Sinto falta dos dias que cinema e shopping eram coisas distintas. Admito que não vivi plenamente esses tempos, era muito jovem, mas tenho vaga lembrança nostálgica dos dias em que ir ao cinema era de fato ir ao cinema, não sair para comer alguma coisa, passar numas lojas, então, no fim da noite, ver o que está passando e talvez pegar uma sessão. Na minha cidade natal ainda restava um cinema emancipado, antigo, sobrevivente de tantas reformas. Mas aqui em Itajaí, nem preciso dizer nada, já basta que Gravidade tenha sido a primeira estréia relevante de 2013, e que aqui só chegou semana passada.
Fui assistir de qualquer forma. Não me importava que tivesse saído de cartaz no resto do Brasil em novembro do ano passado, nem que ele já estivesse disponível na internet e na maior parte das locadoras que ainda resistem em existir. Cinema foi se tornando um ritual religioso para mim, praticamente. Todo o processo, da escolha da fileira até a cadeira de ângulo ideal, tudo uma cerimônia. Parte disso é estar sozinho. Não me importa que eu tenha com quem ir, até mesmo quando estou namorando ou coisa assim, não me importa, vou uma vez com a pessoa e depois volto sozinho, caso pense que o filme é digno, só para prestar meus respeitos.
Eram oito e dez da noite quando eu cheguei no shopping. A sessão começava às nove, percebi que tinha saído de casa cedo demais. Comprei o ingresso e tinha cinquenta minutos para matar, o que no shopping Itajaí pode ser uma eternidade. Uma volta tem exatamente o tempo de duração que a palavra volta remete, uns três minutos. As lojas estavam todas abertas, mas poderiam não estar. Vendedores revezavam o posto de vigia em frente às entradas, sorrindo para os passantes, esperando que alguém entrasse. Por dentro, era possível ver uma pessoa comprando nas lojas de maior sorte, mas o comum era ver o caixa apoiando a cabeça com as duas mãos e os olhos semi-abertos encarando um ponto fixo.
Não pensem que o shopping estava vazio, pois era bem o contrário. Tinham várias pessoas vagando pelos corredores, sentadas nos bancos com seus pares, mas o movimento mesmo estava na praça de alimentação. Todas as franquias, até as mais obscuras, com fila de clientes para atender. Quase todas as mesas ocupadas, com exceção das últimas duas, que ficavam logo em frente à bilheteria e foi onde decidi me instalar. Cinco minutos ainda não tinham passado desde a minha chegada.
Teria sido menos pior se meu bom senso tivesse trazido um livro para a espera, mas não. Atrás de mim uma senhora tentava convencer um casal jovem de cair num desses esquemas de pirâmide. Só ela falava, sem interrupção ou pausa, durante todo o tempo que fiquei esperando e até mais que isso; não sei quando eles foram embora. O discurso era o de sempre, você recebe tantos dos nossos produtos, mas eles praticamente se vendem sozinhos; o que dá dinheiro mesmo é quando você traz novos representantes para a empresa, e aí sim que o dinheiro trabalha pra você; não tem que se preocupar com horários, você é seu chefe, você faz seu expediente do conforto da sua casa; sim, mas o dinheiro trabalha pra você, vocês vão ter tempo um para o outro. Era uma metralhadora. O casal ou era muito tímido ou estava tirando uma com a cara da mulher, porque eles não falavam nada que eu pudesse escutar.
Decidi tomar um chopp. Fui até a franquia mais vazia. As opções eram Heineken ou Eisenbahn; já não tomo Heineken faz tempo, sou contra. Uma coisa meio besta de se protestar, mas não gostei de saber que eles compram pequenas cervejarias da Irlanda só para fechá-las, me parece um desrespeito cultural. Além do mais, Heineken tem um dos gostos mais genéricos de cerveja, perdendo somente pra Skol e Budweiser, que estão mais para água que qualquer outra coisa. Iria contra todo o conglomerado Heineken, mas isso incluiria umas 140 marcas, o que é demais pra mim, sou contra só a marca principal. De qualquer forma, peço meus 500ml de Eisenbahn e volto para minha mesa, surpreendentemente ainda desocupada. Bebi virado de frente para a praça, vendo todas as mesas e amontoados de pessoas conversando e comendo e andando de um lado para o outro. Uma versão acústica e sem sal de uma música do Nirvana vinha de algum lugar, mas não teria como descobrir de onde, parecia vir de dentro da minha própria cabeça de tão ambiental que era. Um grupo de adolescentes passa do meu lado. Tinha os visto antes encostados na vitrine de uma loja de piercings e tatuagens. Pareciam bem mais normais do que eles próprios se imaginavam ser, com exceção de um, que decidiu entrar na moda de raspar as laterais da cabeça deixando somente o topo subir como um pasto de espinhos. Ele era quem mais me incomodava no shoppíng inteiro, e parecia onipresente, o avistei na entrada, no tatuadouro e agora na praça de alimentação também - moleque esquisito. O copo vazio e não são oito e meia. Pedi mais um.
