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domingo, 30 de dezembro de 2012

Após o Anoitecer - Haruki Murakami (Resenha)


Primeiramente, sinto pela minha ausência nos últimos dias. Foi por um curto período e ninguém se deu falta, mas ainda assim, foi estranho para mim me ausentar desse meu pequeno centro terapêutico pessoal. A questão é que eu sempre me sinto pouco a vontade nessa época do ano, não consigo entender todo o significado, entende? Não? Não se preocupe, estou preparando (fazendo notas mentais e inserindo esse assunto em meus devaneios) um post sobre isso, que será jogado aqui um dia desses.

Sabe, este blog tem um monte de tradições (ou repetições) considerando sua pouca idade. Comentários sobre a beleza das atrizes presentes nos filmes resenhados; comentários sobre o baixo número de visitas, desconsiderando minha aparente indisposição para tomar atitudes que mudem a situação; uso de memórias ou casos pessoais para cobrir alguns parágrafos dos textos; posts com continuações nunca postadas; observações não-relacionadas ao assunto do texto e, vez ou outra, incoerentes e, finalmente, resenhas dos livros do Murakami. A verdade é que não leio muitos livros atuais e não me sinto a vontade resenhando clássicos - não me acho digno -, meu amigo Muraka, é o único autor "atual" que eu dei confiança e não me decepcionou - Kundera talvez se encaixe também, mas ele é bem mais velho... -; e como esse blog não é de resenhas gerais, mas sim resenhas das coisas que eu conheço, leio escuto e assisto, me vejo forçado a escrever mais e mais sobre o seu Haruki. Que posso fazer se esse é genial?

Vamos ao livro. Mari é uma jovem de 19 anos, insegura e que está tentando se recuperar do fato de ter passado a juventude sob a sombra de sua irmã mais velha, Eri, modelo por profissão e perfeita por força do acaso, que, cansada da coisa toda decide dormir e não acorda mais. Mari, decidi sair durante uma noite e então encontra o trombonista de jazz, Takahashi, que devido à alguns problemas familiares, procura um sentido para a vida. Nesse meio tempo, uma prostituta chinesa é espancada no Alphaville (busque no google a referência), e sua gerente, Kaoru, precisa da ajuda de Mari (fluente em chinês), para descobrir o que houve e resolver o caso. Com isso, acaba se envolvendo com a máfia chinesa. Bastante coisa para só 204 páginas, não?

A narração acontece em terceira pessoa (caso raro para o Murakami) e acompanhada de um pequeno relógio, para que o leitor acompanhe o período da madrugada em que se ocorre o cenário descrito. O livro também, como já é de se esperar, fica um tanto surreal em certos pontos, de modo a tornar a história ainda mais fascinante. Além disso tudo, o autor decide usar a 1ª pessoa do plural em muitos pontos da narração, como se este quisesse levar consigo o leitor para dentro desse mundo chamado madrugada de Tóquio.

Um livro fascinante, com muitos pontos deixados em aberto para interpretação do leitor, como o sono eterno de Eri, que pode ser simbolismo para uma vida superficial e fora da realidade, e a presença do homem sem rosto - que nunca é explicada. Vale não só a leitura, mas uma releitura. 

E como não poderia faltar, vamos ao resultado do Haruki Murakami Bingo, fala Lombardi:
Unexpected phone call - cats - old jazz record - train station - parallel worlds - tokyo at night - unusual name.
E, como sempre, nenhuma fileira completa.



Nota: 5,0/5,0 - porque eu ainda não consegui encontrar nenhum livro ruim para resenhar nesse blog...

sábado, 8 de dezembro de 2012

Sobre a Música - parte 2 (Hora da História com o Tio Rapha)

Onde foi que eu parei da última vez mesmo? Estava falando alguma coisa sobre o rock psicodélico, década de 60, verão do amor e como essa forma de pensar e formar sociedade, dos hippies, me influenciou na adolescência, certo? Deve de ter sido alguma coisa assim... Hoje eu vou variar os gêneros, falar sobre o que aconteceu depois e, quem sabe se der tempo, fazer algumas críticas, pois é isso que eu faço de melhor nessa vida - reclamar.
A transição do Heavy Metal moderno para o rock de 60 fez com que eu mudasse por completo minha visão sobre música. Antes eu me importava com a parte técnica do negócio, o que, em retrospecto, parece bastante ridículo, considerando que meu conhecimento técnico sobre música é mínimo. De qualquer forma, me interessava por quantas notas um guitarrista conseguia enfiar em seu solo, por segundo; por quanto tempo a música durava; mudanças abruptas de ritmo; alcançe vocal e afinação do vocalista; enfim, toda essa bobagem pretensiosa que não significa porra nenhuma. Os hippies me ensinaram que tudo isso pode ir à merda, basta se importar com o conteúdo de sua música e deixar a coisa levar. Jimi Hendrix era um gênio, mas o próprio admitia cometer erros graves, técnicamente falando, em seus shows. Mas agora você, caro leitor, me diga se é perceptível, ou melhor se realmente importa. Feche os olhos e tente se isolar do resto do mundo ouvindo um disco ao vivo do Hendrix e me diga se existe, no rock, coisa mais perfeita. Janis Joplin desafinava, Grace Slick desafinava, Bob Dylan nunca acertou um tom na vida, mesmo assim, são as melhores vozes do gênero. Eram simples, eram puros, mas se importavam com a música, com a arte da coisa. É esse "se importar" que realmente me interessa. Bandas como Spirit, Grateful Dead, o músico Frank Zappa, Tomorrow, atingiram um sucesso comercial mínimo durante suas carreiras, mas em nenhum momento adaptaram suas composições para deixar mais agradável para o ouvinte. Faziam o que queriam e isso simplismente não existe mais em nossa indústria musical. Talvez com exceção de Black Crowes (pelo menos nos últimos discos), Siena Root, Baby Woodrose, Weird Owl e coisas assim, mas quem é que ouviu falar desses caras?

Creio que isso é coisa de época esse "se importar". Antes fazia parte da música, era inseparável, era o fator que a garantia o título de arte. Com certeza deve ter existido algum compositor barroco que adaptava suas composições conforme o desejo do rei, mas este se perdeu no tempo. Deve ter sido um grande sucesso na época, mas logo foi cansando e o substituíram por algum novo compositor, com a mesma falha de caráter, mas dessa vez com composições clássicas, ou talvez óperas. Os de verdade, aqueles que lançavam sua alma e sua mente nas notas, esses são ouvidos até hoje. Talvez os jovens mais ignorantes não saibam os nomes desses caras, mas com certeza já ouviram suas músicas.
E é partindo dessa ideia que eu começo minhas reclamações. Não sou desses que definem a qualidade de uma música partindo do gênero. Acho que todos têm seus representantes respeitáveis e todos têm os vergonhosos. Convenhamos, uma pessoas não gostar de sertanejo universitário, mas ouvir Poison, não é tão diferente assim, certo? Desculpe-me se te ofendi, mas é a verdade, ambas se venderam para o que estava na moda na época. Hoje são uns playboys de camisa polo apertada, cabelo espetado e bota de cowboy, falando sobre balada, bebida ruim e dinheiro; antes eram umas bonecas infláveis, com um penteado igual ao da sua mãe, vestindo só Krishna sabe o que, falando sobre cocaína, mulher fácil e bebida boa (até que os temas não eram ruins, mas a musicalidade era fraca...). O que eu quero dizer é que, assim como o sertanejo, o tão amado rock também ficou inteiramente pretensioso e se vendeu para qualquer coisa que desse algum dinheiro. Independentemente, o resultado é sempre o mesmo. Que fim levou Poison? O mesmo que levou Wham, Peter Frampton (perdão, ele tem seus méritos, mas I'm In You foi de foder a alma),  A-ha, o compositor que eu inventei que tocava para amansar o ego do rei e, logo logo, aquele vesgo afeminado e o cara parecido com o Neymar (quase todo mundo hoje dia) - o esquecimento.

Não existe gênero musical sagrado. Todos têm algum representante vergonhoso que merece o fim que recebe. A parte triste é que, coisa boa não falta, no entanto a maior parte das pessoas prefere a música ruim, dá valor e apoia a música ruim - até mesmo as pessoas que reclamam do funk e do sertanejo. O motivo disso é que os reclamões raramente se dão ao trabalho de caçar as coisas boas e perdem seu tempo ouvindo justamente aquilo que tanto dizem odiar. Tal qual o cretino que fala mal do Faustão todo o Domingo, enquanto assiste as Cassetadas (ainda existe isso?).

Eu me perdi legal nessa porra... O objetivo era falar um pouco sobre a parte boa do rock, que eu não cobri no texto anterior, e partir para o jazz e o blues, mas eu já escrevi demais nesse texto, que era pra ter sido postado aqui ontem. Acho que o objetivo disso tudo foi dizer: não reclame, procure qualquer coisa que te agrada. Exceto que aquilo que não te agrada lhe esteja sendo imposto, então você reclama, mas em qualquer outra circunstância - cale a boca e vá à caça (ou à merda, tanto faz pra mim)!

Mais alguns exemplos das bandas citadas hoje, premiando você que leu essa porra até o fim (ou simplesmente correu com o mouse para o fim do texto), em especial pra quem diz que não tem nada bom na música atual:







segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dançando no Escuro (2000) - Resenha

Quanto mais eu ouvia ou lia sobre os filmes do dinamarquês Lars Von Trier, mas eu os evitava. Gosto de uma tragédia tanto quanto qualquer um, mas seus roteiros e o clima de seus filmes me faziam pensar que ele se esforçava para desenvolver uma depressão profunda em qualquer um que viesse a assistir seus filmes. No entanto, ouvi maravilhas quanto a qualidade de sua obra e esforço em tornar seus filmes uma obra de arte. Então decidi assistir ao musical Dançando no Escuro.
 
