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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Teatro Clássico e Teatro do Oprimido

Historicamente, na tradição ocidental, o Teatro dividiu-se em dois  grandes gêneros: Tragédia e Comédia. Tragédias costumam ter o nome do personagem principal no título, enquanto as Comédias são intituladas com alguma qualidade ou defeito do personagem. Exemplo de título de Tragédia: “Édipo Rei”. Exemplo de título de Comédia: “O Avarento”. Mas às vezes o título pode ser dissociado da peça.
Um texto de Teatro apresenta duas formas: texto primário e texto secundário. O primário é o diálogo e monólogo presente e o secundário é basicamente o conjunto de tudo que não é conversa, portanto, as didascálias, títulos, nomes, prefácios…
O público, o espectador é afetado diretamente. Todo e qualquer diálogo destina-se ao público. O Teatro quer de alguma forma agir sobre o espectador.
Na concepção clássica de enredo, é possível identificar uma estrutura fechada como mostra o esquema abaixo:


O Teatro do Oprimido foi fundado em 1960 por Augusto Boal e busca libertar os oprimidos de suas opressões. O primeiro passo para isso é fazer com que o oprimido tenha conciência de que é oprimido.
Em seu livro “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”, Augusto Boal diz que “todo teatro é necessariamente político, porque políticas são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas”. Assim, pode-se afirmar que o Teatro do Oprimido (TO) é um teatro, antes de  qualquer coisa, político. 
Para compreender melhor a forma como atua o TO, podemos observar a Árvore:

Imagem retirada do livro "Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas".

Com esse esquema podemos ver como o TO dispõe de diversas ferramentas que levam o espectador a refletir, com técnicas que visam tirar o corpo do automático e trabalhar todos os sentidos.

Finalizo com uma frase de Boal: “O teatro é uma arma e o povo quem deve manejá-la”.

domingo, 25 de outubro de 2015

Momento Musical #11 - Augustos Pablo, The Slits, The Underground Youth, Bill Evans


Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

O link: https://tinyurl.com/yy394a8y

Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.


Nessa edição do Momento Musical de hoje, decidi apresentar coisas que nem eu conheço direito ainda, mas tive excelentes primeiras impressões, e, pra dar uma variada, um dos meus músicos de jazz favoritos. Sem mais delongas:

Augustos Pablo - King Tubby Meets Rockers Uptown (1976)


Nunca fui muito de reggae e nem sei o que é dub - salvo que é meio que um precursor dos remixes da música eletrônica, que em si é uma coisa que não me agrada. Ouvi falar desse disco, decidi dar uma chance, e é muito melhor do que eu imaginava. Um estilo bem interessante. A música é quase toda instrumental e é ótima pra quando se quer apenas passar uma tarde relaxando. Que eu saiba, Augustos Pablo foi um dos maiores nomes do reggae da Jamaica e King Tubby, que produziu o disco em parceria, praticamente o inventor do dub. Esse disco, dizem, é a representação resumida do gênero.

The Slits - Cut (1979)


Depois que o punk deu errado (basicamente virando mais música comercial), surgiram grupos tentando reviver o espírito do gênero de maneira mais original. O crítico Lester Bangs incluiu essa banda como uma das poucas do fim da década de 70 que demonstravam algum sinal de novidade, dizendo que finalmente era hora do rock deixar as mulheres comandarem, já que elas eram as únicas interessadas em fazer algo que preste (Lydia Lunch e Au Pairs foram citadas ao mesmo tempo). Não faço ideia da história dessa banda, se estão na ativa, se gravaram outros discos. Só sei que esse é o único disponível e que gostei muito do que ouvi.

The Underground Youth - Mademoiselle (2010)


Descoberta em uma peregrinação pelos vídeos relacionados do youtube, eu não sei absolutamente nada sobre os músicos por trás dessa pérola. Cliquei pela capa - Anna Karina, vocês que leem o blog sabem que ela pode muito bem ser minha atriz favorita -, fiquei pela música. Tem esse jeito "vocal apático" com ritmo meio bossa nova psicodélica que certo grupo de bandas parece estar adotando. Se esse é o caminho que as bandas novas decidiram trilhar, que assim seja.

