Geralmente, quando eu termino de ver um filme, já sei como vou abordá-lo em uma resenha. Se eu vou focar no lado artístico do filme; em como ele me tocou pessoalmente; se falo da história e de seus erros e acertos; se eu tento usar um pouco de humor; ou simplesmente o ridicularizo e a todos que fizeram parte de sua produção. Não é muito fácil definir qual método. Às vezes eu acerto na mosca, outras eu exagero e, embora raramente, admito que erro e me arrependo de vez em quando. Para Melancolia - segundo filme resenhado do Lars von Trier, nesse blog -, lançado em 2011, eu não faço ideia.
É um filme de muitas camadas e símbolos para ser analisado sem spoilers. Por outro lado, esse não é um filme que deixa spoilers - a primeira cena deixa bem claro o que está acontecendo -, ainda assim, esse não foi um filme muito falado no Brasil, durante seu lançamento, então é possível que muitos de vocês não o tenham visto ainda e queiram assisti-lo sem nenhuma informação prévia relevante - eu respeito isso. Vou tentar analisar o filme da forma mais profunda e, ao mesmo tempo, vaga possível. Pode ficar incompreensível, já que a minha proposta é, por definição, contraditória, mas vale a tentativa.
A história é dividida em duas partes. Uma foca em Justine (Kirsten Dunst, a outra em sua irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg). Justine acabou de se casar e ganhou uma grande festa de seu cunhado, John (Kiefer Sutherland - isso mesmo, o cara de 24 Horas). Tudo foi moldado por ele e por Claire, para que fosse perfeito. Contudo, velhas brigas familiares acontecem, insatisfações, reclamações e Justine, que sofre de uma grave depressão, não consegue segurar seu disfarce e perde tudo. Na segunda parte, o tema real do filme mostra a cara novamente - o fim do mundo - e vemos John, Claire, Leo (Cameron Spurr) - filho do casal - e Justine, reagindo quanto a tragédia inevitável.
Por onde começar? A primeira coisa que todos vão reparar logo de cara, é na beleza assombrosa do filme. As imagens, as cenas, os ângulos, é tudo perfeito e tão lindo, que não existem palavras para descrever - é necessário assistir, ou pelo menos ver as fotos, para começar a compreender. Em segundo vem as atuações; já imaginava que a Charlotte fosse excelente, mas tinha minhas dúvidas quanto a Kirsten e, principalmente, o Jack Bauer. Felizmente, os dois lançam, talvez, as melhores performances de suas vidas. Na verdade, a segunda melhor de Kirsten Dunst - a melhor foi a sua reação perante o diretor, Lars von Trier, anunciando, na conferência de imprensa do filme, que era nazista (ver vídeo para entender). Mas falando sério, não imaginava algo tão bom dos dois e me enganei.
Agora vem a parte complicada, que eu não sei se devia tocar ou não. Olha aqui, se você não quer saber nada do filme, vai embora. Nada pessoal, mas o que eu vou dizer a seguir, pode atrapalhar a sua experiência vendo o filme e isso eu não quero fazer, ok? Continuando. Astronomicamente falando, o filme é um absurdo. O objeto que atinge a Terra, nessa versão do apocalipse, não é um meteoro, é um planeta que saiu de órbita, escapando de seu sistema solar. Isso é possível de acontecer, o que é impossível é a trajetória que ele faz para atingir seu alvo. O filme simplesmente ignora que a gravidade desse planeta - que é 7 vezes maior que a Terra - seria tão forte que, ou faria que nosso planeta girasse ao redor dele, ou nos puxaria em sua direção, fazendo que a Terra colidisse em Melancolia (sim, esse é nome do planeta) e não o contrário. Mas isso não importa, justamente porque o nome do planeta é "Melancolia", entende? Não se trata de um planeta causando uma tragédia mundial, mas de uma grande metáfora. Melancolia faz com a Terra, o que melancolia, ou depressão, faz com um ser humano.
Existem tantas camadas de interpretação aqui, que eu poderia escrever páginas. Mas esse não é meu objetivo. Queria falar sobre como o filme trata daquela impressão que algumas pessoas que sofrem dessa doença têm, a impressão de que sabem mais que o resto - o que as vezes é verdade -, a impressão de que eles enxergam além e é por isso que eles sofrem, pois não existe nada de bom "além" para se enxergar. Queria falar sobre como o filme trata sobre o mais forte. Sim, aquele cara que parece estar sempre sob controle, para manter a tranquilidade geral, mesmo quando, no fundo, ele sofre tanto quanto o resto - se não mais - e, assim que o fim se torna inevitável, ele é o primeiro a fugir. Sobre a inocência infantil. Sobre como, nessas horas de desastre, o louco se torna o mais são de todos. É muito para se falar. Muito. Só assistindo.
Ainda assim, estaria mentindo se dissesse que o filme é perfeito. Não é. Alguns dizem que ele é fabricado, mas disso eu discordo. Von Trier e Kirsten Dunst, sofreram por muitos anos de depressão. Sabem muito bem como é, para simplesmente criar um filme falso sobre esse sentimento. Na verdade, o filme é real demais, mas se esquece de uma coisa. Não importa o quanto se tente transformar a depressão em beleza, em poesia - o que o filme faz com perfeição -, esse não é o estado geral do mundo, embora seja isso que o filme tenta demonstrar. A vida não é um monte de merda para todos. Existem momentos ruins. Existem momentos bons. E é verdade, pode ser que não haja nenhum sentido para existência; que sejamos apenas grãos de areia flutuando em direção ao esquecimento, mas e daí? Que venha o esquecimento! Isso não quer dizer que os momentos posteriores a essa tragédia humana inevitável, tenham que ser tristes. Tive um professor de química, que dizia: - Se o estupro é inevitável, aproveita. - Pode parecer absurdo, mas esse é o melhor resumo que eu já ouvi sobre a nossa vida na Terra. É um estupro, mas fazer o quê? Acontece, e o jeito é continuar vivendo. Ao dizer o contrário, o filme parece forçado. E como Lars von Trier já é conhecido por forçar a barra; por se esforçar para que a platéia sinta vontade de cometer um suicídio em massa; não darei a nota máximo. O filme é lindo, com atuações perfeitas - e a trilha sonora! Me esqueci da trilha sonora. Tristão e Isolda, tocando no fundo a todos os momentos, simplesmente magnífico! -, no entanto, admita Lars, você forçou a coisa toda.
Nota: 4/5
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