Nunca valorizei musicais. Minha opinião é a mesma do Jeff (personagem do filme), não consigo entender o porquê dos personagens começarem a dançar e cantar, sem motivo, em situações cotidianas. Pra mim isso é idiotice. Ainda assim abro exceções para My Fair Lady (por causa da Audrey) e alguns outros que me convenceram de que, apesar da cantoria, o enredo é plausível. Dançando no Escuro, entrou na lista das minhas exceções. Nunca vi um musical assim antes, feito de modo que até a cantoria se encaixa de alguma forma no roteiro, sem dar aquela impressão de "pausa abrupta para música".
 
Vamos a história. Selma (Björk), veio da Tchecoslovaquia para os EUA, na esperança de juntar dinheiro para uma operação nos olhos de seu filho. Ela sofre de uma doença congênita e está, aos poucos, ficando cega. Seu filho sofre da mesma doença, embora não saiba, pois a preocupação pode piorar seu estado. Selma não gosta do capitalismo, crê que o comunismo de sua terra natal é melhor para as pessoas, mas ama os musicais americanos. Divide seu tempo entre o trabalho em uma fábrica (arriscado considerando sua doença), a criação de seu filho (dividida com os vizinhos e proprietários do terreno que ela aluga) e os ensaios de um musical amador da cidade. Tudo vai bem, até que merda acontece e eu entendi porque os filmes do Lars von Trier causam depressão. Não falarei o que acontece, veja e descubra. Exceto que você tenha tendências suicídas, nesse caso, fique longe desse filme.
 
Esse filme é o último da trilogia "Corações de Ouro" do diretor, que se baseia no tema "heroínas que, independentemente da tragédia, mantém seu coração de ouro". Isso define bem o filme. Ainda assim, a heroína não é perfeita todo o tempo, ela sofre e se desespera como qualquer outra pessoa que vê sua vida chegando ao fim e o futuro do seu filho em risco. É um filme humano, que explora nosso lado desumano e o teatro dos tribunais. Tudo isso junto aos sonhos musicais (compostos e interpretados por Björk, com letra do Lars) de Selma, que deixam o tom do filme mais leve, embora fique sempre claro de que estes não são nada mais que uma tentativa de fuga ilusória do destino terrível. Ficou claro que não é um desses filmes para se assistir casualmente, para entretenimento.
 
Outro detalhe, o filme é feito levando em consideração as regras do Dogma 95. Quebra algumas regras, mas segue as mais importantes. Pra quem não sabe, Dogma 95 é um manifesto feito pelo Lars e outro diretor do mesmo estilo, buscando limitar os meios de seus filmes, tornando-os mais simples e difíceis de agradar, fazendo com que o roteiro e as atuações tenham que compensar pela ausência de efeitos e outras distrações. Muito interessante, considerando que estamos na geração "foda-se o roteiro, faça 3-D". Essas são as regras do manifesto:
 
1. Filmagem deve ser feita no local. Acessórios e cenários não devem ser utilizados. Se um acessório específico ofr necessário para a história, a localização deve ser escolhida de modo que o acessório possa ser encontrado.
2. O som nunca deve ser produzido fora das imagens ou vice versa. Música não deve ser usada exceto que esta ocorra dentro da cena filmada. - Esse filme quebra essa regra, embora a origem das músicas seja gerada pela cena.
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há muito pouca luz, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Homicídios, Armas, etc. não podem ocorrer). - isso também acontece no filme.
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (O filme ocorre na época atual).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi abrandada para permitir a realização de produções de baixo orçamento.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

Gostei bastante. Acho que mais diretores deveriam se interessar por esse tipo de limitação, ou pelo menos não depender tanto das técnologias e facilidades atuais. Vale cada minuto das 2h14mins de filme.

Nota: 5,0/5,0

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sobre a Ética no Restaurante Self-Service (Hora da História com o Tio Rapha)



Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

O link: https://tinyurl.com/yy394a8y

Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.





Moro sozinho desde o meio de meus dezessete anos, quando comecei a faculdade em uma cidade distante de minha terra natal. Como todos aqueles que já passaram por essa nobre experiência, tive algumas dificuldades em meus primeiros anos. Nunca tive qualquer habilidade para trabalhos manuais ou domésticos, não tenho coordenação motora, senso de direção ou equilíbrio  se não bastasse, não sei cozinhar tampouco. Eu sozinho em um quarto-e-sala no meio de uma terra desconhecida, seria a receita para o desastre. Mas eu sobrevivi. Trabalhei pra caralho pra conseguir comer em restaurantes por quilo (self-service) da pior categoria e lavar roupa em lavanderias amigáveis com universitários (que oferecem desconto). Com isso, devo dizer que não foi sofrimento algum - foi até bem confortável. Tentei aprender o básico da vida domesticada, mas não é pra mim.
 
 
A escola em que fiz ensino médio era consciente da possibilidade de seus alunos saírem da cidade após a formatura, por isso ofereceu, gratuitamente, aulas de culinária, adaptadas de modo que até o maior dos imbecis seria capaz de aprender qualquer coisa. Esse era justamente o problema, a maior parte dos alunos eram imbecis (incluo-me nessa). Some isso ao fato da aula ser grátis - convenhamos, é difícil levar algo que não te fere o bolso a sério -, poucos saíram de lá com qualquer conhecimento. Os alunos que já sabiam cozinhar usavam aqueles que não sabiam para fazer o trabalho desagradável, cortar cebolas, descascar batatas, picar cenoura, alho e por aí vai - era o que eu fazia, não era minha vontade, mas os olhos verdes da moça que me pedia para fazer esse serviço me hipnotizavam. Então, na hora de cozinhar de verdade, algum imbecil gritava: - Truco! - e nos reuníamos à mesa até que servissem o prato, magicamente, pronto. Foi uma bela perda de tempo, mas a culpa foi toda minha. 
 
 
Mas esse texto não é sobre culinária e sim sobre restaurantes. Em Itajaí, devo dizer que me tornei uma espécie de pioneiro do paladar. Um restaurateur da classe operária, por assim dizer. Almocei em basicamente todos os restaurantes self-service da cidade, conheci os padrões, as combinações diárias, variações semanais, preço por quilo, acompanhei as mudanças, frequentei inaugurações, fiz indicações e resenhas verbais, descobri os melhores horários para evitar filas e como conseguir uma mesa independente da situação, além de breves análises sociológicas sobre o tipo de ser humano que frequenta esses ambientes.  Isso me permitiu desenvolver uma espécie de código de ética. Não etiqueta, etiqueta é para senhoras frescas que dedicam a vida a segregar garfos e facas, enquanto ingerem uma refeição do tamanho do meu punho, subdividida em cinco pratos. Não é sobre isso que esse texto trata, mas sim sobre normas de comportamento social, não escritas em legislação, mas que deveriam sujeitar a punição o sujeito que as quebra.
 
 
Peço que o leitor visualize uma fila de quilo ao meio-dia e quinze. Sim, meio-dia e quinze, não meio-dia em ponto. Meio-dia em ponto é quando os funcionários dos grandes prédios comerciais estão se matando por um espaço no elevador (que por sua vez será o tema de minha próxima história), os quilos ainda não estão lotados nesse horário (lembrando que esse guia somente é válido para Itajaí e cidades de tamanho igual ou menores). Os quinze minutos são um detalhe essencial, pois é quando as pessoas começam a chegar, em manadas, nos restaurantes; quando a fila começa a sair do restaurante e tomar conta das ruas. É nesse tipo de situação que se baseiam as primeiras regras:
 
 
Regra 1: Nunca vá até um conhecido bater papo só para furar a fila.
Isso acontece com uma frequência assustadora. Um cretino decide conversar com aquele amigo do colegial que ele não via faz dez anos. Por acaso, o tal amigo está quase alcançando a pilha de pratos em frente à comida. Ele não quer falar com o amigo, nem se lembra dele. O único objetivo do cretino é entrar na frente de todos. Não se intimide de constranger uma pessoa assim, mesmo que para isso seja necessário incitar uma revolta. Gente assim merece a cadeira elétrica.
Regra 2: É proibido guardar lugar. Se uma pessoa não está com você na fila, ela não está na fila.
Regra 3: Mantenha uma distância razoável da pessoa em sua frente, mas não deixe que uma distância maior que um braço se abra. Use o bom senso, do contrário pode-se considerar que você abandonou a fila.
Regra 4: Sempre pegue o prato do topo da pilha.
 
 
Essas são as regras da fila. Deve ter mais coisa, mas isso pode ser revisado um dia. Vamos avançar para o principal. Você não está mais na fila, tem um prato e talheres em mãos. Chegou a hora de se servir.
 
 
Regra 5: Não pense. Você sabe o que é a comida, pegue-a ou deixe-a. Tem dezenas de pessoas famintas atrás de você, respeite isso. Se você não respeita as pessoas, respeite a fome. A comida não vai falar com você, nem muito menos vir andando ao seu prato, se quiser decidir vá ao restaurante à la carte.
Regra 6: Não devolva a comida. Tocou seu prato, é seu, ponto final.
Regra 7: Não olhe pra trás. Se você deixou passar alguma comida específica e uns passos a frente mudou de ideia - tarde demais. Siga em frente com a vida ou volte para o fim da fila.
Regra 8: A comida disponível não é só sua, ela tem que alimentar toda a fila até a reposição. Limite seus instintos animais. Não carregue consigo todos os doze filés de frango. Em uma utopia, a quantidade de comida seria regulada.
 
 
Na hora de pesar e escolher a bebida:
 
 
Regra 9: São três etapas simples - pôr o prato na balança, pesar, retirar o prato da balança. Não é tão difícil.
Regra 10: Pense na bebida enquanto estiver na fila, depois disso, siga a regra 5.
Regra 11: Em todas as etapas, mantenha movimento. Essa é a chave para todas as filas - se é possível seguir, siga.
 
 
Essa parte é delicada. Escolher a mesa.
 