Formou-se uma pequena fila na bilheteria, coisa de três casais. Outras pessoas foram passando também e comprando seus ingressos, devia eu ter chegado a essa hora também, mas, em retrospecto, o chopp caiu bem naquela noite quente. Uma pena que já não tivesse chance daquela sessão ser particular.
O maior problema do cinema Itajaí não é nem a indisponibilidade dos filmes, o maior defeito está na sala. Caminhei a passos lentos pelo corredor ao lado das cadeiras, olhando para o telão - que de ão tem muito pouco. A sala não tem degraus, apenas uma rampa com um levíssimo ângulo de inclinação que mal dá pra perceber a diferença de altura de uma fileira para a outra. Da última fileira, a tela parece uma televisão; da primeira, parece um telão, mas boa sorte tentando endireitar o pescoço depois do filme, e, se chover após a sessão, pode ter certeza que vai acabar se afogando.
O projecionista também não é bem certo. Em todos os filmes que vi, não teve uma vez que ele tenha conseguido enquadrar a imagem corretamente no telão de primeira. Os segundos iniciais sempre aparecem com a metade de baixo cortada e murmurinhos impacientes como zumbidos de abelhas barítonas ressoando pela sala recém-escurecida. Então ele corrige a altura e todos suspiramos de alívio ao mesmo tempo.
Isso poderia ter prejudicado a experiência do cinema, mas não. Não Gravidade. Um filme de enredo aparentemente tão simples. Dra. Ryan (Sandra Bullock) é engenheira médica em missão, consertando uma estação espacial, quando ela e sua equipe recebem um alerta da Nasa de que um míssil soviético atingiu um satélite e os escombros estariam viajando em direção a eles, no entanto não deveriam passar muito próximo e nem muito cedo. Poucos segundos depois, percebe-se que o primeiro satélite iniciou uma reação em cadeia, atingido outros objetos que também formavam escombros, esses os acertariam em cheio. Tentam fugir, mas não dá e tudo é destruído. Um dos membros da equipe morre, e os outros dois se separam, com Ryan circulando sem rumo. O outro membro, Kowalski (George Clooney), sendo mais experiente, consegue achá-la e a carrega consigo até a estação espacial que ainda está inteira. Ele, porém, não tem combustível suficiente, por isso solta Ryan para que ela se salve, sozinha no espaço, fora da área de contato com a NASA.
Tem seus clichês. Kowalski é o famoso mentor cumprindo seu último dia de trabalho antes da aposentadoria. É incrível como tudo sempre acontece no último dia de trabalho. E o roteiro num geral não experimenta com forma, apesar de seus simbolismos e ambiguidades aqui e ali. A maravilha fica mesmo nos efeitos visais, mas, talvez pela primeira vez na minha vida, não falo isso de forma cínica e indicando superficialismo.
Os efeitos e edição de Gravidade são tão complexos que eu tenho dificuldade em imaginar como a obra foi filmada. As cenas são longas, com poucos cortes e sempre muito sutis, quase não se percebe a movimentação da câmera e toda a agitação parece partir mais das imagens, o que é raro nessa época em que a moda é manusear a câmera como uma vítima de mal de Parkinson.
Sou um cético do 3-D, daqueles que implicam com filmes cheios de CGI ou que confiam muito nos efeitos ao invés de um enredo sólido e bem escrito. Gravidade mudou minha visão e, imagino, que a de muitos outros. Pela primeira vez, lembrando que vi o filme em 2-D e em tela relativamente pequena, pude sentir o quanto eu perdia por não estar com os óculos 3-D em certas cenas, principalmente as "em primeira pessoa". Enquanto, antes de Gravidade, cinema 3-D era basicamente dominado pelos grandes blockbusters, animações e filmes de super-herói, Gravidade aparece com intenções artísticas e, mesmo perdendo a mão e caindo em banalidades de vez em quando, consegue gerar uma obra digna de todos os elogios que anda recebendo.