Bill Evans - Portrait in Jazz (1960)


O pianista mais influente do jazz, talvez empatado com o McCoy Tyner. Esse disco é especial pra mim e está entre os grandes clássicos do gênero. Um ano antes, Bill Evans foi o pianista de Miles Davis durante a gravação de Kind of Blue (se você sabe um mínimo da história do jazz, sabe o quão foda é esse disco, se você não sabe, o incluirei no próximo momento musical). Isso já significa muita coisa. Ele mudou a maneira como se tocava piano e essa formação do seu trio é considerada por muitos, eu incluso, o melhor trio da história do jazz. Pronto. Se isso não basta pra você clicar no vídeo, nada vai te convencer. Clica lá, porra.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Aquele olhar estranho


Ultimamente tenho visto por aí coisas não tão boas. Coisas que causam embrulho no estômago. Tenho visto uma coisa que não sei se é boa ou má, simples ou complexa. Algures ou nenhures. O que eu vejo muito por aí são os olhos. Os olhos, os olhares dos outros, e de coisa alguma. Os olhos estão perdidos no meio da rua, caídos globos oculares na mão única. O sinal fecha. Olhos param, olhares continuam. Olho o coração do asfalto com a minha retina de culpa. Entro numa conversação visual com a uma puta, mas puta não olha no olho, olha na nuca olha no peito, mas não no olho nu. Pobre puta. Tenho visto muitos olhos melancólicos, os guardo na minha fotografia de bolso. Olho para o lado e vejo um lado errado. Espremo o texto, coloco meu olhar de artesão perdedor. Volto para o espelho, olho no meu olho, e vejo o meu pai. Seu pensamento é distante, mas sua rima existe no meu texto, sobrevive de algum jeito estranho como aquele olhar que não saí mais da minha cabeça. Tenho visto muitos olhares perdidos na asa de um avião. Olhos nas luzes, madrugada, poesia, crime, contexto... fecho os olhos
Não sei mais dobrar esquinas. Perdi o alcance da vista. Ando esquecendo olhares em nuvens. Saiu para procurar, acho o meu olhar numa musa impassível de um poeta morto. Olhar traiçoeiro kafkiano. Olhos são como flores, precisam desabrochar para enxergar. Tudo que queria era um olhar de rio para acabar com um desejo antigo. Eram três rios quando tinha seis anos de águas infinitas. Onde estava aquele olhar de rima agora. Fui para o sertão. Todos os olhos que me seguiam eram olhos de sede. Chorei uma lágrima, mas o sal impedia. Meu olhar insistia deixar alguma coisa. Meu olhar deixou sua nostalgia daquele rio sangrando em três veias. Como eu queria poder fechar o sol com olhos. Saudades tenho dos olhos daquela nascente, que antes mesmo de pensar na chuva já derrubava minh’alma no frio do anoitecer apaixonado. Era triste, aquela tristeza vinha inexplicavelmente, mas era tudo o que tinha, e hoje nem isso temos. Ah sertão: por quanto tempo não verei teus olhos estranhos nos meus. Herdei de meu pai o olhar acalorado, e agora tenho medo de derreter amores.
Existiam olhares que paravam diante de mim. Indóceis. Esses olhos são selvagens. O olhar estranho que tenho é tímido, assusto os outros com o meu olhar desconfiado. Foi na padaria que descobri que meu olhar havia se estendido. Agora enxergava as cores das pessoas. Algumas eram amarelas, outras vermelhas, a maioria delas era cinza. Reparei que as pessoas laranjas: eram sempre crianças. Entrei em desespero. Corri para o céu para perder de vez a vista. Foi à primeira vez na vida que vi a lua como lua. Não era amarela nem prateada. A lua era negra, uma esfera escura do nada, e era linda, uma beleza dura gasta abrupta. Clandestinamente não sabia mais do olhar sórdido lunar. Os olhares da terra pairavam, e cada vez mais eu via o meu futuro nos olhares perdidos. Quando acordei fui ao espelho. Meu olhar parecia vivo. Nunca mais olhei o mundo de outra forma.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Haruki Murakami e o Nobel; ou por que vocês têm que parar de encher o saco com isso.

