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sábado, 10 de janeiro de 2015

Inside Llewyn Davis: balada de um homem comum (Inside Llewyn Davis) - Ethan e Joel Coen [2013]


Preparados para mais um momento "vamos ver o quanto eu me lembro daquele filme que eu vi tanto tempo atrás e me esqueci de resenhar"? Pois será isso a postagem de hoje. Antes de qualquer coisa, uma nota. Viram só como eu tô organizado nesse começo de ano? 10 dias, 4 postagens - mais ou menos o total de postagens em um mês do ano passado. Vamos ver se assim essa porra vai pra frente. Antes de eu começar, peço também que não confundam Inside Llewyn Davis com a paródia pornô desse filme, lançada alguns meses depois, chamada Inside Llewyn Davis. É fácil confundir.


Já o filme é baseado naquela época que eu tanto gosto, a década de sessenta. Não o fim, mas o começo, 1961 pra ser exato. Mais ou menos quando o cenário folk em Greenwich Village, Nova Iorque, se desenvolveu. Llewyn Davis (Oscar Isaac) é um músico tentando ganhar espaço nesse meio, mas sem muito sucesso. Não é exatamente um iniciante, o disco que ele gravou quando ainda fazia parte de uma dupla fez sucesso, é sua carreira solo  - iniciada depois que seu parceiro, Mike, se suicidou - que não deslancha. Enquanto isso, seu amigo, também músico, Jim (Justin Timberlake) parece estar se dando bem. Jim é casado com Jean (Carey Mulligan), que também faz música em parceria com o marido.

Cansado de Village, Llewyn tenta a sorte em Chicago, pegando carona com um músico de jazz interpretado por John Goodman e um poeta beat. E o filme, então, é sobre essa jornada de ida e volta. Busca infrutífera, não por sucesso, mas por uma chance de ser - ter um disco gravado e distribuído.


A história de Llweyn é levemente baseada na vida de Dave van Ronk. Digo levemente porque as coisas que se passam no filme provavelmente não foram reais, apenas detalhes como o amor por Greenwhich Village, a insistência em fazer a música que ele quer ao invés da que vende, sem falar que as atitudes dos outros músicos, pessoal de gravadora e donos dos bares deve ser, pelo menos em parte, base em relatos da época, mais especificamente o livro de memórias que Dave van Ronk escreveu em parceria com o jornalista e pesquisador musical, Elijah Wald, chamado The Mayor of MacDougal Street (ainda não traduzida para o português e que eu tenho aqui, na minha estante. Ele às vezes me sussurra pedindo pra ser lido, mas os seus vizinhos falam mais alto). Também é uma semelhança o fato de Bob Dylan, antes da fama, ter usado Dave van Ronk como mentor - o que é só insinuado no filme, por meio de uma quase aparição de alguém vestido no estilo Dylan, tocando uma música dele.
 
 
O mais interessante no filme é a forma que eles tratam o conceito de "gênio". O mais comum no cinema é que o "gênio" seja mostrado como um incompreendido, alguém que merece muito mais reconhecimento do que de fato recebe, alguém que se recusa a atender as exigências do mercado em troca de uma arte pessoal, original e sincera. Histórias assim existem, mas são uma minoria. O cinema faz que elas pareçam banais de tanto que são contadas. Meu medo era que Inside Llewyn Davis fosse um filme desses, e é com grande alegria que eu digo que não é.
 
 
Sim, toda essa história do gênio é insinuada, salvo pela parte da genialidade em si. Muitas vezes Llewyn parece mais um cara teimoso, que quer ser visto como o maior nome da música folk, mas cujo temperamento o impede de chegar lá. O filme trata desse outro lado como eu nunca tinha visto antes.  O gênio que se vê como tal, quer ser visto como tal, mas não faz por onde. Acha que deve ser reconhecido somente pelas suas intenções, pela sua integridade moral visível quando ele, mesmo tendo talento e sendo procurado, se recusa a entregar às gravadoras o que elas querem. É muito nobre, no entanto, um gênio sem obra é só um cara comum deitado no sofá, pensando. Uma visão bastante melancólica, pode ser, e isso é porque o filme como um todo é bastante melancólico. Até o uso das cores, sempre entre o azul e o cinza, num clima eternamente nublado, escorre melancolia.




 
Por outro lado, a estrutura mostra um pouco de otimismo. No começo do filme o gato dos Gorfein (casal de idosos que admiram o trabalho do Llewyn) foge. Ao longo do filme, Llewyn tenta encontrar o gato, chamado o Ulysses, e, eventualmente, encontra um gato, mas que ele descobre mais tarde não ser o mesmo, já que Ulysses é macho e o que ele encontrou é uma fêmea. Ulysses desaparece, sem que se saiba para onde, mas volta pra casa um dia antes de Llweyn voltar de Chicago.

Ulysses, claro, uma referência à Odisseia - que eu não li, não podendo então dar um parecer mais exato dessa referência -, visto que o gato sai em uma jornada e volta para casa, mas também pode ser interpretado como uma representação do próprio Llewyn, que vai para Chicago e volta para casa (essa é a jornada do enredo. Ambos, quando voltam, voltam com marcas. Em Llewyn as marcas são internas, pelas experiências vividas. Ulysses, com uma listra a mais no pelo, ao menos é o que parece.


Essa é uma das minhas cenas preferidas. Vou apontar agora que a trilha sonora é tão boa quanto o filme, tendo sido, creio que ou toda ou a maior parte, interpretada pelos atores e atrizes. Essa música especificamente foi composta em referência a uma canção homônima gravada mais ou menos no mesmo período pela dupla The Goldcoast Singers. A única diferença é que a original fala da guerra do Vietnã e a do filme fala sobre a corrida espacial. Nada disso importa, o que eu quero apontar é a tensão, tão sutil, presente na cena. Parece que um deles ou vai se ofender ou vai estourar de frustração, mas, no fim, acabam esquecendo tudo em nome da música - que apesar da incredulidade de Llewyn, dá certo.


Eu indico muito esse filme. Por tudo. Pela atuação, pelo clima, pela época, pela música. Achei perfeito, um dos melhores de 2013. Indico também o disco Inside Dave van Ronk (viram a referência, pois é, quando Llewyn mostra seu disco para o produtor em Chicago, a capa é uma versão do disco real, com Oscar Isaac no lugar do Dave), que é o disco que resume o que foi a música folk.

Nota: 5/5

E se vocês acharam que eu não ia colocar umas músicas do Dave van Ronk aqui, vocês ainda não me conhecem.




Um comentário:

  1. Oba, feliz de ver o filme aqui! Acho que não vi comentário sobre ele em outro blog, acredita?
    Gostei muito do que escreveu, principalmente sobre esse aspecto do gênio. Isso nem tinha me passado pela cabeça, mas fez muito sentido tudo que você disse. O personagem dele é muito bem construído e tem pouquíssimos altos e baixos. Dá vontade de dar umas tapas na cara pra ele acordar pra vida hahaha
    Nunca iria saber dessa referência da capa do disco também!
    Já tinha ouvido essas músicas do Dave e gostei demais da conta!
    Ótimo filme, ótimas referências!

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