O leitor que acompanha essa bagunça que eu insisto em chamar de blog, sabe que eu sou um contista irregular, poeta ruim, cronista medíocre e romancista indeciso, ou seja, de tempos em tempos fico sem material e preciso improvisar fazendo resenhas apressadas e criando colunas que, por mais que eu diga que são contínuas, nunca voltam. Por isso eu me recuso a criar um cronograma - não consigo trabalhar com prazos e não acho que ninguém aqui se importa.
Decidi então criar, depois de escrever meus sonhos, tentar fazer um conto com temática medieval e me aventurar com haikai, a "Hora da História com o Tio Rapha". Por que Tio Rapha? Porque todos me chamam de Rapha, mesmo eu não gostando que homens me chamem assim, e o tio dá um toque de sabedoria. Lembro-me da primeira vez que fui chamado de tio. Estava saindo do cinema, com um grupo de amigos. Creio que tinhamos acabado de assistir o Motoqueiro Fantasma - e que filme horrível foi este -, estávamos rindo das cenas e ridicularizando o Nicolas Cage. Eu tinha dezesseis anos (isso foi em 2007, acho eu), estava começando a desenvolver minha arrogância cinematográfica. Não eram bons tempos, mas eu era jovem e pensava ter um futuro pela frente. Um futuro que não se baseasse em escrever devaneios e memórias em um blog visto por ninguém e, ao mesmo tempo, agindo como se fosse lido por vários, ou pelo menos tivesse um certo "cult following". Ela deveria ter uns catorze anos no máximo. Loura, magra e maquiada como uma pré-adolescente. Andava despreocupada a passos desajeitados e risos juvenis, segurando o braço da amiga que era como uma imagem do espelho, um pouco maior e mais cheia talvez. A mais bonita entre as duas cutucou meu ombro distraído pelos comentários sarcásticos que fazia sobre o filme risivelmente ruim. Sério, já falei que o filme foi ruim?
Viro para trás e sua aparência me surpreende. Quero saber se a conheço de algum lugar ou por que ela me chamava. Então ela diz: - "Tio, que horas são?" E eu respondo: -"Tio? Que história é essa! Tá bom, são nove e meia." Tio... Naquele momento, pensava que ela tinha a minha idade. Hoje penso que ela deveria ser mais nova, mas não sei, pode ser que fosse a noite, embora aquela rua fosse iluminada o bastante. Virei lentamente de volta para os meus amigos que seguravam o riso. Tinha de haver uma explicação para ela vir falar comigo e não era minha simpatia. Mas o tio foi de lascar.
Eu me perdi completamente nessa história, sobre o que eu ia falar mesmo? Sim! A coluna nova - Hora da História com o Tio Rapha.
A ideia aqui é falar sobre um assunto qualquer. Uma lembrança, um tema, um livro. Sem aquele tom de resenha, crônica ou ensaio. Só uma conversa. Ver se eu consigo atrair algum leitor usando um tom mais pessoal e amigável. Mas acho que é melhor eu ir direto ao tema de hoje, se não esse post fica quilométrico.
Queria falar sobre meu primeiro livro. Não o primeiro que fui forçado a ler ou que alguma tia me deu e eu atirei para o canto com desinteresse. O primeiro que eu escolhi e disse, "vou ler esse filho da puta." Li, fui até o fim e gostei. O suficiente para ler outro e outro e por aí vai.
Para minha vergonha, já estava relativamente velho quando perdi a virgindade literária. Tinha lido outros livros, é verdade, mas por obrigação escolar, o que, em termos sexuais, equivale a punheta, ou seja, não conta. Minha primeira vez foi com Misto Quente do velho Bukowski. Li em e-book, em inglês, nos momentos de ociosidade do trabalho, no computador da empresa. Tinha começado a trabalhar lá fazia pouco tempo, então não era muito ocupado. Li o bicho em três dias. Nunca tinha lido nada tão rápido na minha vida. Estava impressionado com o estilo e a sinceridade do autor. A verdade é que eu não sabia que livros assim existiam. Conhecia apenas os pólos opostos - clássicos escolares e livros juvenis (hoje conhecidos como YA) e nenhum dos dois me agradava na época (hoje gosto e entendo os clássicos, pelo menos alguns). Depois segui para Cartas Na Rua e Factotum, o último em livro físico, pois a tela de computador passou a me dar nos nervos, e na tranquilidade de casa.
Misto Quente, pra quem não sabe, é um romance de memória ficcional (como quase todos do Bukowski), que fala sobre o desenvolvimento de Henry Chinaski, da infância ao começo da idade adulta. As principais descobertas do homem - mulheres e álcool. A frieza do mundo, o abandono e a "mediocrenização" - a forma que a sociedade conspira para destruir qualquer sinal de individualidade que resta em um ser humano, com o objetivo de torná-lo parte da máquina - e a revolta contra isso. Um livro inspirador que, se eu tivesse conhecido durante a adolescência, teria mudado tudo - talvez nem tivesse me incomodado por ter sido chamado de tio.
Buk mudou minha vida. Se não tivesse passado por ele, talvez passasse a vida sem livros, o que seria triste. Sugiro a todos que nunca o leram ou nunca leram na vida, vale cada palavra de cada página.
Gostei dessa "coluna", provavelmente seguirei com ela no futuro. Espero que vocês, minhas centenas de leitores diários, tenham gostado também, o suficiente para comentar e falar sobre sua primeira vez literária. Talvez continue com aquela coluna sobre os sonhos... O problema é que, justamente quando eu me propus a escrever algo assim, parei de me lembrar dos meus sonhos ao acordar. É carma, eu sabia que algo assim ia acontecer. Bom, chega por hoje.
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