Murakami e gato. O gato desapareceu depois da foto.

Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

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Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.




Leitores costumam ter uma relação bipolar com o Nobel. É igual cinéfilos e o Oscar. Ambos são prêmios desvalorizados, vistos como falsos representantes daquilo que há de melhor nas artes que eles tentam prestigiar. O que mais se vê são comentários mencionando as omissões dos prêmios (como Nabokov/Kubrick não ganhou nada?) e erros (Que porra é Eyvind Johnson?/Crash ganhou oscar?) usados de argumento para provar a falta de valor do prêmio, no entanto, chegada a época dos resultados, todos têm um favorito e uma opinião sobre os concorrentes. (Isso é particularmente engraçado no caso do Nobel, já que ninguém além dos responsáveis pela premiação tem acesso à listagem de candidatos, e todas as previsões e apostas são baseadas em pura especulação.) Então, quando o tal favorito perde, os prêmios voltar a ter valor nenhum, os ganhadores voltam a ser escolhidos por vantagens acadêmicas e politicagem (obviamente não seria o caso, fosse o favorito o vencedor), e ninguém se lembra do prêmio até mais ou menos chegar a época de uma nova premiação.

Se tem algo que simboliza perfeitamente esse exercício exaustivo de futilidade é o favoritismo por Haruki Murakami. Mais uma vez ele perdeu. O motivo do favoritismo, ele é muito popular e o nome dele apareceu entre os primeiros num site de apostas. Vale lembrar que não há evidência nenhuma de que a Academia tem Murakami em seu radar. Com certeza eles o conhecem e existem possibilidades altas de que ele está listado entre as opções,  mas não há provas concretas. Só saberemos daqui a 50 anos, quando as listagens forem publicadas*. Nesse dia, renascerá a polêmica, mesmo que os autores já estejam mais do que mortos, como aconteceu quando publicaram a listagem do ano em que Steinbeck foi laureado ao invés de Marguerite Duras, Lawrence Durrell e J. R. R. Tolkien. Multidões de nerds surgiram dos esgotos da internet em protesto a esse julgamento, mesmo que todos os envolvidos nele já estivessem mortos - aí entendemos o motivo da espera. Tudo isso por causa de um prêmio desprovido de relevância cultural, motivado por interesses de acadêmicos elitistas, eurocêntricos, comprados. (Não estou dizendo que os acadêmicos não sejam elitistas, eurocêntricos, comprados. Estou apenas apontando a ironia da revolta.)

De qualquer forma, alguém decidiu que, não só o Murakami merece o prêmio, mas que todo o ano ele perde por um triz. Então debates vem à tona tentando desvendar a razão dessa negligência, mesmo quando a resposta é tão simples: a maioria dos envolvidos (sempre autores, poetas, pessoas envolvidas na criação literária, de acordo com Peter Englund, secretário permanente da Academia sueca) votou em outro autor, que o determinado número de envolvidos, representantes dessa maioria, julgou estar mais próximo dos valores defendidos pelo Nobel e, portanto, merecer mais. Parece uma observação simplista (porque é), mas considerando que o Nobel tem um histórico de escolher autores mais engajados politicamente, com uma obra mais séria e academicamente polida, e que eles criaram o hábito de variar o gênero e nacionalidade do ganhador após inúmeras acusações - bastante precisas, por sinal - de euro e androcentrismo. Vendo por essa perspectiva, faz todo o sentido do mundo que Svetlana Alexievich tenha ganho esse ano e, não sendo ela, que outros autores, ainda vivos e mais relevantes, viriam primeiro que o Muraka.