 
Regra 12: Nenhuma das mesas tem um prêmio escondido debaixo da cadeira. Não tem porque passar horas de pé pensando, se você vir uma mesa vazia, pegue-a.
Regra 13: Não deixe sua carteira, capacete de moto, celular ou qualquer outro pertence em uma mesa, enquanto estiver na fila. Em uma utopia, esses itens seriam considerados abandonados e passariam a pertencer àquele que pegasse a mesa primeiro.
Regra 14: Você está sozinho ou com um acompanhante, fique longe das mesas para quatro pessoas, exceto que essas sejam as únicas disponíveis.
Regra 15: As cadeiras vazias de sua mesa podem e devem ser ocupadas por qualquer um, caso todas as mesas estiverem cheias.
Regra 16: Se o restaurante estiver cheio e você tiver que se sentar com um desconhecido, peça permissão.
Regra 17: Quando uma pessoa pedir permissão para se sentar com você e o restaurante estiver cheio - aceite.
Regra 18: Nunca se sente com um desconhecido se ainda houver uma mesa vazia.
Regra 19: O primeiro a pegar a mesa é seu dono até que este termine sua refeição.
Regra 20: Evite conversas ou mesmo contato visual com o dono da mesa.
Regra 21: Ao dono da mesa é reservado o direito de ignorar qualquer um que a ele dirija a palavra.
Regra 22: Se seu prato e sua bebida estão vazios. Saia. Vá para casa, vá para o trabalho, vá para a rua, vá para a puta que te pariu, mas desocupe a mesa.
 
 
Acho que é o suficiente. Cobre os principais momentos, da fila até o fim da refeição. O código não é fixo e, a todo o momento, algo pode ser adicionado a ele. Retirado, somente se seguido de devida argumentação. Sigam as regras e até a proxima história com o Tio Rapha.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Meu Primeiro Livro (Hora da História com o Tio Rapha)

O leitor que acompanha essa bagunça que eu insisto em chamar de blog, sabe que eu sou um contista irregular, poeta ruim, cronista medíocre e romancista indeciso, ou seja, de tempos em tempos fico sem material e preciso improvisar fazendo resenhas apressadas e criando colunas que, por mais que eu diga que são contínuas, nunca voltam. Por isso eu me recuso a criar um cronograma - não consigo trabalhar com prazos e não acho que ninguém aqui se importa.
Decidi então criar, depois de escrever meus sonhos, tentar fazer um conto com temática medieval e me aventurar com haikai, a "Hora da História com o Tio Rapha". Por que Tio Rapha? Porque todos me chamam de Rapha, mesmo eu não gostando que homens me chamem assim, e o tio dá um toque de sabedoria. Lembro-me da primeira vez que fui chamado de tio. Estava saindo do cinema, com um grupo de amigos. Creio que tinhamos acabado de assistir o Motoqueiro Fantasma - e que filme horrível foi este -, estávamos rindo das cenas e ridicularizando o Nicolas Cage. Eu tinha dezesseis anos (isso foi em 2007, acho eu), estava começando a desenvolver minha arrogância cinematográfica. Não eram bons tempos, mas eu era jovem e pensava ter um futuro pela frente. Um futuro que não se baseasse em escrever devaneios e memórias em um blog visto por ninguém e, ao mesmo tempo, agindo como se fosse lido por vários, ou pelo menos tivesse um certo "cult following". Ela deveria ter uns catorze anos no máximo. Loura, magra e maquiada como uma pré-adolescente. Andava despreocupada a passos desajeitados e risos juvenis, segurando o braço da amiga que era como uma imagem do espelho, um pouco maior e mais cheia talvez. A mais bonita entre as duas cutucou meu ombro distraído pelos comentários sarcásticos que fazia sobre o filme risivelmente ruim. Sério, já falei que o filme foi ruim?
Viro para trás e sua aparência me surpreende. Quero saber se a conheço de algum lugar ou por que ela me chamava. Então ela diz: - "Tio, que horas são?" E eu respondo: -"Tio? Que história é essa! Tá bom, são nove e meia." Tio... Naquele momento, pensava que ela tinha a minha idade. Hoje penso que ela deveria ser mais nova, mas não sei, pode ser que fosse a noite, embora aquela rua fosse iluminada o bastante. Virei lentamente de volta para os meus amigos que seguravam o riso. Tinha de haver uma explicação para ela vir falar comigo e não era minha simpatia. Mas o tio foi de lascar.
Eu me perdi completamente nessa história, sobre o que eu ia falar mesmo? Sim! A coluna nova - Hora da História com o Tio Rapha.
A ideia aqui é falar sobre um assunto qualquer. Uma lembrança, um tema, um livro. Sem aquele tom de resenha, crônica ou ensaio. Só uma conversa. Ver se eu consigo atrair algum leitor usando um tom mais pessoal e amigável. Mas acho que é melhor eu ir direto ao tema de hoje, se não esse post fica quilométrico.
Queria falar sobre meu primeiro livro. Não o primeiro que fui forçado a ler ou que alguma tia me deu e eu atirei para o canto com desinteresse. O primeiro que eu escolhi e disse, "vou ler esse filho da puta."  Li, fui até o fim e gostei. O suficiente para ler outro e outro e por aí vai.
Para minha vergonha, já estava relativamente velho quando perdi a virgindade literária. Tinha lido outros livros, é verdade, mas por obrigação escolar, o que, em termos sexuais, equivale a punheta, ou seja, não conta. Minha primeira vez foi com Misto Quente do velho Bukowski. Li em e-book, em inglês, nos momentos de ociosidade do trabalho, no computador da empresa. Tinha começado a trabalhar lá fazia pouco tempo, então não era muito ocupado. Li o bicho em três dias. Nunca tinha lido nada tão rápido na minha vida. Estava impressionado com o estilo e a sinceridade do autor. A verdade é que eu não sabia que livros assim existiam. Conhecia apenas os pólos opostos - clássicos escolares e livros juvenis (hoje conhecidos como YA) e nenhum dos dois me agradava na época (hoje gosto e entendo os clássicos, pelo menos alguns). Depois segui para Cartas Na Rua e Factotum, o último em livro físico, pois a tela de computador passou a me dar nos nervos, e na tranquilidade de casa.
Misto Quente, pra quem não sabe, é um romance de memória ficcional (como quase todos do Bukowski), que fala sobre o desenvolvimento de Henry Chinaski, da infância ao começo da idade adulta. As principais descobertas do homem - mulheres e álcool. A frieza do mundo, o abandono e a "mediocrenização" - a forma que a sociedade conspira para destruir qualquer sinal de individualidade que resta em um ser humano, com o objetivo de torná-lo parte da máquina - e a revolta contra isso. Um livro inspirador que, se eu tivesse conhecido durante a adolescência, teria mudado tudo - talvez nem tivesse me incomodado por ter sido chamado de tio.
Buk mudou minha vida. Se não tivesse passado por ele, talvez passasse a vida sem livros, o que seria triste. Sugiro a todos que nunca o leram ou nunca leram na vida, vale cada palavra de cada página.
Gostei dessa "coluna", provavelmente seguirei com ela no futuro. Espero que vocês, minhas centenas de leitores diários, tenham gostado também, o suficiente para comentar e falar sobre sua primeira vez literária. Talvez continue com aquela coluna sobre os sonhos... O problema é que, justamente quando eu me propus a escrever algo assim, parei de me lembrar dos meus sonhos ao acordar. É carma, eu sabia que algo assim ia acontecer. Bom, chega por hoje.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Norwegian Wood - O filme e uma leve comparação com o livro.


Sugiro a todos que, antes de lerem essa resenha, busquem a resenha do livro, que fiz não faz muito tempo. Não pretendo retornar em conceitos básicos do roteiro, isso já foi feito, se você não viu o filme, não leu o livro, não leu minha resenha do livro, mas mesmo assim quer ler e entender essa resenha (qual o seu problema?), pesquise sobre no tio Google. Não quero ficar repetindo coisas.

Ontem a noite assisti a adaptação para o cinema de Norwegian Wood, lançada em 2010 no Japão, em 2011 nos EUA e nunca no Brasil. Dirigido pelo vietnamita Ahn Hung Tran, conhecido em concursos da Europa, mas não por mim - esse é o primeiro filme dele que vejo. Tampouco conhecia o elenco, mas fiquei bem feliz com as performances. Estava curioso para assistir uma adaptação de um filme do Murakami, é bem possível sentir esse lado cinematográfico nas histórias dele e algumas influências do cinema europeu tradicional e um pouco de Woody Allen. Esperava alguma coisa assim nesse filme e foi mais ou menos isso, no entanto, com algumas complicações.

Antes de tudo, o filme é um espetáculo visual como todo o cinema asiático parece se esforçar em ser. As luzes, as cores, o ambiente, tudo perfeitamente escolhido conforme o clima que a cena quer oferecer. Nesse quesito, se estivesse resenhado uma obra de arte puramente visual, receberia a nota máxima. Contudo um filme precisa de roteiro. É aí que começam os problemas.

O livro Norwegian Wood é uma extensa obra de mais de 350 páginas, com poucos personagens relevantes, mas todos com um desenvolvimento fenomenal, começo meio e fim. Não esperava que isso fosse perfeitamente representado no filme. Primeiramente, gostaria de avisar que não sou desses que criticam com fúria adaptações de livros. esse é um trabalho extremamente complexo. O livro não sofre com o mesmo número de restrições de um filme. O livro para ser escrito só precisa das palavras e ideias de seu autor, publicação e outros detalhes acontecem depois de o livro estar pronto. O filme pode ser pensado e escrito, mas precisa de um puta investimento para sair do papel e para conseguir isso, ele precisa ser vendido para alguma produtora. Livros passam por isso, mas as editoras me parecem bem mais abertas que as produtoras de cinema. No cinema detalhes como, tempo de duração, drama rentável e toda essa bobagem, devem ser respeitados. Nesse caso decidiram fazer esse filme em apenas duas horas. Sinto informar-lhes, mas não é possível.