Ainda assim, esse filme tem uma história e eu não pude me dizer tocado por ela. Sim, as idas e vindas da sorte da Dra. Ryan conseguem brincar com os nervos do expectador, mas daí a dizer que ela se torna uma personagem profunda seria um exagero. Dra. Ryan saiu justamente daquela cartilha de como criar uma personagem mulher de meia idade. Jogue uma carreira de sucesso, um acidente trágico na família, um período de depressão seguido de mudança brusca de atitude e, boom!, temos nossa protagonista. E Kowalski não é nem um pouco melhor, visto que ele é Clooney, basicamente - Clooney-Astronauta dessa vez.
Mas eu não posso dizer que me incomodei. Saindo do cinema, junto com aquele punhado de gente, diria que estava tão tomado por aquela sequência torrencial de beleza trágica quanto todos os outros, que saiam dizendo para seus pares o quão emocionados estavam, com o coração ainda acelerado pelos infortúnios da Dra.
A comparação mais comum que eu ouvi foi que Gravidade é um Náufrago no espaço. Achei injusto. Náufrago é sobre um homem largado na natureza, sem chances de volta. Assim como a Dra. Ryan, ele luta para sobreviver, mas de forma diferente. Gravidade não é uma luta pelo próprio bem estar, mas uma jornada. Ryan está sempre caçando, indo de ponto A a B, buscando escapatórias. Me lembrou mais de o Velho e o Mar, nesse sentido. Uma espécie de Velho e o Mar bagunçado. Enquanto Santiago lutava para pegar seu peixe e depois trazê-lo de volta a terra firme, ao mesmo tempo que tendo de brigar com tubarões, além de suas próprias limitações físicas, Ryan luta contra os tubarões primeiro (fogo, falta de combustível, escombros espaciais etc.) para poder alcançar e pegar o peixe (a Terra). Servindo também, tanto um quanto o outro, como uma metáfora para a vida humana, sendo O Velho e o Mar uma versão pessimista, e Gravidade uma versão otimista, dependendo das interpretações.
O enredo não valeria de nada, no entanto, se não fosse a atmosfera. Se não fosse a tremenda solidão das cenas longas e vazias, se não fosse o silêncio que dominava determinados momentos. A música me foi inexpressiva. Verdade que é complicadíssimo para um músico escrever uma pessoa toda atmosférica e não baseada em uma melodia comum, mas, repito, o impacto é maior quando ela não se faz presente, quando todo o som para, quando nada mais compartilha a tela com Ryan além do espaço.
Com todos os defeitos que possa ter, Gravidade é um filme angustiante, merecedor de ser tido como um dos melhores de 2013, mesmo que não seja de fato o melhor. A obra mistura emoções com maestria e sabe muito bem quando usar cada uma delas e, eu insisto, os efeitos visuais vão mudar a forma como certas obras de arte são feitas. Gravidade, em resumo, é o divisor de águas que Avatar queria ter sido.
Nota: 4,5/5
Tem seus clichês. Kowalski é o famoso mentor cumprindo seu último dia de trabalho antes da aposentadoria. É incrível como tudo sempre acontece no último dia de trabalho. E o roteiro num geral não experimenta com forma, apesar de seus simbolismos e ambiguidades aqui e ali. A maravilha fica mesmo nos efeitos visais, mas, talvez pela primeira vez na minha vida, não falo isso de forma cínica e indicando superficialismo.
Os efeitos e edição de Gravidade são tão complexos que eu tenho dificuldade em imaginar como a obra foi filmada. As cenas são longas, com poucos cortes e sempre muito sutis, quase não se percebe a movimentação da câmera e toda a agitação parece partir mais das imagens, o que é raro nessa época em que a moda é manusear a câmera como uma vítima de mal de Parkinson.
Sou um cético do 3-D, daqueles que implicam com filmes cheios de CGI ou que confiam muito nos efeitos ao invés de um enredo sólido e bem escrito. Gravidade mudou minha visão e, imagino, que a de muitos outros. Pela primeira vez, lembrando que vi o filme em 2-D e em tela relativamente pequena, pude sentir o quanto eu perdia por não estar com os óculos 3-D em certas cenas, principalmente as "em primeira pessoa". Enquanto, antes de Gravidade, cinema 3-D era basicamente dominado pelos grandes blockbusters, animações e filmes de super-herói, Gravidade aparece com intenções artísticas e, mesmo perdendo a mão e caindo em banalidades de vez em quando, consegue gerar uma obra digna de todos os elogios que anda recebendo.
