma flor no final (a flor foi um improviso do Malcom)? É tudo uma questão pessoal a final de contas.

Nota: 4/5

sábado, 8 de junho de 2013

Teorema (Filme) - Pier Paolo Pasolini - 1968


Pier Paolo Pasolini foi a figura artística e política mais controversa e uma das mais influentes da Itália. Fez um pouco de tudo: poeta, romancista, diretor, roteirista, jornalista, filósofo, ensaísta, dramaturgo, ator, pintor etc. Sua obra não tinha medo de abusar da violência, sexualidade, crítica política e religiosa, tudo que não era muito bem aceito na Itália até não muito tempo atrás - imagine na década de 60 então. Por causa disso tudo, ele foi morto de forma até hoje não definida, atropelado por seu próprio carro. Quem fez isso? Na época diziam ter sido um moleque após uma tentativa de assalto, hoje é mais provável que tenham sido defensores do fascismo, não muito felizes com a influência comunista do poeta. Sua obra final e mais conhecida foi Salò, adaptação d'Os 120 Dias de Sodoma, de Marques de Sade - que eu nunca assisti e nem está nos meus planos (meu estômago ainda não está tão calejado - MANGIA!). 


Teorema é um dos raros casos em que o filme e o livro foram lançados quase simultaneamente, pois são do mesmo autor. Queria esperar mais um pouco para fazer essa resenha, assim falaria de ambos, mas não acho que eu vou conseguir arranjar esse livro tão cedo. Mas vamos ao enredo logo de uma vez. 


Uma família burguesa recebe uma misteriosa visita (Terence Stamp, conhecido como General Zod, Super man - O Filme,  e um papel secundário em "Sim, Senhor"...pois é). Ele não recebe nome e nem sua identidade se torna muito clara, mas a família é levada a crer que ele é Deus. Aos poucos o visitante seduz cada um dos membros da família, começando com a empregada, Emilia (Laura Betti). Depois o filho, Pietro (André José Cruz Soublette); a mãe, Lucia (Silvana Mangano); o pai, Paolo (Massimo Girotti); e, finalmente, a filha, Odetta (Anne Wiazemsky, que já tinha trabalhado com Godard e Bresson). Quando ele vai embora, a família fica sem saber o que fazer, cada um tomando seu rumo em direção ao fim.


Tem tanto o que se discutir sobre esse filme, infelizmente eu acho que a melhor forma de assisti-lo é com o mínimo de conhecimento possível, para que as ideias que ele expõe possam atingir ao espectador da forma mais pura possível. Primeiro de tudo, esse filme não foca necessariamente na qualidade cinematográfica, portanto, embora seja um trabalho extremamente competente (principalmente no que se refere à trilha sonora), esse não é o foco da obra e, sim, a carga filosófica que ele carrega. Teorema é tão complexo que recebeu um prêmio do festival de Veneza como filme católico e, ao mesmo tempo, recebeu protestos do Vaticano que considerável seu conteúdo herético, principalmente tendo vista o sexo (tanto hétero como homossexual) representado. O mais interessante é que ambas as perspectivas poderiam ser aceitas, dependendo da interpretação e tolerância do espectador. Deixe-me explicar, sendo o visitante comparado a Deus, e considerando que a visita, até certo ponto, liberta a família do vazio da vida burguesa, esta poderia ser vista como uma mensagem religiosa. Contudo, nada indica que o visitante é Deus. Eu o interpretei como a paixão ou, simplesmente, a sexualidade. Isso não quer dizer que eu esteja certo, existem milhares de interpretações na internet, e cada um que assiste deve vir com suas próprias ideias, e essa é a intenção do filme.


O fim foi um tanto abrupto e eu acho que isso foi culpa minha por ter baixado o filme, mas não tenho certeza, talvez seja assim mesmo. Só que isso não atrapalha em nada, já que todas as ideias e linhas de narração já estavam fechadas. Se você está procurando um filme para te fazer pensar, esse é perfeito. Eu estava, sendo assim:

Nota: 5/5

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Confissões de uma Máscara - Yukio Mishima

 
Assim como Haruki Murakami é o mais ocidental dos escritores japoneses, Yukio Mishima é o mais oriental. Extremamente nacionalista, ele foi um militar que prezava tanto pela força do intelecto, quanto a do físico. Passou a vida inteira trancado no armário, devido aos preconceitos da sociedade japonesa, que até hoje é um tanto repressiva em se tratando de sexo, que dirá homossexualismo. Passou a vida fascinado pela estética da violência, da morte, do suícidio e da sexualidade contida e cheia de culpa - temas frequentes em seus livros, principalmente Confissões de uma Máscara. Sempre pensando em dar fim a própria vida, tentou aplicar um golpe de Estado, sabendo que seria ridicularizado após seu discurso, o que realmente aconteceu, e, em nome da honra, cometeria  o seppuku.
 