A trama é tão mal-cortada e desorganizada que qualquer um que não tenha lido o livro, não vai entender uma cena sequer. Nenhum personagem passa por um desenvolvimento em cena, é tudo presumido. O Nazista, um personagem muito interessante no livro, aparece no filme, mas seu nome não é mencionado, suas peculiaridades são reduzidas a duas linhas desconexas de diálogo e, sem mais nem menos, o personagem, assim como no livro, desaparece. Isso tem efeito no livro, pois nós fomos apresentados ao personagem, nos relacionamos com ele e nos acostumamos com sua presença. No filme, sua existência é um grande foda-se. Se ele nem aparecesse na história talvez fosse melhor. O problema é que não é só o secundário "Nazista" que passa por isso. Todos sofrem esse problema, até os protagonistas. Em muitas cenas o espectador desavisado vai encarar a tela com um profundo olhar de confusão, porque algo está acontecendo, algo que até parece fazer sentido, mas é completamente incoerente ou mal-explicado. Imagino que o roteiro deva ter sido muito maior originalmente (ninguém consegue ser tão ruim assim em seu trabalho), além do mais, toda a equipe é competente, por que logo o roteirista não seria? O roteiro deveria ser ótimo, mas algum produtor o cortou em pedaços para que ele se encaixasse nas malditas duas horas. Honestamente, um filme assim nem precisaria existir.

Outro defeito é a trilha sonora. Em todos os livros do Murakami música é algo fundamental, sempre tem algum disco de jazz tocando em algum lugar em suas cenas. Norwegian Wood recebe seu nome por causa de uma música. Repito, música é fundamental nessa história. Não sei se eles não conseguiram os direitos autorais ou coisa assim, mas nenhuma das músicas citadas no livro aparecem no filme, exceto por um pedaço de Norwegian Wood, contudo, a história por trás da música não é explicado, então que se foda. A trilha que eles realmente usam, não é tão ruim. Embora não seja a mesma do livro, combina, na maior parte das cenas, com a história. No entanto, em alguns trechos, a música utilizada me fez sentir que um assassino iria aparecer em alguma cena, de preferência em um hospital escuro - essa faixa me confundiu profundamente.

Confundir, tá aí o verbo que resume o filme. Todas as cenas parecem se esforçar para confundir por completo o espectador. As cenas do livro são fiéis, mas completamente soltas e sem explicação. Para quem leu o livro, esse filme é uma experiência incompleta e insatisfatória. Para quem não leu, o filme não é experiência alguma, apenas um conjunto de cenas bonitas e coloridas e sem sentido algum.  Imagina que um cidadão afobado e com alguma deficiência de atenção, que você nunca viu na vida, aparece na sua frente e te conta a história desse livro, mas como ele está com pressa, fala muito rápido para cobrir a coisa toda em cinco minutos - o filme é mais ou menos isso. Não recomendo a ninguém, mas não culpo os envolvidos. O filme me cheirou a corte de produtora gananciosa, mas não posso provar nada. Talvez tenha sido realmente incompetência, darei o benefício da dúvida.

Nota: 2,0/5,0 (somente pela atuação e visuais, se não seria 0 mesmo)

domingo, 4 de novembro de 2012

Norwegian Wood - Haruki Murakami



Não queria resenhar livros de um mesmo autor em sequência, creio que isso deixaria minhas resenhas previsíveis e desagradáveis para o leitor. Acontece que eu não planejo essas críticas, não planejo os filmes, os discos ou os livros. Simplesmente resenho aquilo que li, ouvi e vi - não necessariamente tudo, mas aquilo que é resenhável. Esse é o caso. Acabo de ler Norwegian Wood. Comecei sexta, achei que levaria mais tempo, mas esse livro é incrivelmente rápido, mais ou menos como a vida universitária - não sei se foi o objetivo, mas parabéns ao Muraka por gerar esse impressão, afinal, como ele é famoso por seu ritmo, lhe darei crédito independentemente.

A história é sobre Toru, um jovem universitário. Seus encontros, desencontros, amores, felicidades e tristezas. Ele se apaixona por Naoko, namorada de seu melhor amigo Kizuki, que por sua vez se suicida aos 17 anos, formando todo esse quebra cabeças afetivo que é o tema do livro. A música favorita de Naoko é Norwegian Wood, dos Beatles (excelente música por sinal). Toru a ouve, muitos anos depois dos acontecimentos desse livro, em um aeroporto, em versão orquestrada, o que lhe traz todas as memórias de sua juventude.

Além de Naoko, Toru se encontra com Midori (que personagem fantástica!), companheira de sala que acaba se envolvendo com ele, complicando ainda mais essa tragédia moderna. Tragédia que, "por coincidência" é o tema de estudos dos jovens - Sófocles, Eurípides, sabe?

Em geral o livro é sobre perdas. De pessoas, amores, juventude, até a vida. Todo tipo de perda ou, mais exatamente, transição, pois como o narrador define, morte não é necessariamente a perda da vida, mas sim parte dela. Mostra a difícil transição da juventude para a vida adulta, esse período entre os 18 e 20 anos, que, diferentemente da adolescência - que simplesmente acontece -, é uma transição escolhida e, muitas vezes, forçada e confusa, embora necessária.

As referências à cultura pop e o humor sutil e peculiar são os pontos fortes do romance, que fazem com que história não se torne um poço de depressão, até porque o objetivo da história é justamente esse - mostrar que, nesse mundo imperfeito de pessoas imperfeitas em que vivemos, merda acontece, e por mais cruel que isso possa parecer, essa merda deve ser superada. É difícil, mas não há nada que sexo, jazz, uísque e viagens não ajudem a esquecer.

Fizeram um filme sobre esse livro. Pelo que vi no trailer, ele é visualmente fantástico - como tudo que os orientais fazem. Não sei se é tão bom, mas irei vê-lo e, quem sabe depois faça um comparativo.

Vamos, então, aos resultados do Bingo de Murakami para Norwegian Wood: ear fetish - dried-up well - cats - old jazz record - train station - precocious teenager - cooking - weird sex (tive problemas para definir o que é estranho para os padrões do autor, mas acho que entendi) - tokyo at night

Passei o livro todo esperando algo desaparecer, mas não aconteceu. Deve ter sido o efeito de "Minha Querida Sputnik". Tampouco sei o que é um nome estranho para japoneses, por mim todos são esquisitos - tal como Raphael deve ser bizarro pra caralho para eles...

Agora gastarei o dinheiro que não tenho para comprar Kafka a Beira Mar (pelo que ouvi é o melhor) e Após o Anoitecer. Depois digo o que eu achei.

Obs.: Isso não vai afetar a nota, pois a culpa é dos tradutores e revisores, mas a edição da Alfaguara vem com três belos erros de concordância, os quais não marquei, mas são bem visíveis durante a leitura. Não prejudica o entendimento, mas é feio pra cacete, viu Alfaguara (Objetiva)!

Nota: 5,0/5,0



Não é linda a música?


Esse é o trailer do filme.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Minha Querida Sputnik - Haruki Murakami


Esse foi um livro que me surpreendeu. Estou nesse momento, tentando reunir as informações essenciais do livro para preparar a resenha, mas foi tanta coisa, que sei que não será possível lhe fazer justiça. Não é o melhor livro da história, também não quero exagerar, mas não esperava que fosse tão bom.
 
 
Enquanto pesquisava sobre o autor, antes de comprar o livro, pensei que ele seria um desses autores superestimados, considerados grandes gênios contemporâneos, mas na realidade, não são tão bons assim, ou não têm originalidade alguma. Errei. É um livro original e Murakami é um dos melhores escritores contemporâneos.
 
 
O livro é sobre Sumire, aspirante a escritora, fanática por Kerouac (pelo menos naquela semana), um tanto perdida e aparantemente irresponsável, e a única amiga de K., o narrador. K. é um jovem professor, solitário, que conheceu Sumire na universidade e se apaixonou. No entanto, nunca foi correspondido, pois, embora entre eles existisse amor, Sumire não sentia desejo sexual, pelo menos não por ele, nem por homem algum. Sumire, em um casamento, conhece Miu, uma mulher misteriosa, dezessete anos mais velha, ex-pianista, empresária de sucesso e casada. Sumire se apaixona por Miu, mas também não é correspondida. Nesse contexto, desenvolve-se a história dos três. A sinopse dessa edição do livro, diz tratar-se de um triângulo amoroso, mas como eu sempre pensei que para formar um triângulo, um dos lados tem que ser correspondido, creio que se trata de outra coisa. Sobre relacionamentos e afeto, ou mais exatamente, a falta desses - tema comum na cultura asiática moderna, como pode ser visto nos filmes de Wong Kar Wai.
 
 
A história começa leve, com um humor interessante e tantas referências quanto em um filme do Tarantino. Na verdade, lendo o livro, pensei em filmes do Woody Allen, Tarantino e Godard, se os três se unissem, provavelmente o resultado seria algo assim. Com o passar dos capítulos, o surrealismo começa a invadir e as marcas registradas do Murakami começam a aparecer.
 
 
Talvez o leitor não saiba, mas a NY Times desenvolveu o Murakami Bingo, para ser jogado durante as leituras de seus livros. Fiz isso, não consegui completar nenhuma linha, mas marquei vários quadros. Se você tiver a oportunidade de lê-lo (leia-o, falo sério!), jogue também, é muito interessante. (Marquei: Mysterious woman, ear fetish, dried-up well, something vanishing, unexpected phone call, cats, old jazz record, running, historical flashback, parallel worlds, vanishing cats)
 
 
O que mais me impressionou foi Sumire. Como escritor amador, sei como é difícil escrever uma mulher sem cair nos velhos clichês. Murakami conseguiu, criou uma das grandes personagens femininas da literatura. Além disso, ele também conseguiu capturar a alma dessa personagem e transformá-la em uma boa escritora. Reparem se não existe uma quase mudança de personalidade na narração, durante os capítulos em que vemos os documentos escondidos com o diário de Sumire. É impressionante, não é mais o autor escrevendo, mas Sumire assumindo a escrita, só esse detalhe já valeria o livro.
 