Li um texto que dizia que o motivo da rejeição ao Murakami é sua falta de presença na política. Isso é incorreto. A participação política de Murakami é sutil e nem sempre está contida em sua literatura. Seus personagens podem ser, ou se dizer, apolíticos, mas vivem em ambientes políticos, como todos nós, mesmo que o ambiente em questão seja totalmente fictício (o Fim do Mundo, em Hardboiled Wonderland, com suas regras, não deixa de ser político, cheio de características típicas de um governo totalitário, até com um quê stalinista). A autoexclusão política do narrador, por consequência, torna quaisquer críticas sociais/políticas um tanto ingênuas, mas elas estão lá. Em Dance Dance Dance são feitas várias menções aos problemas do capitalismo. O mesmo pode ser visto em Após o Anoitecer e Caçando Carneiros. Em Norwegian Wood, a universidade em que o narrador estuda passa por frequentes revoltas estudantis típicas da década de 60, nas quais o narrador obviamente não se envolve, mas nunca é omitida do texto, fazendo que o leitor a assista, mesmo que de muito longe para poder enxergar qualquer coisa. Em Wind-up Bird Chronicle, um capítulo ou mais é dedicado aos relatos de um militar aposentado sobre sua função na Manchúria, durante a Segunda Guerra Mundial. Underground é um livro inteiro feito com relatos de sobreviventes e membros do culto religioso responsável pelo ataque de gás sarin no metrô de Tóquio. Ele usa essas entrevistas para descrever certas características da cultura japonesa - especialmente o gosto pela servidão e a mentalidade de rebanho - que ele abomina. (Válido apontar que esse mesmo tema foi usado pelo laureado, Kenzaburo Oe, alguns anos após receber o Nobel e da publicação do livro do Murakami. Oe foi um forte crítico da literatura do Murakami, nas fases iniciais, hoje parece ter mudado de opinião, embora o considere cultura de massa.) Uns poderiam dizer que isso é só um detalhe, que não é o grosso da literatura do Murakami, e com isso eu concordo. Mas dificilmente eu diria que a maior parte dos ganhadores do Nobel tenha mais política em seus textos que o Murakami. Yasunari Kawabata (primeiro Nobel japonês), por exemplo, não tinha nada, e era completamente contrário aos textos idealistas ou políticos, fazendo parte de um movimento focado na arte pela arte. Além do mais, quando se diz que o Nobel leva em consideração a presença política do autor, não vale apenas para a produção literária. E isso o Murakami adquiriu em tempos recentes. Ele fez vários pronunciamentos questionando a maneira como se dão as relações diplomáticas entre Japão e China, e critica severamente o hábito japonês de ignorar seus pecados históricos, cutucando feridas profundas. Exemplo é a maneira como ele cita os campos de concentração que o exército japonês manteve na China durante a Segunda Guerra Mundial. Campos pequenos em comparação aos alemães, mas tão cruéis quanto, utilizados principalmente para experimentos médicos e militares (atos costumeiros podem incluir: testes de resistência humana a baixas temperaturas, mantendo adultos desnutridos e sem roupa no frio extremo e forçando uma mãe a enterrar o seu bebê na neve para ver quanto tempo ele sobreviveria; experimentos em câmaras pressurizadoras; amarrar civis ou prisioneiros de guerra em postes, cercados por bombas, para medir o alcance destas e o tamanho do estrago no corpo humano conforme a distância etc.). Mencionou o estupro de Nanking (outro crime de guerra cometido pelo Japão contra a China). Tudo motivado pelas tentativas de grupos nacionalistas japoneses apagarem esses momentos dos livros de história - momentos estes que já não são ensinados nas escolas de lá. Se isso não é engajamento político, eu não sei o que é. Se o Nobel tem um mínimo de zelo por simetria em suas escolhas, Murakami já classificaria pelo simples fato de estar acima de Kawabata em se tratando de engajamento.

