Ultimamente tenho visto por aí
coisas não tão boas. Coisas que causam embrulho no estômago. Tenho visto uma
coisa que não sei se é boa ou má, simples ou complexa. Algures ou nenhures. O
que eu vejo muito por aí são os olhos. Os olhos, os olhares dos outros, e de
coisa alguma. Os olhos estão perdidos no meio da rua, caídos globos oculares na
mão única. O sinal fecha. Olhos param, olhares continuam. Olho o coração do
asfalto com a minha retina de culpa. Entro numa conversação visual com a uma
puta, mas puta não olha no olho, olha na nuca olha no peito, mas não no olho nu.
Pobre puta. Tenho visto muitos olhos melancólicos, os guardo na minha fotografia
de bolso. Olho para o lado e vejo um lado errado. Espremo o texto, coloco meu
olhar de artesão perdedor. Volto para o espelho, olho no meu olho, e vejo o meu
pai. Seu pensamento é distante, mas sua rima existe no meu texto, sobrevive de
algum jeito estranho como aquele olhar que não saí mais da minha cabeça. Tenho
visto muitos olhares perdidos na asa de um avião. Olhos nas luzes, madrugada,
poesia, crime, contexto... fecho os olhos
Não sei mais dobrar esquinas. Perdi
o alcance da vista. Ando esquecendo olhares em nuvens. Saiu para procurar, acho
o meu olhar numa musa impassível de um poeta morto. Olhar traiçoeiro kafkiano. Olhos
são como flores, precisam desabrochar para enxergar. Tudo que queria era um
olhar de rio para acabar com um desejo antigo. Eram três rios quando tinha seis
anos de águas infinitas. Onde estava aquele olhar de rima agora. Fui para o sertão.
Todos os olhos que me seguiam eram olhos de sede. Chorei uma lágrima, mas o sal
impedia. Meu olhar insistia deixar alguma coisa. Meu olhar deixou sua nostalgia
daquele rio sangrando em três veias. Como eu queria poder fechar o sol com
olhos. Saudades tenho dos olhos daquela nascente, que antes mesmo de pensar na
chuva já derrubava minh’alma no frio do anoitecer apaixonado. Era triste,
aquela tristeza vinha inexplicavelmente, mas era tudo o que tinha, e hoje nem
isso temos. Ah sertão: por quanto tempo não verei teus olhos estranhos nos
meus. Herdei de meu pai o olhar acalorado, e agora tenho medo de derreter
amores.
Existiam olhares que
paravam diante de mim. Indóceis. Esses olhos são selvagens. O olhar estranho
que tenho é tímido, assusto os outros com o meu olhar desconfiado. Foi na
padaria que descobri que meu olhar havia se estendido. Agora enxergava as cores
das pessoas. Algumas eram amarelas, outras vermelhas, a maioria delas era
cinza. Reparei que as pessoas laranjas: eram sempre crianças. Entrei em
desespero. Corri para o céu para perder de vez a vista. Foi à primeira vez na
vida que vi a lua como lua. Não era amarela nem prateada. A lua era negra, uma
esfera escura do nada, e era linda, uma beleza dura gasta abrupta. Clandestinamente
não sabia mais do olhar sórdido lunar. Os olhares da terra pairavam, e cada vez
mais eu via o meu futuro nos olhares perdidos. Quando acordei fui ao espelho. Meu
olhar parecia vivo. Nunca mais olhei o mundo de outra forma.
Belo texto.
ResponderExcluirUm olhar pode ser transparente ou pode esconder o mundo todo.
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