Páginas

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Aquele olhar estranho


Ultimamente tenho visto por aí coisas não tão boas. Coisas que causam embrulho no estômago. Tenho visto uma coisa que não sei se é boa ou má, simples ou complexa. Algures ou nenhures. O que eu vejo muito por aí são os olhos. Os olhos, os olhares dos outros, e de coisa alguma. Os olhos estão perdidos no meio da rua, caídos globos oculares na mão única. O sinal fecha. Olhos param, olhares continuam. Olho o coração do asfalto com a minha retina de culpa. Entro numa conversação visual com a uma puta, mas puta não olha no olho, olha na nuca olha no peito, mas não no olho nu. Pobre puta. Tenho visto muitos olhos melancólicos, os guardo na minha fotografia de bolso. Olho para o lado e vejo um lado errado. Espremo o texto, coloco meu olhar de artesão perdedor. Volto para o espelho, olho no meu olho, e vejo o meu pai. Seu pensamento é distante, mas sua rima existe no meu texto, sobrevive de algum jeito estranho como aquele olhar que não saí mais da minha cabeça. Tenho visto muitos olhares perdidos na asa de um avião. Olhos nas luzes, madrugada, poesia, crime, contexto... fecho os olhos
Não sei mais dobrar esquinas. Perdi o alcance da vista. Ando esquecendo olhares em nuvens. Saiu para procurar, acho o meu olhar numa musa impassível de um poeta morto. Olhar traiçoeiro kafkiano. Olhos são como flores, precisam desabrochar para enxergar. Tudo que queria era um olhar de rio para acabar com um desejo antigo. Eram três rios quando tinha seis anos de águas infinitas. Onde estava aquele olhar de rima agora. Fui para o sertão. Todos os olhos que me seguiam eram olhos de sede. Chorei uma lágrima, mas o sal impedia. Meu olhar insistia deixar alguma coisa. Meu olhar deixou sua nostalgia daquele rio sangrando em três veias. Como eu queria poder fechar o sol com olhos. Saudades tenho dos olhos daquela nascente, que antes mesmo de pensar na chuva já derrubava minh’alma no frio do anoitecer apaixonado. Era triste, aquela tristeza vinha inexplicavelmente, mas era tudo o que tinha, e hoje nem isso temos. Ah sertão: por quanto tempo não verei teus olhos estranhos nos meus. Herdei de meu pai o olhar acalorado, e agora tenho medo de derreter amores.
Existiam olhares que paravam diante de mim. Indóceis. Esses olhos são selvagens. O olhar estranho que tenho é tímido, assusto os outros com o meu olhar desconfiado. Foi na padaria que descobri que meu olhar havia se estendido. Agora enxergava as cores das pessoas. Algumas eram amarelas, outras vermelhas, a maioria delas era cinza. Reparei que as pessoas laranjas: eram sempre crianças. Entrei em desespero. Corri para o céu para perder de vez a vista. Foi à primeira vez na vida que vi a lua como lua. Não era amarela nem prateada. A lua era negra, uma esfera escura do nada, e era linda, uma beleza dura gasta abrupta. Clandestinamente não sabia mais do olhar sórdido lunar. Os olhares da terra pairavam, e cada vez mais eu via o meu futuro nos olhares perdidos. Quando acordei fui ao espelho. Meu olhar parecia vivo. Nunca mais olhei o mundo de outra forma.

Um comentário:

  1. Belo texto.
    Um olhar pode ser transparente ou pode esconder o mundo todo.

    Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de outubro. Serão seis livros para três vencedores.

    ResponderExcluir

caixa do afeto e da hostilidade