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sábado, 27 de julho de 2013

Shi (Poesia) - Chang-Dong Lee - 2010


Alguns enredos são usados com tanta frequência que só de se ouvir falar de certo artifício já faz com que o espectador fique desanimado. Doença é um exemplo. Fazer com que um personagem amável contraia uma doença terminal ou angustiante pode parecer uma forma fácil e barata de emocionar, contudo alguns filmes demonstram que não é o artifício em si que é o problema, mas a forma como ele é usado. Sendo assim, é seguro dizer que Poesia é uma aula de como se usar a doença como parte de um enredo.


Mija (Jeong-hie Yun, lendária atriz sul-coreana da década de 70) é uma senhora de 65 anos, aparentemente feliz, obrigada a criar, no lugar de sua filha, o neto adolescente cretino. Ela vai ao médico para verificar uma dor que ela sente no braço, mas, quando sua memória começa a falhar, o médico se espanta e sugere que ela vá ao hospital, pois pode ser, e é, Alzheimer. Se não bastasse, o diário de uma garota adolescente que acaba de suicidar indica que ela foi estuprada regularmente por 6 colegas de classe, um deles sendo o neto de Mija. A história foca em Mija sendo obrigada a conviver com sua memória sumindo aos poucos, a ideia de que seu neto é estuprador e os pais dos outros 5 adolescente que não querem nada além de salvar a pele de seus filhos. O único consolo que ela encontra para seguir em frente são as aulas de poesia que ela passa a frequentar.


Poesia não gira em torno do Alzheimer, muito menos vitimiza a personagem doente. O filme trata sobre diversos assuntos extremamente complexos e capazes de forçar o espectador a pensar por horas, até mesmo dias - meu caso. Em pouco mais de duas horas, Poesia fala sobre o papel da mulher na sociedade coreana, sobre tecnologia e consumismo, sobre a estrutura familiar na modernidade, sobre o tratamento dos idosos, sobre poesia e como essa forma de arte - assim como a arte em si, disse o diretor em uma entrevista - está condenada, e, obviamente, sobre o envelhecimento e a mortalidade; tudo isso tão sutilmente que nunca soa pretensioso ou esquece e interrompe o rumo da história, que é capaz de sugar o espectador e fazê-lo se emocionar com a vida das pessoas na tela.


Jeong-hie Yun é espetacular e pode ser comparada com a brilhante Emmanulle Riva em Amor, que é outro filme que trata de doença e envelhecimento com perfeição. Ela transmite todo o seu sofrimento disfarçado de alegria e inocência, tornando-se impossível não se identificar e se deixar simpatizar com a personagem e com tudo que ela passa. E a forma que a poesia toma conta de sua mente e faz com que ela mude por completo sua visão de mundo e fique obcecada com a tarefa aparentemente tão simples de escrever um poema é de uma sensibilidade imensa. Além da forma que ela se envolve com a garota vítima de seu neto e sente por ela como se ela própria tivesse sido violada, tudo isso apenas serve de prova para a profundidade que foi posta nessa personagem tão bem escrita e dirigida por Chang-Dong Lee, que começou a carreira como romancista até se render ao cinema.


O filme é simples, sem grandes experimentalismos, mas poético e belo o suficiente para demonstrar a competência e vasta visão do diretor. A cada nova lição de poesia que Mija recebe, uma nova forma de ver o cenário é inserida na filmagem. Uma maçã, que não passaria de um enfeite insignificante, ou uma árvore ou um canteiro de flores, tornam-se peça chave para o desenvolvimento do enredo, tudo graças a poesia, que, nesse filme, significa justamente isso: expansão da percepção, de modo que tudo, independente do que for, é belo, é poesia; isso é potencializado na aula em que os alunos são convidados a falar sobre o momento mais bonito de suas vidas.


Poesia é uma obra surpreendente, complexa em sua simplicidade, que convida a pensar. Merece todas as premiações que recebeu em seu lançamento, e eu pretendo acompanhar de perto o trabalho desse diretor, que foi uma grande e satisfatória descoberta para mim.


Nota: 5/5

Um comentário:

  1. Não conhecia esse filme, parece ser muito bom.
    Uma vez uma pessoa me disse que histórias todo mundo conta, tudo depende da forma que são contadas.
    Por isso não me importo tanto assim com temas parecidos, se a história for bem contada, tudo fica diferente no final.
    Gostei da história desse filme, parece ser bem forte, quero assistir. :)

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