 
Fiquei ainda mais interessado pelo trabalho do autor. Não quero me exceder, falando muito sobre a história, pois isso poderia estragar a experiência. Esse livro é melhor se lido sem nenhum conhecimento sobre os acontecimentos e complicações do enredo. Apenas saiba que surpreende. Talvez não tenha sido parcial nessa resenha, nunca sou, mas o livro me tocou profundamente. Também vi minha melhor amiga "sumir feito fumaça", então toda hora me via perdido na leitura, por causa de algum flashback que tive de meus momentos com ela. Não consegui não me identificar com a história e com os problemas de K. Creio que, em alguns anos, esse será um daqueles autores clássicos, que não podem faltar nas bibliotecas pessoais de leitores assíduos.
Nota: 5,0

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Anjos Caídos (Duo Luo Tian Shi, 1995) - Wong Kar Wai

 
Sabe esses filmes que, ao terminar, você não sabe dizer o que houve, mas está fascinado e emocionado pela experiência de poder vê-lo. Esses são meus filmes favoritos, e uma das marcas do diretor chinês Wong Kar Wai (Amor a Flor da Pele - minha próxima resenha de filme).
 
Gostaria de avisar que baixei esse filme na loja do Paulo Coelho (se isso te revolta, me envie uns DVDs que eu resenho tranquilo), me arrependi profundamente. A qualidade de vídeo era impecável, digna de Blu-ray, mas as legendas estavam péssimas. Se você for fluente em chinês e conheça o dialeto de Hong Kong, baixe, se não, alugue em qualquer lugar, ou peça emprestado daquele amigo cinéfilo chato pra caralho - confie em mim, ele tem esse filme, só não vá riscar o DVD. Por causa das legendas, que em muitos momentos aparecia atrasada ou nem mesmo aparecia, perdi muitos detalhes do filme, por isso vou alugá-lo hoje e editar essa resenha caso alguma coisa me chame atenção.
 
A história é sobre um assassino em seu último dia de trabalho. Ele tem uma parceira no crime, com a qual ele tem que se separar por não achar apropriado que colegas de trabalho se relacionem de modo afetivo. A falta do afeto também o faz buscar companhia em qualquer mulher que esteja disposta, como ocorreu com a Blondie. Em seu caminho ele cruza com um mudo fascinante e este, por alguns momentos, se torna narrador da história. - Outra obs.: isso pode soar meio racista, mas até a primeira metade do filme, confundi o assassino com o mudo, pensando que eram um personagem só..., pois é, eu realmente preciso rever esse filme.
 
Mesmo se tratando da vida de um assassino, a ação é muito sutil, acontecem alguns tiroteios exporádicos e mortes bem gráficas, mas o foco do filme são os relacionamentos, as idas e vindas, pessoas que aparecem e somem sem qualquer explicação. É sobre o desligamento das relações afetivas atuais nas grandes cidades. Tema comum na arte contemporânea asiática, vide escritores como Haruki Murakami (que logo resenharei, tenho dois livros dele recém-comprados, a caminho de minha casa).
 
Como a maior parte dos filmes asiáticos, Anjos Caídos, é um espetáculo visual. As cores são espetaculares e constantemente exploradas. Os tons mais escuros da cidade e da noite, dão aquele ar de submundo, meio literatura beat, que o diretor, provavelmente, queria explorar. A trilha sonora, os movimentos, os sons do trem, é um grande festival para os sentidos. Por isso gostei do filme, mesmo com as legendas defeituosas, pois tudo nele é um espetáculo, os personagens mesmo quase não falam, vez ou outra narram a história, mas imagino que, se fosse um filme mudo, a impressão seria a mesma. Os diálogos, embora raros, são excelentes. A cena da moça que teve o coração partido e decide se vingar por telefone, e o rapaz mudo gesticulando seus pensamentos enquanto a consola, é hilária e brilhante. Outra cena marcante é quando a parceira, ouve a música que seu parceiro assassino encomenda no bar que os dois frequentam em horários diferentes, para indicar a separação. Depois ela volta para a casa do parceiro, que ela costuma limpar enquanto ele trabalha, e se masturba em sua cama, chorando e fumando, enquanto a música toca. Os gemidos em contraste com as lágrimas e a voz doce da cantora, é uma das coisas mais assombrosamente lindas que eu já tive o prazer de experienciar com o cinema.
 
Em suma, é um filme sobre relacionamentos, mais exatamente a falta deles. O fim do afeto nas cidades modernas e o sexo como a única coisa capaz de fazer a população dormir a noite. Como um filme europeu, mas com aquele típico sentimento de repreensão e diligência asiático. Um excelente filme, que deveria ser visto por todos que gostam de cinema para mais que só diversão estúpida.
 
Nota: 4,5/5,0
 
 

sábado, 22 de setembro de 2012

Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's) - Livro x Filme


Deixe-me lhes contar sobre como se deu início o meu fascínio, ou tara, pelo olhar feminino. Tinha quinze anos quando a conheci, uma garota espetacularmente linda. Ela era loura e pequena e tinha um sorriso hipnotizante, constante e fixo. Ela era tudo isso, e o leitor terá que me perdoar as imprecisões, mas não a vejo faz quatro anos. Ela costumava sentar-se em minha frente na sala de aula e, durante as aulas de física, começaríamos uma disputa imutável de jogo da velha - que sempre terminava em empate -, e me olhar com aquelas janelas azuis - ou seriam verdes? Minha memória não tem mais quinze anos infelizmente - curiosas e exploradoras. Sentia que ela poderia me pedir qualquer coisa, tirar qualquer coisa, descobrir qualquer coisa, olhando-me daquela maneira. Infelizmente eu era muito estúpido, na época, para compreender e muito tímido para aproveitar. Meus momentos com ela são os maiores arrependimentos da minha vida, e fique sabendo que eu não sou um desses idiotas que saem por aí dizendo não ter tristezas ou arrependimentos - só os vegetais e as crianças eternas não se arrependem. Hoje essa história é só uma bela memória, e o olhar dela foi logo substituído por outro, que foi substituído por outro, e outro por este. Só me resta a marca mental que ela me deixou, a marca que toda a grande mulher deixa em um homem, quando parte.

Holly Golightly é uma dessas, se não a grande mulher da literatura internacional. A mulher que escraviza, tortura e fascina o narrador - o aspirante a escritor, o qual Holly chama de Fred (nome de seu irmão) - e uma série de outros homens. O livro de 1958, conhecido no Brasil por Bonequinha de Luxo (Truman Capote), virou filme em 1961, dirigido por Blake Edwards.

Vi o filme antes de ler o livro, e sugiro a todos, que se interessarem pela história após essa resenha, que façam o mesmo. O filme é excelente, no entanto, se visto após a leitura do livro, vira um lixo, o que é uma pena, considerando que Bonequinha de Luxo, o filme, é uma experiência fascinante, graças a bela atuação de Audrey Hepburn (pra mim, a mulher mais linda que já existiu. Sério, tente encarar a foto no começo do post e não se sentir paralisado) e o roteiro bem executado, leve, mas sem cair no padrão das comédias românticas. Quase como um Roman Holiday, exceto que este não é uma adaptação de romance e é bom independente das circunstâncias.

O livro, como sempre, é extremamente superior ao filme. Tanto que torna o que, de outro modo, seria uma experiência cinematográfica interessante, em um romancezinho pretensioso e mal executado. Após ler o livro, a única coisa que me pareceu aproveitável no filme foi a cena inicial, com Audrey Hepburn saindo de um táxi, ou seria limousine, com um saco que contém seu café da manhã, caminhando lentamente em frente as vitrinas do Tiffany's, mordiscando seu sanduíche de forma melancólica. É uma excelente apresentação de personagem e, se o filme se mantivesse fiel ao livro em todos os momentos, hoje seria um dos melhores da história do cinema.

Infelizmente estamos falando da década de 60. A personalidade literária de Holly, criada por Capote, é polêmica até nos dias de hoje. Uma moça livre, tanto pessoal, quanto sexualmente, que não vê no homem um protetor, ou um parceiro, mas um meio para alcançar o estilo de vida que ela desejava. Ainda assim, não tão superficial a ponto de achar que o que ela faz é ideal. Somente não acredita no ideal. A curiosidade de Holly quanto ao homossexualismo é completamente apagada, embora as referências ao possível desejo incestuoso com relação ao seu irmão seja mantida, embora de forma bem mais sútil. Na realidade, todo o homossexualismo foi apagado, inclusive do protagonista, que de acordo com o próprio Capote, era gay, mesmo o livro não explorando esse lado. Se o filme não explorasse esse lado tampouco, não haveria problema, mas parece que os responsáveis pela adaptação queriam modificar o narrador por completo.

Existia no livro, um interesse romântico entre o narrador e Holly, mas era um tanto relutante e surpreendente para ele. Enquanto na adaptação ele é uma espécie de gigolô, sustentado por uma senhora rica, e não só se apaixona por Holly, como também... não vou dar spoilers, está decidido.

Muitas pessoas que leram o livro, não gostaram da interpretação de Audrey para Holly, nem mesmo Capote, que via sua amiga Marilyn Monroe no papel. É verdade que a personalidade de Marilyn é mais compatível com a personagem, contudo, o jeito, a delicadeza, a simplicidade e a beleza humana de Audrey me convenceram de que a interpretação não foi ruim, toda a falha é de responsabilidade do roteirista e da época. Não vou entrar no mérito de qual atriz seria melhor, pois não poderia ser imparcial. Acho que ambas fariam um trabalho igualmente interessante, em suas diferenças.

Se você for um desses idiotas que precisa ter os genitais de seus sentimentos esfregados a todo o instante, somente veja o filme e ignore o livro. Se você estiver atrás de uma excelente história e experiência cultural, veja os dois, mas o filme primeiro.
 
Nota: livro: 4,5 / filme: 4,0 (antes da leitura); 3,0 (depois da leitura)


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Sirva o exército, menino!

“Todo jovem, ao completar dezoito anos, deve se direcionar ao posto militar de sua cidade e cumprir com o alistamento obrigatório”.