Falemos um pouco desse gosto que todos acreditam que os acadêmicos do Nobel têm pelo engajamento. Pra começar, existe uma dualidade aqui. Há o engajamento bom e o engajamento ruim. Nem todo o engajamento é visto com bons olhos pelos acadêmicos. Vejam bem, acredito que existam poucos autores - quem sabe até seres humanos - mais politizados que Yukio Mishima. O homem acreditava nos ideais conservadores do Japão feudal e nos poderes divinos do imperador, organizou uma milícia e tentou um golpe militar. Lógico, após seu discurso, ele foi ridicularizado e cometeu seppuku. (A tradição do ritual suicida dos samurais sempre o atraiu esteticamente, então não se sabe se ele falhou e cometeu suicídio ou se falhou para cometer suicídio, biógrafos debatem. Também, reza a lenda que o encarregado de o decapitar após o término do ritual falhou. Tentou, sem sucesso, cortar a cabeça de Mishima algumas vezes até ceder a espada para outra pessoa, mais competente. Em vergonha pela falha e por ter aumentado consideravelmente a já incrível agonia pela qual o autor estava passando, o encarregado cometeu seppuku também. O substituto decapitou a ambos com sucesso e talvez esteja vivo ainda.) Outro exemplo de engajamento ruim é Ezra Pound. Indicado por vários anos para o Nobel e tão merecedor quanto qualquer outro poeta, o homem era um baita fascista, defensor ferrenho de Mussolini. Tanto que foi preso por traição pelo governo americano. Heidegger também foi indicado e perdeu. Talvez porque ele tenha se filiado ao partido nazista. E tenha cultivado um bigode de Chaplin (também conhecido por enfeitar a cara de um outro certo ditador alemão, meio desconhecido... vocês não devem ter ouvido falar dele, deixa pra lá). Ninguém pode dizer que eles não são engajados, só que para o time errado. Até nisso o Murakami tem uma vantagem. Está engajado para o time certo.

O problema aqui é outro. Todos amamos Murakami. Ele escreve numa prosa simples, fluida, histórias fantásticas etc. etc. Não há dúvidas que ele é um puta escritor. Mas é material de Nobel? Pra começar, um Nobel não é certificado de qualidade. É apenas um grupo enorme de intelectuais, acadêmicos, gente importante do meio literário, alguns até laureados pela própria instituição. Se é difícil um bando de boêmio chegar a um consenso sobre qualquer coisa no boteco, imagina pensadores "sérios" decidindo pra qual colega entregar um prêmio de tantos milhões de euros? Critérios como qualidade literária e engajamento político são reducionistas nessas horas, considerando que os candidatos são escolhidos por indicação e o vencedor por voto após debate. Por melhor que o Murakami seja pra nós, ele não é bom o bastante. Vejam bem, todos que já leram muito do Murakami (eu, por exemplo) sabem que ele é cheio dos clichês. Não são clichês nem fórmulas tradicionais, mas são os que ele adotou. E ele ama os clichês dele de paixão. Gatos, gente desaparecendo, mulheres que servem de guia pra história, todos os livros dele têm isso. Em resumo: esse tipo de defeito pega mal.

Com isso eu não quero dizer que ele não vá ganhar o Nobel nunca. De repente, como ele ainda tem alguns anos de carreira, ele consiga fazer a grande obra-prima, que mude a cabeça de todos os seus críticos. Posso dizer com segurança que ele não ganhou até agora porque não merece. Isso não significa que todos os ganhadores até agora mereceram, nem muito menos que eu saiba do que eu estou falando. Minha opinião é tão especulativa e fútil quanto a de todos outros, talvez, eu gosto de acreditar, apenas um pouco melhor pesquisada (eu trouxe, afinal, dados para vocês, não?). Eu tenho fé no Murakami, gosto da literatura dele, mas tô pouco me fodendo se ele vai receber ou não o Nobel. Sinceramente, prefiro que não ganhe. Sinceramente, ele não tá na mesma categoria. É o seguinte, ele tem aquele estilo jazzman, beat atrasado, contra-cultura, que não combina. É hippie entre banqueiros, sacam? Ele não vai ganhar, na minha opinião, da mesma forma que o Kerouac não ganhou. Outro estilo, outra vida. Relaxem, meus filhos. 


