Existe uma reputação que acompanha os livros do Thomas Pynchon que basicamente alertam que a leitura é uma missão. Já falei desse autor anteriormente, fora de resenhas, só porque ele é uma figura um tanto interessante, mas repetirei agora, aproveitando que finalmente decidi escrever sobre sua obra.
Thomas Pynchon é considerado pelo crítico literário Harold Bloom como um dos quatro melhores autores vivos dos EUA, junto de Don DeLillo, Cormac McCarthy e Philip Roth. Sua prosa varia entre o que os americanos chamam de cultura "high brow" e "low brow", que seria algo como erudito e popular, mais ou menos, enchendo o livro de jogos de palavras, personagens absurdos, referências obscuras e humor negro. O mais curioso é que ninguém sabe quem ele é. Depois que começou a escrever e ganhou notoriedade nos círculos literários com seu romance de 1973, Gravity's Rainbow, negligenciado pelo prêmio Pulitzer - os jurados descreveram a obra como obscena e decidiram não premiar ninguém aquele ano -, ele desapareceu, se recusando a dar entrevistas ou mesmo aparecer em fotos. Por um tempo surgiram boatos de que ele era uma reunião de vários autores, o que seria plausível considerando a pluralidade das vozes de seu trabalho, contudo ele tem amigos (autores como Salman Rushdie, para o qual Pynchon escreveu um artigo de defesa qual Rushdie foi condenado a morte pelo povo Islâmico devido ao seu Versos Satânicos, entre outros autores, incluindo o falecido Richard Fariña, que fez faculdade com Pynchon) e uma vida social ativa, somente escolhe por mantê-la privada. Só por isso o homem já recebe minha admiração.
Admiração que só aumentou quando eu li sobre o que se tratava Vício Inerente, uma sátira de livros de detetive, com um toque noir e uma porrada de LSD. Larry "Doc" Sportello é um detetive particular hippie, que passa os dias fumando maconha, transando por aí e viajando pelos flashbacks de LSD; vez ou outra também resolve uns casos de pequeno porte. Até que sua ex, Shasta, bate em sua porta pedindo para que ele investigue o sumiço do seu namorado, que por sua vez é um homem rico e casado, com um fetiche estranho por ter suas amantes desenhadas nuas em gravatas.
Em um cenário nostálgico permeado pelo smog de Los Angeles de 1973, Doc busca de alguma maneira resolver esse caso, ao mesmo tempo que sente falta dos velhos tempos em que os hippies estavam presentes de maneira ativa na sociedade. Com uma narração em terceira pessoa, com toques de fluxo de consciência e dezenas de distrações variando desde a maneira correta de cultivar um black power até as peculiaridades do saxofone na surf music, o leitor é levado por um torrencial de conspirações, divagações universais baseadas no ácido e paranoia.
Eu não sei. Só isso, terminei de ler esse livro faz uns seis meses, mas simplesmente não sei o que mais escrever sobre ele. Nem sei se tenho opinião formada. Porra, releia a sinopse que eu escrevi e tente montar na sua cabeça uma previsão do que seria a história. Difícil, né? Nem perca seu tempo, mesmo que você invente alguma coisa, estará errado. Vício Inerente é completamente imprevisível, mas não pelos mesmos motivos que os romances de mistério costumam ser. Acontece que, nesse livro, por mais linear e simples que seja, o absurdo das situações tornam tudo muito complicado de acompanhar. O que de maneira alguma é uma crítica negativa, afinal é tudo extremamente divertido. Não é porque você não vai fazer ideia do que está acontecendo, que você vai querer interromper a viagem, entende?
A força do livro está nos personagens. Doc Sportello é o chapado mais carismático que eu já vi/li desde The Dude (aquele do Grande Lebowski). E os conflitos verbais dele com o policial, Pé-Grande, já valem a leitura. Todos os diálogos, na verdade, devem ser destacados pela oralidade e voz particular dos personagens.