Quem nunca, na infância ou na juventude, sentiu calafrios ao ouvir essas palavras na televisão e no rádio. O exército foi uma de minhas fobias de criança, com aquelas propagandas em que um homem uniformizado e autoritário, gritava palavras incoerentes sobre responsabilidade e amor à pátria para uma fileira de jovens. Não entendia realmente como funcionava aquilo e quando perguntava aos meus pais, ouvia sempre que meu pai fora dispensado por excesso de contingente, e meu avô por ter pés chatos – esse último caso geralmente era complementado pela minha mãe observando que “meus pés eram bastante côncavos”. Aos seis anos de idade, eu não fazia ideia do que significavam essas palavras, contingente, pé chato, pé côncavo, mas formava, ainda assim, suposições infantis e surreais das quais hoje já não me recordo.

Quando eu atingi a maioridade e tive que me alistar, juro que estava tão ocupado com outras preocupações, que só parava para pensar que aquele era o ano do exército quando tinha que fazer algo relacionado a isso. Estava sozinho, tinha acabado de me mudar para um apartamento em uma cidade distante da minha terra materna, começado uma faculdade e um emprego. Meus devaneios pertenciam a essas preocupações – os novos gastos, a família distante, os amigos abandonados, a namorada perdida, os horários corridos, ocupavam minha mente mais do que qualquer outra coisa. Na verdade, lembro-me que nessa época, minhas esperanças estavam em um pedaço de legislação que havia pesquisado no ano anterior que dizia, mais ou menos, que pessoas com ideologias filosóficas ou religiosas contrárias ao exército poderiam ser dispensadas. Era simples, no dia do alistamento, diria a pessoa responsável pelas inscrições que sou pacifista e, portanto, deveriam me liberar. Criei coragem e, no dia do alistamento, disse exatamente isso à atendente, que me respondeu com um sonoro “e...?”, enquanto me intimidava com um olhar de nojo, esperando que eu reagisse de alguma forma. Gaguejei um pouco, mas respondi que a lei mencionava que pessoas de ideologia religiosa ou filosófica contrária ao exército, poderiam ser liberadas. Ela me olhou como se não tivesse entendido e disse que aquilo só era válido para adventistas.

Acreditei naquela exceção. Poderia não ser verdade, mas, considerando as liberdades que os adventistas andam recebendo, era muito possível que eles sejam os únicos com o poder de receber dispensa automática do serviço militar. Aparentemente, eles fossem os únicos pacifistas oficiais do Brasil, mas isso é outro assunto.

Não tinha jeito, tinha que me alistar, no entanto isso não significava nada. Teria que esperar uns meses, me direcionar novamente até a secretaria do exército – que ficava a uma considerável distância da minha casa – para que me informassem se eu tinha sido selecionado para a segunda fase, que consistia de uma série de testes que eu logo lhes direi quais foram.

O dia dos resultados chegou logo, mas a essa altura eu já sabia que teria que fazer todos os testes, seguir até a última etapa antes da dispensa. Não tinha nenhum motivo para pensar assim, entretanto me parecia bastante óbvio que eu teria que seguir por todas as etapas. A secretaria era uma sala pequena, com aparência antiga e duas mulheres de meia-idade atendendo com um humor condizente a aparência. De vez em quando, um homem uniformizado passava e gritava instruções para as senhoras, tive medo que aquilo se tornasse minha vida – ouvir gritos de um idiota. Na parede tinha um quadro pendurado e orgulhosamente moldurado com os dizeres do juramento a bandeira. Devo ter lido compulsoriamente aquele quadro três ou quatro vezes enquanto aguardava os jovens que, antes de mim, recebiam suas condenações. Ao meu lado estava outro rapaz, acompanhado do pai orgulhoso por ter um filho que desejava seguir carreira militar. Sabia disso, pois ele não parava de falar sobre como o exército lhe foi uma experiência magnífica, como era importante o exército para ensinar responsabilidade a um jovem e toda uma série de coisas que, depois de algum esforço, consegui ignorar, graças à placa do juramento que me servia como chama de vela para meditação. A cada frase ele dava um tapa no ombro do filho, que sorria olhando para o pai como para uma estátua divina de Ho Chi Mihn.

Dirigimo-nos, eu e o orgulho do papai, praticamente ao mesmo tempo, à mesa em que se encontravam as duas senhoras, que naquele momento, já pareciam estar mortas. Eu recebi um papel que dizia que eu fui aprovado para a segunda fase, com o endereço do local onde seriam realizados os testes para a aprovação final. Não me surpreendi, até que ouvi choro. Ao meu lado, o aprendiz de soldado chorava, dizendo:

- Mas por que não, senhora? Eu quero me alistar! Eu quero servir à pátria! – algo me levava a crer que o pai da figura, ao ouvir estas palavras, teve o orgasmo mais bizarro de sua vida.
- Desculpe menino, mas não a nada que possamos fazer. – gritava o uniformizado, que surgiu do nada ao ver o choro do menino-modelo.
- Mas é o meu sonho... – seu pai teve orgasmos múltiplos, e o uniformizado uma indiscreta ereção, eu imaginava.
- Você estuda, meu jovem? Faz faculdade? – indagava o uniformizado.
- Engenharia naval - fungou e enxugou os olhos.
- Então! Vá estudar, aproveite a juventude. Essa sua faculdade vai te permitir um cargo bom no exército, caso você queira mesmo seguir carreira no futuro.

Enquanto esse diálogo acontecia, eu me direcionei ao cadáver que me atendia e sussurrei:

- Vocês não podem dar a minha vaga para esse coitado?

Ela não me respondeu. Só me olhou com reprovação e desgosto, o que me silenciou até o fim do processo. Por algum motivo, eu esperava um sim ou um riso, mesmo que isso fosse totalmente fora da personagem que a atendente interpretava.

Era isso. Eu, um estudante de comércio exterior, fisicamente inapto, contrário ao exército e indisciplinado, “roubei” a chance de um futuro engenheiro naval, responsável, amante do exército e com sérios problemas psicológicos (esse último é uma adivinhação minha). Qual é o critério dessa seleção? A intenção é gerar uma nova geração de soldados competentes ou simplesmente ser um grande inconveniente para o “pós-adolescente” avesso à vida de soldado? Restava-me aguardar os testes e o resultado final.

Naquela época eu era relativamente novo na cidade. Conhecia os lugares que eu frequentava, mas os nomes de rua e bairros para mim eram outro idioma. Ao ler o endereço, precisei buscar um mapa na internet. No grande dia, o imprimi e sai pelas ruas com ele, às cinco e meia da manhã (o teste era às oito, mas tinha medo de me atrasar), fazendo consultas a cada esquina, para garantir que estava no caminho certo. Já no meio do caminho, percebi que havia um erro na impressão e estava seguindo o caminho errado o tempo todo. Procurei pedir informação, mas é difícil falar com as pessoas antes das seis. Aproximei-me de uma varredora e lhe pedi informações, ela me indicou para a direção contrária a que estava seguindo. Chegando ao local onde deveria ser, - de acordo com a varredora - a base da Marinha (única possibilidade de alistamento em Itajaí) na qual se realizariam os exames, não encontrei nada que pudesse me servir de indicação. O único ponto de referência que tinha era o Mercado Público, que eu não sabia onde ficava e nem a varredora que eu abordara antes. Falei então, já depois das sete, com outra varredora, as únicas pessoas dispostas a ajudar no período da manhã em Itajaí. Essa sabia onde ficava o tal Mercado Público e, com o seu sotaque peixeiro irritante, disse:

- Vish nego! Pra chegar no Mercado Público tens que ir toda vida reto na direção da Igreja Matriz. Aquela igreja lá longe, ‘tas vendo?

Eu via a igreja. Ficava longe, mas era enorme, então servia de ponto de referência na cidade, independente de onde se estivesse. O que me irritou foi que, no momento que falei com a primeira varredora, estava razoavelmente próximo da igreja. Como poderia ela não saber onde ficava o Mercado se estávamos tão próximos dele? “Ela quis foder com a minha vida!” – pensei. Mas pouco importava, tinha que percorrer um longo caminho e não me restava muito tempo.

Consegui chegar as cinco para as oito, na praça onde fica a igreja. Encontrei um grupo de taxistas e perguntei em que direção ficava o Mercado Público. Um deles me direcionou para uma rua pela qual eu segui, até perceber, no meio do caminho, um homem vestido com o uniforme do exército e cabelo raspado. Perguntei se ele era da Marinha e ele afirmou. Acompanhou-me até o local do exame. Já estava uns quinze minutos atrasado, mas aparentemente não importava. Fui recebido por um marinheiro que perguntou se eu estava lá pelo alistamento obrigatório. O cansaço da caminhada de três horas me deixou razoavelmente hostil. Não ajudou que, para diminuir minhas chances de aprovação, no dia anterior eu fui ao mercado e comprei uma garrafa de uísque qualquer para me embriagar (isso sim deveria ser o dever de todo o jovem ao cumprir dezoito anos), só para fazer os exames de ressaca. “Onde está o Mickey, Pato Donald?” – pensei em responder, mas tive medo que ele fosse uma das autoridades que é crime desacatar. Então simplesmente afirmei e o segui até a sala de espera, na qual se encontravam dezenas de jovens que aguardavam seu nome ser gritado por outro uniformizado, que ficava em frente de um computador anotando as informações dos examinados.

Esse processo seria muito mais rápido se o militar em questão soubesse usar mais de um dedo para digitar. Por isso meu atraso foi irrelevante. Cheguei lá às oito e vinte, mas só fui chamado depois das nove.

Começou o tal teste. Fomos encaminhados para uma espécie de sala de aula, com carteiras e quadro negro. Lá um marinheiro, de cargo superior ao pato Donald da recepção, gritava instruções. Ficava imaginando o quanto o governo não gastava com pastilhas para a garganta para os soldados.

- O teste se divide em: um exame vocacional e intelectual, um exame físico e uma entrevista. O exame intelectual se divide em testes de lógica, matemática e engenharia mecânica.

