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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Blue Jasmine - Woody Allen (2013)



Era uma vez, há seis anos - ou sete -, um adolescente inexperiente e inculto saindo com uma garota que ele gostava pela primeira vez. Ele estava nervoso, gaguejava de vez em quando, sentia uma necessidade impulsiva de fazê-la rir a cada dez minutos, mesmo que não intencionalmente, como quando ele quase caiu ao tentar segurar o corrimão da escada rolante - que, em sua defesa, parecia estar se movendo muito mais rápido que os degraus -, ou quando ele começou a fazer comentários críticos sobre as outras pessoas da fila do cinema. 


Foi aí que a garota mudou a vida desse pobre adolescente ao insinuar que ele deveria gostar de Woody Allen, mas ele nem sequer sabia quem era esse cara. Inicialmente, ela não acreditou, mas, depois de insistir um pouco, viu que ele era mesmo um completo ignorante, sendo assim, ela se comprometeu a apresentá-lo ao pobre rapaz e, não muito tempo depois, os dois assistiram Annie Hall - justo o da cena da fila do cinema. O tempo passou e o amor desse adolescente pela garota chegou ao fim - se é que um dia existiu -, mas não o amor por cinema que, naquela noite, nele foi implantado e, mais especificamente, o amor pela obra de Woody Allen.


Desde então, o jovem - que (plot twist à la M. Night Shyamalan) era eu o tempo todo - caçou dezenas dos filmes do Woody e acompanhou cada um dos lançamentos anuais, até mesmo os ruins. Por causa dessa história toda, decidi começar minha série de resenhas de filmes lançados em 2013 por Blue Jasmine, o filme que Woody lançou no ano passado - e, adivinhem, ele já tem outro em pós-produção para 2014 intitulado "Magic In The Moonlight".


O filme conta a história de Jasmine (Cate Blanchett), uma socialite bêbada, viciada em antidepressivos, que tenta reconstruir a vida após ter "descoberto" que a fortuna de seu marido, Hal (Alec Baldwin), era formada por esquemas e roubos. Para recomeçar, no entanto, ela precisaria depender do auxílio da irmã, Ginger (Sally Hawkins), que foi uma das vítimas de Hal, perdendo todo o dinheiro que ela e seu ex-marido ganharam na loteria. Ginger, mesmo assim, tenta perdoar, afinal ela percebe que se recuperou melhor que a irmã, já estando noiva de novo e com uma casa razoavelmente confortável, apesar de simples. Só que essa vida de emprego fixo é uma tortura para Jasmine e aos poucos ela vai quebrando.


Antes de mais nada, tenho que comentar a estruturação do filme. As coisas mais recentes que vi de Woody Allen costumam ser lineares, já esse, embora tenham começo, meio e fim bem localizados, tem um formato completamente diferente do esperado. A "doença mental" de Jasmine envolve ela se perdendo em momentos de um passado que ela quer reprimir - seja por vergonha ou saudade. Ou seja, ela começa a imaginar aqueles velhos tempos de fortuna e literalmente revive a cena, conversando com convidados que não estão lá, fazendo comentários, contando histórias e falando sozinha no meio da rua; esses momentos de loucura, então, servem para que cenas do passado de Jasmine se misturem ao presente e o espectador se aprofunde sobre a vida de todas as personagens, quase como um fluxo de consciência neurótico.


O que me leva a personagem, Jasmine. Que criatura complexa. Nem de perto agradável e difícil de gerar qualquer forma de simpatia, mas tem algo nela que te impede de odiá-la. Algo na vida de Jasmine grita vítima e a Cate Blanchett expressa essa dualidade com maestria. Uma hora ela é uma mulher perdida em busca de redenção, noutra ela volta a julgar aqueles ao seu redor como inferiores, principalmente as escolhas românticas de sua irmã. O desespero escorre pela personagem, como se ela soubesse de todos os seus problemas, de como ela teve sua vida destruída e a de todos ao seu redor, sem necessariamente ser inocente. Mas quase dá para perceber um desejo pela mudança, dificultado pela desconfiança que todos, justificadamente, têm por ela.