"Em teoria, Doc sabia que se, por algum motivo que não conseguia imaginar assim de imediato, ele quisesse ver qualquer outro Pé-Grande, fora das câmeras, fora do trabalho - até casado e com filhos, pelo que Doc podia imaginar, teria de olhar através e por sobre esse detalhe deprimente. 'Casado, Pé-Grande?'
'Desculpa, você não faz o meu tipo.' Ele ergueu a mão esquerda para exibir um anel de casado. 'Você sabe o que é isso, ou elas não existem no Planeta Hippie?'
'E-e-e, você tem, assim, filhos?'
'Espero que isso não seja alguma ameaça velada hippie.'
'É só que... nossa, Pé-Grande! Não é estranho, nós dois aqui com esse poder misterioso de estragar o dia um do outro, e a gente nem sabe nada sobre o outro?'" (trecho de um trecho da contracapa.)
A única coisa que me impediu de dar uma nota máxima ao livro foi o enredo. Preciso reler antes de escrever qualquer opinião conclusiva, mas a história em si não oferecia nada substancial além dos montes de bizarrice chapada. Divertido, sem dúvida, mas deixando um gosto de "e..." na última página nem um pouco agradável. Me aliviei ao pesquisar na internet e ler que esse é o livro menos aclamado de Pynchon, conhecido pelos críticos até como um Pynchon Lite, perfeito para iniciantes com medo de se assustar. Acontece que eu peguei a obra querendo me assustar um pouquinho.
Não ajudou também a tradução. É ótima, deixada nas mãos do Caetano Galindo, mas que tomou umas decisões no mínimo inconsistentes ao longo da obra. Por exemplo, ele traduz a alcunha do tenente-detetive Bjorsen para Pé-Grande, ao invés de deixar Bigfoot, mas não traduziu o acrônimo OPPOS, mencionado no livro como um termo do ramo imobiliário. Precisei pesquisar no google, que por sorte tem uma wiki dedicada a obra do Pynchon, cheia de explicações das referências e termos obscuros, dizendo que o significado do termo era Overpriced Piece of Shit. Difícil de traduzir, de fato, talvez impossível de traduzir e manter o acrônimo, mas uma nota do tradutor não faria mal. Entendo que uma nota dessas é, para um tradutor, o mesmo que um comediante explicando piada, mas é Thomas Pynchon, Galindo, seríamos compreensivos, prometo.
Sugeriria o livro para aqueles curiosos para conhecer o Pynchon, mas que não estejam com cabeça para nada complicado. De qualquer forma, acrescentaria que, para os fluentes em inglês, pode valer mais a pena ler no idioma original. Repito, a tradução é boa, mas o principal na obra de Pynchon é a linguagem, cheia de jogos de palavras e até letras de música inventadas para satirizar a época. Os futuros livros desse autor e mesmo Vício Inerente, caso queira uma releitura, lerei em inglês. Apenas tenha noção de que a viagem é turbulenta.
Nota: 4/5 (ia ser 3,75, mas percebi que o livro foi melhorando na minha concepção conforme o tempo passava.)
A editora, Companhia das Letras, disponibiliza um trecho em pdf no site deles para os curiosos:
http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/12873.pdf
E, na época do lançamento, saiu um vídeo no Youtube, gravado pela Penguin, em que Doc Sportello fala um pouco sobre o livro. Reza a lenda que a voz de Doc é a voz de Thomas Pynchon, de verdade, seria um dos poucos registros da voz do autor, possivelmente o único.
Também está previsto para esse ano o lançamento da adaptação cinematográfica de Vício Inerente, dirigida por Paul Thomas Anderson (Boogie Nights, Magnolia, O Mestre, Sangue Negro...), com uma porrada de gente no elenco: http://www.imdb.com/title/tt1791528/
Então, se você se ficou interessado e quer ler antes do lançamento do filme, agora é a sua chance.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
caixa do afeto e da hostilidade