Ao ouvir isso, lembrei-me do engenheiro naval e de como ele seria muito mais apto para tais testes do que eu, um simples auxiliar de exportação de uma firma de despacho aduaneiro. Até que eu li a prova e vi que pouco importava a aptidão do candidato. Qualquer um que tivesse passado pelo ensino fundamental, talvez nem isso, conseguiria fazer estes testes. Queria muito errar as questões, mas tinha medo que minha tentativa se tornasse óbvia. Tive que disfarçar e fazer parecer que os erros eram um acidente. Contudo, não deveria me preocupar com isso ainda. Primeiro teria que completar o exame vocacional. Já tinha feito um desses, o resultado foi “algo na área de humanas ou gestão”, nada nem sequer remotamente similar à militar.

Até hoje questiono a lógica daquele teste vocacional. Tínhamos uma série de quadros ilustrados indicando cada uma das possíveis áreas de atuação de um militar, com isso, marcávamos aquela que nos parecesse mais agradável. Um dos quadros tinha como opções: Operador de linhas telefônicas; operador de lança-chamas; mecânico; motorista. – Escolhi operador de linhas telefônicas, não sabia quais eram as funções, nunca operei uma porra de linha telefônica, mas estava escolhendo sempre a opção mais distante do serviço militar regular. Em outra questão dessa série, marquei que gostaria de ser médico, afinal todo o assistente de exportação que se preze, sabe realizar cirurgias emergenciais.

O maior dos insultos foi o exame intelectual e lógico. Principalmente por causa do fiscal da sala, que nos ficava rodeando e pressionando, como se aquele fosse o teste mais difícil concebível pela humanidade. Não vou falar sobre o teste de lógica, pois até hoje não o entendi, mas o tal teste intelectual foi, possivelmente, o mais fácil que eu já vi em toda a minha vida. Tão fácil, que o mais difícil era escolher uma opção errada que não parecesse tão forçada e levantasse suspeitas das minhas tentativas de forjar os resultados.

Uma das perguntas tinha o desenho de um balde, nele estavam marcados cinco pontos diferentes, um no topo da alça, e quatro em cada “extremidade”, superior e inferior do balde... balde de metal. O texto era: considerando a imagem abaixo, em qual dos pontos o soldado deve amarrar uma corda para erguer o balde sem derramar uma gota d’água? – Marquei que o ponto correto era o inferior direito. Não sei como amarraria uma corda nesse ponto, já que a corda teria que passar por dentro do balde de metal sólido, mas pouco me importava.

Durante a prova de matemática, o fiscal ficou ainda mais excitado e passou a pressionar os possíveis recrutas ainda mais, dizendo que “matemática é sempre difícil, mas um soldado deve ser rápido durante situações extremas”. A situação extrema, para ele, era o problema “2+5+3-4”, que, para mim, era igual a 14. Terminei a prova com tempo de sobra, o que chamou a atenção do fiscal, mas ainda teria que esperar o resto da sala, até que cada um de nós seria chamado, em grupos de três, para ainda outra sala, na qual seria realizado o exame físico.

Entrei na sala, que mais parecia uma enfermaria com um quadro negro, e, antes mesmo de dizer bom dia, os examinadores, dois homens (provavelmente soldados), exigiram que eu e os outros dois jovens que me acompanhavam, nos despíssemos e ficássemos somente em nossas roupas de baixo. Os outros dois que estavam comigo, cumpriram a lei social que diz: um grupo de homens seminus trancados em um mesmo ambiente não devem fazer contato visual. Ou, pelo menos, eu acho que a cumpriram, não os olhei para verificar. O examinador pediu para que cada um de nós puxasse uma barra de ferro presa a um aparelho que, supostamente, media nossa força. Estava fraco, não tinha tomado café da manhã, e minha cabeça estava me matando por causa do uísque da noite anterior, todos esses fatores devidamente planejados com antecedência. Fiz o máximo de força possível, mas não creio que o resultado tenha sido muito satisfatório, vide os olhares de reprovação que me foram lançados. Nunca havia recebido tantos olhares de reprovação na minha vida como naquela época. Tudo ficou ainda mais estranho quando fomos chamados individualmente para um canto coberto por uma cortina. Lá o segundo examinador fazia uma espécie de inspeção genital no examinado. Toda a movimentação manual era feita pelo próprio examinado, mas mesmo assim, não estava - e ainda não estou - acostumado a manipular meu pênis em frente a outro homem, ainda mais um que nem me deu bom dia. Mas o pior de tudo foi que ele nem me ligou no dia seguinte.

Todo o constrangimento passou, estava sendo direcionado para a última fase dos exames – a entrevista. Fui encaminhado para uma fila, relativamente curta e que se movia rapidamente, ela levava até o escritório do responsável por aquela área da Marinha. Não sei seu cargo, não me importava o suficiente para descobrir. Estava cansado, com fome e me sentindo péssimo, então ficava feliz ao ver que as entrevistas eram breves.

Chegou a minha vez, entrei e recebi autorização para me sentar.

- Seu nome é... Raphael Sal...cedo? É isso? – ele começou, com uma voz firme e desnecessariamente alta.
- Isso mesmo. – todas as minhas respostas foram curtas, cansadas e em voz baixa. Basicamente um oposto ao entrevistador.
- O senhor... Me desculpe a pergunta, mas hoje em dia ela é necessária. O senhor é homem?

Em minha mente se passaram as mais diversas respostas para essa pergunta, entretanto, tudo que eu queria era fazer a entrevista, receber o resultado e ir embora. Queria esquecer de todo aquele dia. Então eu segurei o “depende, na verdade só transo com árvores, e às vezes... elas transam comigo” na garganta, respondi que sim e seguimos em frente. Mais tarde, ao visitar uns amigos em minha cidade natal, ouvi que um deles tinha dito ser homossexual. Ele foi dispensado na hora. A única coisa que lhe disseram ao sair foi: - “Vê se come uma bocetinha um dia desses, rapaz!" – Em retrospecto, deveria ter feito o mesmo, ou mantido minha versão ecologicamente correta.

- Você estuda comércio exterior? Há quanto tempo?
- Comecei esse ano, então, uns quatro meses.
- Muito bom. Tem interesse em se alistar?
- Não. – ele riu da minha resposta rápida. Acho que ele ainda não tinha terminado a pergunta quando eu respondi.
- Vou ver o que posso fazer por você... Sabe nadar?
- Não, senhor.
- Se alistando pra marinha sem saber nadar?! Como assim? – ele parecia indignado pela falta de lógica (eu não o culpo...), contudo, Marinha é a única opção de alistamento em Itajaí, e ele sabia disso melhor que eu. Não apontei a estupidez do seu comentário, novamente, por medo do famigerado desacato, que pode incluir de ofensas verbais até respostas educadas, mas contrárias à vontade da dita autoridade.
- Pois é, senhor.
- Então, com você é só nos cem metros fundos?
- E sem volta, senhor.
 
Estava encerrada a entrevista e, com ela, todo o exame. Voltei à sala de espera inicial, até que um dos superiores de lá apareceu com os certificados carimbados com o resultado. Chamou os nomes daqueles que estariam dispensados, os outros teriam que aguardar por novas instruções. Fui dispensado por excesso de contingente. Não esperava o contrário, acontece que imaginava que iria ser dispensado muito antes. A sequência de surpresas desagradáveis me fez imaginar que teria que seguir o caminho todo e perder um ano da minha vida fazendo seja lá o que for que a Marinha faz.

É a isso que tudo se resume. O Brasil exige que todos os seus homens se alistem aos dezoito anos, mas como este país já é um dos que mais recebe voluntários interessados em seguir carreira, a grande maioria é dispensada. Para quê organizar toda uma série de exames e processos, se já se sabe que de nada serve? É como prestar um vestibular para uma faculdade que já distribuiu suas vagas. Além disso, por que o exército militar brasileiro, mesmo que este não recebesse voluntários o suficiente, precisaria de tantos recrutas? O último grande desempenho brasileiro em guerra foi durante a 2ª Guerra Mundial, e por grande, eu realmente quero dizer quase relevante. É verdade que nossos soldados foram úteis em muitas batalhas, mas a ausência brasileira não significaria a vitória alemã. Todos os recentes esforços do exército para a ocupação das favelas não deveria existir. Ocupar favela é serviço de policial, não soldado, no entanto, como a polícia não está preparada para grandes operações, o governo utiliza o exército como tapa-buraco. Como o Brasil é o país da gambiarra e do jeitinho, não adianta discutir. A não ser que haja uma espécie de Revolução Francesa por aqui nos próximos cinco anos (guilhotina inclusa), não haverá nenhuma mudança nesse sistema. Junto da minha dispensa, recebi o horário, data e endereço do Juramento à Bandeira, independentemente do que se passava pela minha cabeça.

O mais perturbador foi ver de perto a arrogância dos militares. Nunca simpatizei com esse grupo, acho que o mundo seria melhor sem eles. Militar é como um advogado, se a humanidade fosse perfeita, eles não seriam necessários. Durante o juramento à bandeira, fui obrigado a ouvir o responsável pela cerimônia proferir a palavra “civil” mais vezes do que eu escrevi a palavra “exame” ou “teste” nesse texto. Não há problema nenhum com essa palavra. Civis são todos que não fazem parte do exército de um país e, portanto, devem por ele ser protegidos. Além disso, pagam, por meio de tributos, o salário de cada soldado, sargento, general e almirante. O militar é um agente de segurança do governo, que existe para a proteção da soberania e do povo de uma nação, não necessariamente tornando-o superior àqueles cujo seu dever é proteger. A única ocasião em que militar é superior ao civil é durante um governo militar, o que já aconteceu no Brasil e, para não dizer coisa pior, não deu muito certo e, graças a Shiva, terminou. Foi justamente o contrário que presenciei na cerimônia.
 
O homem cujo título eu não me dignei a descobrir, tinha um tom de desprezo claro em sua voz, sempre que nos dizia que aquele momento significava que nos manteríamos como civis. Era possível sentir o nojo em sua pronúncia sempre que ele dizia essa palavra.