Confissões de uma Máscara é uma das ficções autobiográficas mais honestas da literatura. Seguindo a vida de um protagonista sem nome - ao que tudo indica é o próprio autor -, de sua infância até o fim da juventude, a história narra as fases da vida dessa criança perturbada. A forma em que, aos poucos, ele foi descobrindo sua sexualidade, e como ele se viu forçado a fingir ser o que não era durante toda a vida. Foi militar durante a segunda guerra e meio que viveu a angústia da destruição de Hiroshima, seguida da promessa - não realizada - da destruição de Tóquio, cidade na qual ele vivia. Narra suas relações amorosas e tentativas falhas de se "normalizar". Tudo fazendo uso de uma linguagem poética belíssima, que por si só já vale o livro.
 
Esse livro foi mesmo fascinante. De início foi um tanto chocante ler uma descrição tão brutalmente sincera e pessoal, mas, chegando ao fim, só resta ao leitor se sensibilizar com o sofrimento e as dúvidas do protagonista - até, e por que não, se identificar com certos questionamentos, afinal as máscaras podem servir para qualquer coisa. Também é possível perceber, contudo muito sutilmente, a invasão ocidental no Japão pós-guerra e como o autor não via isso com bons olhos. A poesia da linguagem e o final que, se não fosse pelo fim das páginas, seria totalmente inesperado, deixa muito aberto para discussão e interpretação, o que torna Confissões de uma Máscara um livro muito profundo e complexo.
 
Agora o problema. Eu adoro as edições da Companhia das Letras, mais até que as da Cosac Naify. Verdade que as da última tem um acabamento bem melhor, mas a Companhia das Letras trabalha com autores muito mais interessantes (Kundera, David Foster Wallace, Philip Roth, Mishima, Saramago, Isaac Singer, Roberto Bolaño, James Agee, deu pra entender). Até pretendo enviar meu livro pra eles assim que terminar a revisão, só pra ver se pelo menos uma carta de rejeição eu recebo. Mas nessa edição eles relaxaram. Tá bom, não relaxaram tanto assim, só 5 erros - que eu tenha percebido -, mas ainda assim, que porra é "estlio"(palavra correta para os lentos de percepção: estilo)? "Comparandas"? Além de uma palavra faltando numa frase e mais coisas que eu me esqueci. Até entendia ver uma coisa dessas num livro da Novo Século, mas da Companhia das Letras? Olha, se o livro não fosse tão bom a ponto de me deixar 50% mais tolerante que o normal, teria tirado um ponto da nota, mas não foi pra tanto.
 
Nota: 5/5

sábado, 1 de junho de 2013

Sobre Liberdade, Privilégios e Autoritarismos.


Cansei de ideologias. Com toda a minha sinceridade, cansei dos -ismos, -istas, bandeiras, partidos, ideias, escolhas, escolas, posturas, padrões; cansei de tudo. Não existem verdades, conclui, apenas conveniências. Não existe debate, apenas imposição. E, disso, eu cansei mais do que qualquer outra coisa. Talvez eu deva me explicar antes de continuar essa bobagem, outro dia estava comentando em um post da Lyzza, no qual ela expunha sua opinião quanto à algumas medidas que andam sendo tomadas para a liberação do casamento gay (ou homossexual, ou homo afetivo, depende do quão chato você é). Discordava de algumas das posições dela, mas, depois de uma conversa, entendi o que ela quis dizer e decidi expor minha opinião quanto a coisa toda, afinal ela é relevante pra cacete, não?

Não existe - repito, não existe - qualquer ideologia tão pura que não possa caminhar em direção ao autoritarismo. Assim como não existe ideologia que seja tão verdadeira que mereça ser imposta. Seja você conservador, liberal, GLS, machista, feminista, nazista - ora, vai me dizer que estes não existem mais -, militarista, raio que o partista; dependendo da força da sua convicção nas ideias que seu partido apoia, existe uma grande porcentagem de chance que o seu discurso carregue um desejo secreto de dominação. Sendo assim, admito, dentre as milhares de bandeiras balançando por aí, carrego uma delas com muito orgulho - a da liberdade individual. O que diz minha bandeira? Faz o que tu queres, pois eu quero que se foda. Pois é, esse é o slogan. Você pode nunca tê-lo ouvido por aí, e eu explico a razão: nosso grupo é desorganizado, afinal é difícil estipular um horário de reunião quando todos são livres para chegar a hora que bem entenderem.

Vou tentar ser mais claro na minha explicação usando como exemplo o próprio casamento gay. Minha opinião sobre isso? Ora, casem-se, que me importa? Desde que não casem comigo, a pessoal com a qual cada um escolhe se unir não é da minha conta. E isso não vale só para homos e héteros; toda essa história de poligamias, trigamias, orgias em união legal, por mim, também estaria liberado. Afinal, e já estou me repetindo, não sou forçado a me unir a eles. A palavra-chave aqui é forçado. Não sou forçado a nada, assim como ninguém é forçado a nada. Todos são livres, desde que não firam a liberdade do outro.

