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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Nos Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever) - John Badham [1977]

A imagem mais satirizada da década de 70. Não é porque o filme é bom que ele não tem motivos de ser ridicularizado.
Das minhas primeiras memórias sobre a minha relação com o cinema, um filme meio que se destaca. Em retrospecto, eu era novo demais quando assisti Nos Embalos de Sábado à Noite pela primeira vez, acho que não tinha nem dez anos de idade. Mas acho que devia estar em uma fase particularmente curiosa, pois me lembro de ter ido à finada Blockbuster com meus pais e me metido na sessão de Clássicos. Nessa mesma época, assisti Cantando na Chuva. A única coisa que esses dois filmes têm em comum é que, quando os vi pela primeira vez, não entendi absolutamente nada sobre o que eles representavam. A diferença é que anos mais tarde eu voltei a ver Cantando na Chuva, enquanto Nos Embalos de Sábado à Noite (que por questão de economia chamarei de agora em diante de SNF) não me interessou tanto assim. Isso até esse fim de semana, quando finalmente decidi ver de novo. Surpreendentemente, ainda me lembrava de muita coisa dele.


Se tem uma coisa que todos conhecem desse filme é a primeira cena. Tony Manero (John Travolta), vendedor de tinta, andando pela rua ao som de Staying Alive, do Bee Gees. Depois do trabalho, sempre que pode, ele gasta todo seu dinheiro para dançar na discoteca 2001: Odissey. Conhecemos suas amizades, seu estilo de vida, o aparente hedonismo, a falta de preocupação com o futuro, enfim, um grupo normal de jovens. Enquanto durante o dia ele não passa de um vendedor de tinta, desprezado pela família, na discoteca ele é o rei e todos o amam. A discoteca, então, organiza um concurso de dança. É aí que ele encontra Stephanie (Karen Lynn Gorney), uma mulher que busca um futuro em Nova York, mas que não está nem um pouco interessada em Tony. Mesmo assim ela enxerga o talento em Tony e aceita entrar no concurso com ele. A convivência faz que Tony decida mudar em certos aspectos, vendo que nem tudo na sua vida pode se manter igual para sempre.


1977 foi o ano em que a música disco e as discotecas atingiram seu auge. Nessa época, esses lugares eram o equivalente ao que uma balada sertaneja é hoje no Brasil. Por isso mesmo, embora as músicas presentes na trilha sonora de SNF sejam tão datadas a ponto de ser possível identificar só de ouvido o mês em que elas foram gravadas, o tema se mantém universal, simplesmente porque Tony Manero e seu grupo, o tipo de pessoa que eles representam, ainda existe, mudando apenas a aparência, penteados, roupas, etc. Mesmo assim, SNF se tornou um dos filmes mais subestimados de seu tempo com o passar dos anos. Vejam bem, é verdade que foi a obra mais lucrativa da década de 70, mas desde 79, quando a discoteca se tornou um ícone da decadência, o filme se tornou motivo de piada, John Travolta mal conseguiu arranjar trabalho, assim como qualquer um dos envolvidos nessa produção. A pior parte disso tudo, não é nem merecido. SNF talvez seja o melhor filme retratando a geração de seu tempo.


SNF é um filme sobre jovens escapistas que muitas vezes beira o niilismo. A forma que Tony, mesmo encontrando alguma paz enquanto dança, não vê futuro algum no ato; o irmão dele, antes visto pela família como um sinal de esperança por se tornar padre, perde a fé; Stephanie, a única no filme com alguma perspectiva, não deixa de ser tão decadente quanto todos os outros. É como se o filme dissesse que, para essas pessoas, não há futuro desejável e só resta escapar nem que seja por uma noite de sábado. Isso fica claro mesmo na primeira cena de dança, quando todos os presentes na discoteca formam uma espécie de dança em conjunto, deixando os problemas de lado por um momento. Crítico de cinema Gene Siskel dizia que essa era sua cena favorita entre todos os números de dança cinematográficos, assim como dizia SNF ser seu filme favorito. Essas cenas leves de dança são contrabalançadas com o realismo da relação entre os personagens. Em um momento eles dançam, em outro há um estupro; em um momento eles se preparam para o concurso, no outro um dos amigos de Tony cai de uma ponte. Esse detalhe é o que separa SNF de um Flashdance e o deixa mais próximo de qualquer filme sobre decadência geracional.