Mas de tudo isso, o maior absurdo é que, mesmo depois de tantos anos de opressão em uma ditadura militar - 0pressão esta, de consequências ainda desconhecidas, muitas vítimas ainda não foram encontradas -, o país ainda força seus jovens a fazerem parte dessa instituição que realizou um golpe de estado. E como se não bastasse, desse-lhes autoridade o suficiente, para tratar o povo, seus empregadores, como lixo. Em minha utopia pessoal, o Brasil dá fim ao exército militar. Os desempregados são incorporados à polícia militar, assim como todo o armamento e fundos de investimento. Guerras não são uma ameaça para esse país, mas mesmo que fossem, não é como se o exército brasileiro fosse capaz de gerar grande resistência, perderíamos em algumas semanas, salvo se o inimigo fosse a Bolívia, porém, até nessa hipótese, tenho minhas dúvidas. Tornaríamos uma força obsoleta, em uma força útil. O alistamento deixaria de ser “voluntariamente obrigatório”, como é hoje, e seria como na polícia, concurso. Não haveria mais riscos de uma nova ditadura militar (não que haja hoje, mas nunca se sabe), a polícia teria fundos, pessoal e armamentos, e os jovens do amanhã não terão que passar pelo que eu passei.

Quanto a mim, ao sair do juramento a bandeira – tendo mantido o silêncio durante a parte que dizia sobre “morrer pela pátria” -, passava do meio-dia e sol estava forte. Avistei não muito distante, um bar, e nele uma mesa na qual se encontrava um grupo de pessoas se refrescando com cervejas. Pensei em ligar para a empresa na qual trabalhava e inventar algum atraso na cerimônia, avisando que não voltaria após o horário de almoço, indo, então, juntar-me às cervejas, mas não poderia. Invejei-os por um instante e fui ao trabalho.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Chris Robinson Brotherhood - The Magic Door


O leitor vai ter que me perdoar se pela metade dessa resenha eu perder a coerência, o motivo é que, sempre que faço uma resenha de um álbum, tento escrever enquanto o escuto, para passar a impressão mais direta que a música me passa. O novo disco do Chris Robinson Brotherhood (CRB para os íntimos) me fez passar pela porta mágica e entrar em alfa, estou em meio a uma viagem astral cósmica e não quero mais voltar.

Você, que assim como eu, acompanha este blog com frequência, sabe que eu já fiz uma análise de três partes da Black Crowes (banda da qual Chris Robinson foi vocalista) e CRB fez parte do finado momento cultural. Sei que existem milhares de outras bandas por aí, mas a culpa não é minha que ninguém hoje em dia é tão profissional a ponto de lançar dois álbuns em um mesmo ano, ambos excelentes, pois é, queria manter o mistério por pelo menos um outro parágrafo, mas não consegui, The Magic Door é um excelente disco. É tão bom quanto seu antecessor, mas não é mais do mesmo, é possível ouvir os dois, um após o outro, sem ter a impressão que é tudo a mesma merda (viu Rush? É possível! Vocês já foram assim um dia).

Não é um álbum para todos. Já deve ter dado para perceber que eu som fanático pela psicodelia. Se eu pudesse voltar no tempo, para qualquer momento da história, eu não tentaria salvar a Terra de um grande desastre, prevenir um assassinato, ou mesmo concertar um momento da minha vida (e olha que existem vários que eu gostaria de revisitar com meu conhecimento e experiência atual). Eu iria voltar para o período de '66 até '69. Sim, eu não me contentaria só com Woodstock, eu gostaria de fazer parte do movimento. Me juntaria a algum grupo hippie, que vagava pelos EUA, de São Francisco a Nova York em uma combi velha, com nada além das roupas do corpo, uns instrumentos velhos, qualquer esmola que nos dessem e uma plantação de erva. Gostaria de ir aos velhos Acid-Tests, o Summer of Love, Woodstock e todos os outros concertos da época. É isso tudo que esse disco representa. Toda essa era, mostrar que ela não foi esquecida ou assassinada. Está dentro de alguns de nós e, não só pode, como deve ser revivida. Tudo na história volta, então porque não o amor livre, as drogas e a música boa.

Voltando ao álbum. Não é nenhum segredo que Chris Robinson é um Deadhead da 2ª ou 3ª geração (década de 80), se ainda havia alguma dúvida, acaba aqui. Desde a primeira faixa eu pude sentir aquele clima Grateful Dead da música. Aquela mistura rock, blues, jazz, country, ácido e improviso, que só o Jerry Garcia e equipe conseguiam executar com perfeição. Jerry pode estar morto, mas não seu legado.

Todas as músicas são originais, salvo por Blue Suede Shoes; standard clássico da música americana composto por Carl Perkins e interpretado por Elvis, Buddy Holly e outros; em uma versão mais lenta e "trippy", e Let's Go, Let's Go, Let's Go do grande Hank Ballard. Outro "cover" é uma versão diferente, um pouco mais lenta e cósmica de Appaloosa, do próprio Black Crowes (não sei decidir qual versão é melhor), que por sua vez é uma das minhas favoritas, a letra é fantástica.   O álbum inteiro é uma série de pérolas em sequência. Sem pausa, sem paz, sempre em frente, como toda boa viagem deve ser. Um álbum fantástico para qualquer um que goste do velho rock psicodélico da velha e finada era Flower Power.
- Nota: 5,0/5,0 (preciso resenhar um álbum ruim um dia desses)



O álbum é bem recente, então está difícil achar vídeos bons. Outro dia adiciono uns outros.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Black Crowes - Obra Completa (Parte 3)

 
 
Após o quebra-pau e o divórcio da banda após o Lions. Cada músico tentou uma carreira solo, que não realmente deu certo, embora o guitarrista Marc Ford tenha lançado um álbum excelente. Em 2006, após muita terapia, a banda se reuni e grava um CD/DVD ao vivo, com todos os grandes clássicos da banda, chamado Frek 'n' Roll... Into the Fog. Não vou perder tempo resenhando esse disco, pois é bem simples. A banda é foda, a setlist desse show foi foda e ao vivo os caras são ainda melhores que em estúdio.
 
O que realmente interessa nessa parte 3 da análise é que, após esse show, a banda continuou sem gravar nada. Até que do nada eles mudaram a formação, trocando o tecladista Eddie Harsch e o guitarrista Marc Ford (ambos favoritos dos fãs), por Adam MacDougall (não sei do currículo desse cara, mas ele é um bom tecladista) e Luther Dickinson, o guitarrista e vocalista da banda North Mississippi Allstars, que por sua vez, é foda pra caralho. Essa nova formação gravou em 2008 e 2009 dois álbuns em um estúdio em Woodstock.
 
Warpaint (2008)
 
 
 
Eu não sei se foi a mudança na formação que diminuiu as divergências criativas e permitiu que o lado "Deadhead" da banda ganhasse voz, mas esse álbum é muito bom e completamente diferente dos seus antecessores. Na verdade, eu não gosto de comparar este e seu sucessor, com os discos anteriores da banda. A Black Crowes sempre foi conhecida pelo seu saudosismo e amor pelos grandes clássicos do passado, fazendo uso de fitas e métodos arcáicos de gravação, ao invés do digital que tornou-se padrão na indústria musical atual. Todas essas influências e paixões são refletidas claramente em Warpaint. É notável as influências do folk e do country, que era comum nas bandas da era "flower power", como The Band, Grateful Dead (essa é, provavelmente, a minha banda de rock favorita) e até mesmo Rolling Stones no fim da década de 60 (essa última, a Black Crowes já foi acusada por vários críticos, de copiar descaradamente. Eu discordo. A influência existe e é óbvia, mas não é uma cópia exclusiva. Quando uma banda cópia cerca de 5 ou 6 outras bandas diferentes, essa pode ser chamada de original - quase como um filme do Tarantino). A psicodelia também está presente, as letras são poéticas e a improvisação tornou-se ainda mais presente. Pra mim esse é um dos melhores discos da banda e um dos melhores dos anos '00 (é assim que chamam a primeira década dos anos 2000?).
- Nota: 4,5/5,0
 
 
 
  Sem comentários cômicos dessa vez... Tá bom, eu não aguento, quando foi que o vocalista virou Jesus?
 

 
Before the Frost... Until the Freeze (2009)
 
 
 
Agora a banda botou pra foder. Esse álbum é perfeito. Before the Frost reune o rock psicodélico; o country; o folk; uma faixa meio disco, mas ainda assim muito boa; os improvisos de sempre, enfim, tudo que a banda tem de bom, está nesse álbum, e como se não bastasse, se você estiver em um clima mais relaxado e quiser um álbum mais acústico e quase puramente folk, aqueles que compraram o álbum original, receberam inteiramente "de grátis" o direito de baixar o ...Until the Freeze, que é justamente isso. Ou seja, é perfeito e capaz de agradar a qualquer um que tenha um mínimo de bom gosto. Se você não gosta desses discos, saia já deste blog! Esse território não é pra você, infiel!
 
Isso não é tudo. Pra completar, o álbum foi gravado inteiramente ao vivo no estúdio, com uma platéia de 300 sortudos. Você que lê isso, talvez não leve música tão a sério quanto eu e não consiga perceber o quanto isso é arriscado e difícil de se fazer, mas saiba que, nenhum, repito, nenhum músico hoje se arriscaria a fazer uma coisa dessas. Isso se chama profissionalismo e amor pela música. Eles estavam pouco se fodendo se a reação inicial fosse negativa, eles sabiam que o trabalho era bom e, se alguém pensasse o contrário, estaria errado. Mesmo assim não aconteceu, é possível perceber em meio aos aplausos que dividem as faixas, que todos estão adorando as músicas e se sentindo naquele clima hippie, quando os músicos eram humanos e amavam sua obra e aqueles que compartilhavam desse amor. Isso, meus caros, é música!
- Nota: 5,0/5,0
 
 
 
 
Sim, é exatamente isso que vocês estão pensando, existe uma música disco boa nesse universo!
 
 
 
Sem mais, se antes desse post, você não conhecia essa banda. De nada.
 
 
Tá bom, tá bom. Um cover do Velvet Underground pra encerrar.