* A lista de candidatos de 1964, ano em que Sartre foi laureado, inclui 76 autores, entre eles: Vladimir Nabokov, Yukio Mishima, Jorge Luis Borges, Junichiro Tanizaki, Yasunari Kawabata, Pablo Neruda, Alberto Moravia, André Malraux, Ernst Jünger, Eugène Ionesco e Samuel Beckett. Alguns desses autores ganharam anos depois, outros nunca. Alguns, como vocês podem ter percebido, até hoje são caso de polêmica. Na verdade, para melhor compreensão do pensamento (ir)racional dos Acadêmicos do Nobel, uma olhada nos arquivos de candidatos se faz muito necessária. Por exemplo, o fato de Paul Valéry ter sido negligenciado por mais de uma década (ao todo, foi nomeado 27 vezes entre 1930 e 1945, ano de sua morte) e James Joyce, Guimarães Rosa e Virginia Woolf nem serem citados serve para ilustrar o quão arbitrário é o processo de decisão dos laureados.

Curiosidade 1: o único autor brasileiro nomeado nos anos publicados até hoje foi Érico Veríssimo, em 1963, que eu tenha visto. Giorgios Seferis foi o ganhador nesse ano.

Curiosidade 2: pro ano que vem, meu dinheiro está no Adonis.

Esse é o primeiro post sobre o Nobel nesse blog. Outro sairá, da próxima vez falando dos brasileiros.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Quadrinhos, herois e literatura

Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

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Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.




O formato de quadrinhos hoje conhecido como graphic novel é encarado de forma diferente pelo mercado literário; por fazer boas estórias com “conteúdo”. Esse formato é defendido como literatura (ou algo que chegue perto de...) para os defensores suados e tetudos de quadrinhos, e ignorado por rabugentos literatos. Quadrinhos como: Do Inferno, Maus, Palestina, Azul é a Cor Mais Quente, etc. são quadrinhos “cults” literários, mas aí vai o meu questionamento: o que seria literatura dentro dos quadrinhos? Numa discussão com um amigo aqui de Fortaleza falei que algo como cinquenta tons de cinza é considerado literatura arbitrariamente ou não, mas se por acaso fizerem uma graphic novel desse livro, iai? Continua sendo literatura? Ou nunca foi literatura? Já nasceu como algo sem definição, pois se trata apenas de entulho comercial? A discussão se alastrou, até que o assunto quadrinho de heroi venho à tona. Eu como bom cuequinha verde; comprei a briga do bátema. “Cinquenta tons de cinza é mais literatura que Cavaleiro das Trevas”. Isso me frustrou um pouco, mas cinquenta tons... só é literatura por quê? Porque tem mais caracteres-palavras-simbolos do que uma HQ. Um quadrinho é só figuras? A arte visual de um quadrinho pode atrair péssimos leitores e transformá-los em porra nenhuma. Como a literatura, também, pode criar leitores vorazes que tem preconceito de ler Spirit, Fantasma, Homem-aranha... porque acham que quadrinhos seria algum tipo de arte menor, entendem?

Os quadrinhos foram essenciais na minha formação como pessoa. Passei do Groo para Stevenson com o tempo, mas nunca me desliguei do universo dos comics. Eu poderia fazer uma lista de quadrinhos de herois que são bem melhores que certos livros (de escritores consideráveis até). O víeis comercial existe em qualquer coisa: até no lixo. Os quadrinhos não são consideráveis obras de arte por que tendem a buscar um público mais popular, porém, isso pode ser destacado mais com a advento de hollywood cuspindo blockbuster todos os dias, derrubando qualquer visão mais crível dos quadrinhos. A literatura essa vadia; não tem critério para carimbar textos. Lembremos o acontecimento da Patrícia Secco querendo deixar Machado de Assis mais “legível”. DEIXAR MACHADO DE ASSIS MAIS LEGIVEL? Porra, me ajuda aí... então, o Fábio Moon e o Gabriel Bá fizeram isso. Eles transformaram O Alienista do Machado em quadrinhos, em quadrinhos, em quadrinhos! Eles deixaram então Machado de Assis mais legível, interrogação? Agora no pique. A literatura às vezes se veste de pavão, e os quadrinhos às vezes de hiena. Existe o esnobismo de ambos: isso é mais visto por parte dos quadrinhos — por incrível que pareça, pois nos quadrinhos a massa de fanáticos-lunáticos é bem maior que os fanáticos-lunáticos da literatura. Vai ser muita mais fácil você ver alguém com a cueca por cima da calça do que você imagina.