Tendo descrito a Jasmine, deixe-me dedicar ao menos um parágrafo à Cate Blanchett. Essa foi a performance do ano, mesmo eu não tendo visto muitos outros filmes de 2013. O próprio Woody Allen, exigente e perfeccionista que ele é, disse que não precisou dirigi-la, só a contratou e saiu do caminho. E é isso que parece, que o filme foi obrigado a sair do caminho dela. Não que os outros atores não sejam extremamente competentes, não percebi um elo mais fraco nesse filme, mas todos ficam invisíveis na presença da Cate, até mesmo o diretor.


Vejam bem, Woody Allen é extremamente autoral, todos os filmes dele têm um pedaço nada sutil da sua personalidade. Blue Jasmine não é tão diferente, em se tratando de direção (as imagens da cidade, o jazz, os monólogos, o existencialismo e até um pouco da comédia estão lá), mas ele não está no enredo, mesmo que algum personagem tenha sido feito para representá-lo. Entendam, essa atriz tem tanta presença que até apagou o diretor da cena. E isso não é ruim, pelo contrário, é impressionante. Já se está ouvindo muito da performance dela em Blue Jasmine e muito ainda vai se ouvir, e me alivia saber que é tudo bem merecido. Jasmine talvez seja a personagem mulher mais forte de Woody desde Annie (Dianne Keaton). Verdade que as duas são opostos, praticamente, mas estou falando de presença de cena, não personalidade. Ah, só pra constar, se você lendo isso nunca viu Annie Hall, veja - só um aviso não relacionado à resenha.


De todos os filmes do Woody que eu já vi, que foram muitos, mas não todos, esse foi o mais pesado. Talvez por tratar de problemas psicológicos e da decadência de uma família, assim como as pretensões e ridículos e mentiras da alta sociedade, tudo com um tom trágico e humor negro, não espere terminar a sessão com um sorriso no rosto. Mas tampouco espere sair entendiado, Blue Jasmine te agarra a alma e te incomoda a mente por semanas, os detalhes da história te mantém questionando e as vidas em cena te fazem refletir sobre a sua própria vida. Esse foi o primeiro da minha lista 2013 e, devo dizer, o ano começou muito bem. É Raphael, esse até que foi fácil, agora quero ver tu resenhar Her sem ter colapso mental.

Nota: 5/5


2 comentários:

  1. Cara, muito bom. Sabe que ontem decidi fazer uma maratona Woody Allen? Peguei Scoop - O grande furo, Para Roma com Amor e A rosa púrpura do Cairo. E verei Her também e todos os outros filmes dele que eu for achando por aí. E a Cate é divina, uma atriz incrível, sensacional, com certeza vai ganhar o Oscar, tipo, não tem nem como dizer que não né. Ela foi indicada, né? Ouvi ou li algo sobre ela poder ganhar o Oscar, pode ser que estou falando besteira, como sempre no quesito informação, mas beleza.

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    1. Ah, já fiz dessas maratonas com filmes dele também. Scoop eu achei mais ou menos, Para Roma com Amor é subestimado - a crítica e o público acharam meia boca, eu gostei bastante -, e A Rosa Púrpura do Cairo é excelente, um que eu preciso ver de novo.

      Sim, a Cate é uma favorita para o Oscar, pelo menos acho bom que seja, se não eu vou a Hollywood dar uma surra na Academia, acho que vou fazer um post de previsão do Oscar, sempre acerto alguns. O Globo de Ouro ela já levou, assim como uma porrada de prêmios. Mas ela é ótima até em filmes ruins.

      Não falou besteira nenhuma, mas eu posso ter te induzido ao erro. Her não é do Woody, é do Spike Jonze. Misturei ali porque é a minha próxima resenha - que vai acabar me matando - e estava na lista de filmes para ver de 2013. Assista Her de qualquer jeito porque é genial, filme do ano, obra-prima, um dos melhores da década e por aí vai!

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