Relacionáveis que os personagens possam ser, nenhum é agradável. Tony é um narcisista ignorante, os amigos dele são misóginos e homofóbicos, Stephanie é pretensiosa e arrogante. Não é um filme de heróis e vilões, todos são pessoas.  O roteirista, Norman Maxler, reza a lenda, costumava gravar conversas reais entre estranhos em lugares públicos para melhorar o realismo dos seus diálogos. Não sei se é verdade ou não, mas os diálogos em SNF serviriam de evidência favorável. A forma que eles falam, muitas vezes desconexa e sem eloquência, serve justamente para aumentar a humanidade de todos. Nesse momento o filme deixa de ser sobre dança, e se torna sobre esse grupo de pessoas que, para esquecer seus problemas, dançam. As críticas que vieram nos anos seguintes, sobre como esse filme vangloriava a música disco, se tornam infundadas, já que a atmosfera de cinismo que permeia a história fazem do filme o exato contrário.


Adiei o filme por tanto tempo, achando que seria mais um romance cheio de dança, acontece que não é.  O peso com que certos temas são tratados no filme chegam a surpreender. É um clássico esquecido pelos motivos errados, que vale a pena ser revisitado.

Nota: 4/5

6 comentários:

  1. Olá! Tudo bom?
    Você realmente trouxe um clássico por aqui, não é mesmo? Eu nem tinha nascido ainda! Conheci através da minha mãe e meu avô, que gostam muito do filme, Esses dias até mesmo ela estava assistindo e não resisti e sentei com ela. Adoro as músicas e principalmente toda a energia, é maravilhosa não é mesmo?
    Vou ver se consigo achar algum site para assistir, seu post me deixou com vontade!

    Beijinhos,
    Percepções Blog | Grupo: Mais um livro, Por favor!

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    1. Clássico, também não era nascido em 77, até me dói pensar que quando eu vi o filme pela primeira vez foi numa finada fita cassete.
      O filme em si não tem tanta energia, como eu falei na resenha. Tanto que as cenas dentro da discoteca são as únicas com alguma cor e iluminação, justamente pra focar nesse contraste. Assista mesmo, vale a pena.

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  2. E se vale a pena ser revisitado, disso tenho certeza. Também assisti ao filme muito nova e pouco me lembro, mas sou fã do John Travolta desde sempre e adoro assistir seus filmes, principalmente os mais antigos. Ótima lembrança, quero ver de novo e tirar minhas próprias conclusões :)

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    1. Pela segunda vez é uma experiência completamente diferente.

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  3. Me identifiquei com esse post! Eu também assisti quando era muito novinha. Me lembro que minha mãe gostava e acabamos alugando Grease e o Embalos... Mas Grease é musical, super água com açúcar, mas me lembro que não consegui achar Embalos muito interessante.
    No mês passado fiz um post sobre Grease e fiquei pensando que eu deveria assistir Embalos novamente. Sempre tive a sensação de que tinha algo a mais, alguma coisa que eu não pude captar na época. Quando eu assistir de novo volto aqui pra comentar!

    Ps. Adorei seu blog também! Principalmente porque vi o post sobre Pierrot le fou, que é um dos meus filmes preferidos do Godard e da vida, e você deu 5/5 pra ele... não é todo dia que encontramos alguém que goste de Pierrot le fou, então já ganhou uma leitora hahaha

    Beijo!

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    1. Assista novamente mesmo, você vai ver que é outro filme praticamente, e o oposto de Grease. Não sou muito a favor de classificação indicativa, mas esse aí eu não acho que seja um filme pra criança, mesmo que, pelo que eu pude nos comentários desse post, tanta gente assista durante a infância.

      Obrigado pela visita. Pierrot le fou é um dos meus favoritos do Godard também, e Godard é um dos meus cineastas favoritos. Vi que tem algumas coisas no seu blog sobre o filme, todos os cartazes, bem interessante. Ainda tenho muito o que fuçar no seu blog. Volte sempre.

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