Os quadrinhos deveriam ter um melhor destaque dentro da arte. Os grandes autores de quadrinhos vivem a margem de uma insurgência editorial que nunca irá acontecer. Fico um pouco com uma sensação agridoce: triste/alegre pelo fato do cinema derrubar mais ainda o ato da leitura no geral. É bom ir ao cinema assistir o filme baseado no quadrinho (livro), mas também, é muito melhor você ler o quadrinho do homem-aranha e descobrir que ele é muito melhor do que aquilo que você assistiu no cinema. Leiam quadrinhos de herois (ou não) e repassem para os seus filhos: A Última Caçada de Kraven, Demolidor Ano Um, Batman Ano Um, Lobo Solitário (mangá), O Que Aconteceu ao Homem de Aço, Miracleman (esse último vale muito comprar, a panini vem publicando recentemente as primeiras estórias do Alan Moore, foi um avanço na forma de escrever estórias de heroi). Eu mesmo com toda essa baboseira, ainda considero cinquenta tons de cinza literatura, pois sem esse livro não existiria esse pensamento, essa logística de mercado l... enfim, o que vocês acham ser literatura no mercado atual: Paulo Coelho? Autoajuda? Augusto Cury? Autoajuda? Maria Bethânia lendo Fernando Pessoa, ganhando um milhão para fazê-lo, é literatura? José Dirceu? Pensem sobre isso, se turma da Mônica não é, então, o que poderá ser?     

sábado, 10 de outubro de 2015

Eu não nasci poeta



Eu não sei fazer verso. Minha rima é literalmente morta. O meu texto parece que vive de ferrugens. Eu não nasci poeta. Minha mãe já bem dizia — poesia só enche barriga de lagartixa. Quando descobri foi um choque. Eu não sou poeta. Eu não sou poeta. Dias e dias batendo a cabeça na parede desesperado. Mas, porque não sou poeta? O que me falta? Um caderno, um dicionário, uma bagagem de livros antigos? Camões com dor de barriga escrevia poesia? Penso logo, desisto: e se existir a tal da reencarnação? Quem sabe, eu nasça um Gullar meio discreto em outra vida, e deixe de ser mãos tortas. Esse meu corpo agora sabe até jogar bola, mas poesia nem sentado de frente da materialização da beleza sublime. Poeta: “ou é, ou não é” já disse o Leminski. Fazer o quê né? Se quando vejo um pôr do sol agarrando os ombros de uma montanha fico todo assustado com o castro poético. Castração poética. Escreva um glossário sobre... esqueça o glossário volte e não aprenda. Não entende? Então, você não é poeta. Poeta gente, é quem quiser. Não vai ser um laureado que vai me tirar o verso da boca. Seja verso ruim ou não; ninguém é gênio toda hora. Qualquer um no mundo pode ser poeta, basta ter coragem. Parábola daquele filme que o rato cozinha. O rato poeta ensina ao crítico casmurro: qualquer um pode escrever poesia. Repitam. Repitam. O que ninguém sabe é como escrever, como cozinhar, jogar bola, fazer cálculos matemáticos. Você aprende na prática, mas tem sempre uns e outros, que já nascem com o tal do “dom”. Não acredito, ou deixo de acreditar. Para mim é que nem Deus, só existe quando sinto medo. Poesia é preciso ter técnica. Como um jogador de futebol recebendo uma bola difícil de dominar; se ele conseguir dominar a bola ele consegue dominar o poema de primeira, acerta-lhe uma bela trivela.