E é aqui que eu retorno às ideias da Lyzza. Os motivos pelos quais ela é contrária ao modo que a união homossexual anda sendo defendida é devido à questão religiosa. Não, não é porque a bíblia diz que ser gay é pecado, mas porque é possível que venham a forçar as igrejas a realizarem essas cerimônias de casamento. Aí chega o momento em que eu concordo com ela. Igreja nenhuma deve ser forçada a aceitar coisa alguma. Isso, desde que eles entendam que a capacidade restritiva da sua religião se mantém apenas entre os seus adeptos. Isso mesmo Malafaia, Bolsonaro e qual o nome do Ministro racista do qual todos estavam falando sobre até uns dois meses atrás? aquele chorão? - deixe-me perguntar ao tio Google, só um minuto - ah! Marco Feliciano, claro. Estes três pastores - e o ato que eu estou prestes a descrever não veio somente deles, mas de toda uma cúpula religiosa brasileira; eles são apenas os nomes mais influentes e presentes nos jornais - insistem em fazer parecer que os costumes cristãos estão tão enraizados na cultura brasileira que todos os seus habitantes os seguem, e os que não seguem estão à margem da sociedade, são minoria e não precisam ser ouvidos - isso também faz menção à outro mal-costume dessa gente, que é de achar que democracia é ditadura da maioria, mas isso é outra história e não quero sair, ainda mais, dos trilhos dessa crônica mal planejada. Não é assim que funcionam as coisas. Talvez nem todos sejam familiares a esse conceito, mas é possível não ser cristão, ou não seguir os dogmas cristãos de forma fundamentalista e absoluta. A religião pode impor quaisquer formas de restrições aos seus seguidores, nunca ao mundo todo - isso se chama ditadura.

Sei que estou repetindo termos aqui - ditadura, religião, liberdade... -, mas isso é apenas para que ninguém perca a ideia geral desse texto. Não é direito de ninguém, que dirá uma religião - que não passa de uma instituição como qualquer outra -, definir padrões de comportamento. Você pode criar pequenas regras àqueles que decidem te seguir, mas deixe os que não te seguem em paz - isso é liberdade. Mas Deus criou a todos nós e a bíblia é a palavra direta dele, não é função dos que defendem a palavra de Deus fazer com que a palavra dele seja cumprida? Não. Simplesmente, não. Primeiro de tudo, vai saber se foi Deus mesmo que escreveu essa porra - nem vou entrar no mérito da existência ou não de deus, já discorri sobre isso ano passado, nos primórdios do blog, não cheguei à conclusão alguma e deixei isso pra lá. Segundo, se ele quisesse tanto assim que o livro fosse seguido, já teria mandado alguma outra praga eliminadora da sociedade - todos sabemos que isso sempre fora um costume, nem sei porque isso parou hoje em dia. Terceiro, seguir sob ameaça não é seguir de verdade, e Deus, onipotente que deveria ser, saberia diferenciar entre o falso seguidor e o verdadeiro. Sendo assim, relaxe. Deus não precisaria de advogados e defensores, se ele realmente se importasse tanto assim com quem transa com quem. Porque, no fim de tudo, é a isso que se resume. Quem transa com quem. E isso não é da conta de ninguém além dos indivíduos transando. Se realmente existem regras divinas quanto à esse assunto, deixe que o divino as resolva. Se o inferno existe, deixe que ele venha a nós pecadores - porque sou um pecador, com orgulho - após a morte; não torne a vida um inferno maior do que ela já é.

Verdade que forçar uma igreja a casar dois gays seria ceder privilégios a este último grupo, mas proibir que gays se casem só porque algumas religiões são contra, ou poderiam quem sabe talvez num futuro próximo possivelmente um dia vir a ser afetadas, também é ceder privilégios. Se o objetivo é impedir que um receba mais vantagens que o outro, que ninguém receba vantagens e todos sejam livres.

Fiquei repetindo e repetindo essa história do casamento gay e parece até que é só sobre isso que esse texto fala, mas não, estou falando de tudo por aqui. Falo de drogas, falo de aborto, falo de expressão - todas as formas de expressão -, falo de, exatamente, tudo. Tudo deveria ser legalizado. Afinal, não é só uma questão de liberdade, mas porque a proibição também é só uma forma de atiçar a vontade e criminalizar o supérfluo. Que fique claro, em nenhum momento eu disse aborte, use drogas, seja gay, seja polígamo. Tudo que eu digo é: faz o que tu queres, pois eu quero é que se foda. E nem me venham com plebiscitos, como eu ouvi um idiota sugerir um outro dia. No dia que fizerem um plebiscito sobre qualquer uma dessas coisas - que se você analisar com bom senso e honestidade intelectual verá que não passam de escolhas pessoais (releia a palavra "pessoais" dezenas de vezes, até que o conceito consiga penetrar sua mente) -, vou querer que seja feito um plebiscito sobre absolutamente tudo: da aprovação de uma lei ao que uma pessoa qualquer come para o café-da-manhã.

Ah, somente mais uma nota não-relacionada antes que eu me esqueça. Se o Marco Feliciano se candidatar à presidência e ganhar, eu saio do país em exílio.