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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dançando no Escuro (2000) - Resenha

Quanto mais eu ouvia ou lia sobre os filmes do dinamarquês Lars Von Trier, mas eu os evitava. Gosto de uma tragédia tanto quanto qualquer um, mas seus roteiros e o clima de seus filmes me faziam pensar que ele se esforçava para desenvolver uma depressão profunda em qualquer um que viesse a assistir seus filmes. No entanto, ouvi maravilhas quanto a qualidade de sua obra e esforço em tornar seus filmes uma obra de arte. Então decidi assistir ao musical Dançando no Escuro.
 
Nunca valorizei musicais. Minha opinião é a mesma do Jeff (personagem do filme), não consigo entender o porquê dos personagens começarem a dançar e cantar, sem motivo, em situações cotidianas. Pra mim isso é idiotice. Ainda assim abro exceções para My Fair Lady (por causa da Audrey) e alguns outros que me convenceram de que, apesar da cantoria, o enredo é plausível. Dançando no Escuro, entrou na lista das minhas exceções. Nunca vi um musical assim antes, feito de modo que até a cantoria se encaixa de alguma forma no roteiro, sem dar aquela impressão de "pausa abrupta para música".
 
Vamos a história. Selma (Björk), veio da Tchecoslovaquia para os EUA, na esperança de juntar dinheiro para uma operação nos olhos de seu filho. Ela sofre de uma doença congênita e está, aos poucos, ficando cega. Seu filho sofre da mesma doença, embora não saiba, pois a preocupação pode piorar seu estado. Selma não gosta do capitalismo, crê que o comunismo de sua terra natal é melhor para as pessoas, mas ama os musicais americanos. Divide seu tempo entre o trabalho em uma fábrica (arriscado considerando sua doença), a criação de seu filho (dividida com os vizinhos e proprietários do terreno que ela aluga) e os ensaios de um musical amador da cidade. Tudo vai bem, até que merda acontece e eu entendi porque os filmes do Lars von Trier causam depressão. Não falarei o que acontece, veja e descubra. Exceto que você tenha tendências suicídas, nesse caso, fique longe desse filme.
 
Esse filme é o último da trilogia "Corações de Ouro" do diretor, que se baseia no tema "heroínas que, independentemente da tragédia, mantém seu coração de ouro". Isso define bem o filme. Ainda assim, a heroína não é perfeita todo o tempo, ela sofre e se desespera como qualquer outra pessoa que vê sua vida chegando ao fim e o futuro do seu filho em risco. É um filme humano, que explora nosso lado desumano e o teatro dos tribunais. Tudo isso junto aos sonhos musicais (compostos e interpretados por Björk, com letra do Lars) de Selma, que deixam o tom do filme mais leve, embora fique sempre claro de que estes não são nada mais que uma tentativa de fuga ilusória do destino terrível. Ficou claro que não é um desses filmes para se assistir casualmente, para entretenimento.
 
Outro detalhe, o filme é feito levando em consideração as regras do Dogma 95. Quebra algumas regras, mas segue as mais importantes. Pra quem não sabe, Dogma 95 é um manifesto feito pelo Lars e outro diretor do mesmo estilo, buscando limitar os meios de seus filmes, tornando-os mais simples e difíceis de agradar, fazendo com que o roteiro e as atuações tenham que compensar pela ausência de efeitos e outras distrações. Muito interessante, considerando que estamos na geração "foda-se o roteiro, faça 3-D". Essas são as regras do manifesto:
 
1. Filmagem deve ser feita no local. Acessórios e cenários não devem ser utilizados. Se um acessório específico ofr necessário para a história, a localização deve ser escolhida de modo que o acessório possa ser encontrado.
2. O som nunca deve ser produzido fora das imagens ou vice versa. Música não deve ser usada exceto que esta ocorra dentro da cena filmada. - Esse filme quebra essa regra, embora a origem das músicas seja gerada pela cena.
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há muito pouca luz, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Homicídios, Armas, etc. não podem ocorrer). - isso também acontece no filme.
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (O filme ocorre na época atual).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme final deve ser transferido para cópia em 35 mm, padrão, com formato de tela 4:3. Originalmente, o regulamento exigia que o filme deveria ser filmado em 35 mm, mas a regra foi abrandada para permitir a realização de produções de baixo orçamento.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

Gostei bastante. Acho que mais diretores deveriam se interessar por esse tipo de limitação, ou pelo menos não depender tanto das técnologias e facilidades atuais. Vale cada minuto das 2h14mins de filme.

Nota: 5,0/5,0

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