Ainda assim, esse filme tem uma história e eu não pude me dizer tocado por ela. Sim, as idas e vindas da sorte da Dra. Ryan conseguem brincar com os nervos do expectador, mas daí a dizer que ela se torna uma personagem profunda seria um exagero. Dra. Ryan saiu justamente daquela cartilha de como criar uma personagem mulher de meia idade. Jogue uma carreira de sucesso, um acidente trágico na família, um período de depressão seguido de mudança brusca de atitude e, boom!, temos nossa protagonista. E Kowalski não é nem um pouco melhor, visto que ele é Clooney, basicamente - Clooney-Astronauta dessa vez.
Mas eu não posso dizer que me incomodei. Saindo do cinema, junto com aquele punhado de gente, diria que estava tão tomado por aquela sequência torrencial de beleza trágica quanto todos os outros, que saiam dizendo para seus pares o quão emocionados estavam, com o coração ainda acelerado pelos infortúnios da Dra.
A comparação mais comum que eu ouvi foi que Gravidade é um Náufrago no espaço. Achei injusto. Náufrago é sobre um homem largado na natureza, sem chances de volta. Assim como a Dra. Ryan, ele luta para sobreviver, mas de forma diferente. Gravidade não é uma luta pelo próprio bem estar, mas uma jornada. Ryan está sempre caçando, indo de ponto A a B, buscando escapatórias. Me lembrou mais de o Velho e o Mar, nesse sentido. Uma espécie de Velho e o Mar bagunçado. Enquanto Santiago lutava para pegar seu peixe e depois trazê-lo de volta a terra firme, ao mesmo tempo que tendo de brigar com tubarões, além de suas próprias limitações físicas, Ryan luta contra os tubarões primeiro (fogo, falta de combustível, escombros espaciais etc.) para poder alcançar e pegar o peixe (a Terra). Servindo também, tanto um quanto o outro, como uma metáfora para a vida humana, sendo O Velho e o Mar uma versão pessimista, e Gravidade uma versão otimista, dependendo das interpretações.
O enredo não valeria de nada, no entanto, se não fosse a atmosfera. Se não fosse a tremenda solidão das cenas longas e vazias, se não fosse o silêncio que dominava determinados momentos. A música me foi inexpressiva. Verdade que é complicadíssimo para um músico escrever uma pessoa toda atmosférica e não baseada em uma melodia comum, mas, repito, o impacto é maior quando ela não se faz presente, quando todo o som para, quando nada mais compartilha a tela com Ryan além do espaço.
Com todos os defeitos que possa ter, Gravidade é um filme angustiante, merecedor de ser tido como um dos melhores de 2013, mesmo que não seja de fato o melhor. A obra mistura emoções com maestria e sabe muito bem quando usar cada uma delas e, eu insisto, os efeitos visuais vão mudar a forma como certas obras de arte são feitas. Gravidade, em resumo, é o divisor de águas que Avatar queria ter sido.
Nota: 4,5/5
Realmente se eu tinha dúvidas agora não tenho mais, sua escrita é muito boa, essa resenha me pareceu mais uma crônica - no bom sentido. Do filme eu já conhecia, quero muito assistir, parece ser bem feito.
ResponderExcluirEspero que dessa vez você me responda. Se puder!
Thiago do onibuslondrino.wordpress.com. Até Mais!
Isso não ia ser uma resenha. Era uma crônica sobre a experiência de ir no cinema hoje em dia, mas, como eu não tinha um fim, decidi falar do filme que eu tinha ido ver. Matei dos coelhos numa cajadada.
ExcluirSou mesmo lento para responder comentários. Coisa minha, não tenho motivos.
Kkkk sei bem como é ir ao cinema e reparar nas pessoas. kkkkkkk
ResponderExcluirAssisti esse filme há poucos dias, mas não gostei. Quando vi o trailer e li sobre o filme, fiquei pensando que não seria legal, pois a moça estaria sozinha no espaço, sem ninguém pra conversar e pra mim foi bem chatinho. Não achei chato pela falta de conversas e pessoas, mas o filme em si, essas histórias que eles colocam, como a filha morta dela e tal, isso me irrita um pouco.
Só gostei dos efeitos, muito bonitos, mas de resto, achei meio sem graça. :/