Todo ser vivo e não vivo é poeta? Sim. Até um computador já fez um livro de poemas. Sabiam (busquem no Google seus preguiçosos)? A poesia é fútil, mas fútil que a própria arte. A arte ainda é intrínseca, relativista quando o assunto é defini-la, mas poesia, todos já sabem, que não vale de porra alguma. Honestamente, essa coisa de nascer poeta é definir, e definir é limitar. Poetas gabaritados que carimbaram essa lei são os mesmo que dizem que a poesia não tem limite é infinita. Espera. Então quer dizer que nasce poeta, mas a poesia não tem limite, então... tirem suas conclusões ou joguem no Google. O homem-cavalo que galopava todas as noites em busca da licença poética, hoje galopa  na sombra de um jóquei gorducho, mal sabendo o pobre homem-cavalo que, havia perdido o hífen poético num trote casual. No mais, eu fico desesperado. Dentro do ônibus olhando pela janela ao voltar do trabalho, vejo o homem-cavalo com os cascos feridos de trotar na poesia polida. Que viagem minha, mas o homem-cavalo agora só é vertigem. O motorista do ônibus já tá mais de hora atrasado, e agora acelera três marchas num só trote.

"Xerox, cheiro de lótus
no papel preto e branco
carbono

O poeta a beira-mar. Fortaleza já teve um cenário todo poesia. Hoje é só perdição, assaltos, furtos, furos e tráfico. O sol vêm derretendo os poetas cearenses, nem mais consigo avistar longe o sol obtuso que antes era de José Alcides Pinto. O maldito que cantava odes pornográficas. Os poetas vêm morrendo por que tem medo de escrever poesia. Culpa desse sinal de nascença. Poetas já morrem antes do parto, quando descobrem que seu expoente nasceu poeta. Desistem os pobres meninos que fazem versos de amor para a menina da primeira fileira da escola. A moça, a menininha, lendo Florbela Espanca aos doze, se espanta com a obra da portuguesa. As poetizas que me perdoem, mas poesia é como mulher: doce, misteriosa, sensível, forte como um obelisco. O menino que começa com o soneto sobre a fita azul no cabelo da enamorada, logo, vai explodir todo o seu sangue no papel amarelado. A busca pela técnica perfeita não existe. Sempre um verso simples verdadeiro vai ser melhor que um verso complexo e forçado. O que faz poesia é a rotina. Até caros amigos, um funcionário de gráfica rápida tira bons momentos, haicais da sua labuta: xerox, cheiro de lótus/impressa no preto e branco/carbono. Só cuidado com a poesia, ela exige muitas saídas, muitos porres, muitas quedas e risos, Bons poemas é preciso muitas marcas, os gatos já sabem que existem poemas que custam bem mais que sete vidas. Escreva, reescreva, organize. Poeta, por favor, ande sempre com um papel e lápis no bolso, quem sabe a poesia esteja atravessando a rua, ou sendo esfaqueada. Não perca, tente ajudá-la a sair desse paraíso fictício que você a colocou. Leve a poesia para tomar uma cerveja, um café. “Se você quer que as palavras transem, não as masturbe”. Poeta. Não caia na discórdia de parar de escrever poesia, todos somos poetas; só não sabemos. É que nem apendicite, dente siso. Aprenda só que para ser poeta é preciso não exigir nada de nada, mas para fechar eu exijo (olha que eu não sou de impor, mas...) que vocês compareçam mais nos comentários, porra galera! Não temos lá essas coisas de leitores, e os que temos não comentam. Aí eu vou chorar igual quando assisto a qualquer filme em que o cachorro morra no fim. Por favor, comentem mais ou eu vou partir para uma maratona de filmes que me deixam com os olhos suados. Isso é sério!