Páginas

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Iniciantes - Raymond Carver (2009)

Não tem nenhuma foto boa no google da edição nacional.
Prometi que ia resenhar esse aí conto por conto, né? Sinto muito, mudei de ideia. Já resenhei Por Que Não Dançam um tempo atrás, não falarei sobre esse conto de novo, mas você pode procurar a resenha dele por aí (não terá link, porque eu quero que você se esforce - jeito positivo de dizer que não quero me esforçar, porque eu quero ficar mais positivo esse ano. Ano que vem eu fico negativo de novo, o plano é variar anualmente, pra deixar a vida interessante). Mudei de ideia quanto às resenhas individuais porque, como eu pretendo dizer mais a frente no texto, os contos desse volume têm temas recorrentes, seria possível desenvolver interpretações individuais para cada história, mas quem tem tempo pra isso?

Iniciantes é a versão original dos 17 contos que compuseram a primeira coletânea de Raymond Carver, de 1981,  Do Que Falamos Quando Falamos Sobre Amor (que aqui recebeu o nome de Iniciantes). A diferença é que, naquela primeira edição, os contos foram desfigurados durante a edição. Para que vocês tenham uma ideia numérica, Do Que Falamos tem aproximadamente 140 páginas, enquanto Iniciantes tem aproximadamente 286, posso estar enganado, mas o número de contos foi o mesmo em ambos os volumes, ou seja, mais de 50% foi cortado do manuscrito original. Verdade que alguns contos poderiam ter alguns trechos retirados, mas, durante a leitura, não consegui imaginar o livro tão fatiado assim.

Falando das histórias, todas seguem um tema em comum, a classe média baixa americana, os restos do American Dream. Famílias totalmente reconhecíveis fora do mundo da literatura. Nessa coletânea se vê o alcoolismo - do qual Raymond Carver foi vítima por muitos anos -, desemprego, divórcio, traição, violência - muito mais reprimida e acidental que explícita, e, salvo pelo conto "Diga Às Mulheres Que A Gente Já Vai, sempre insinuada -, frustração e solidão. É difícil chamar um personagem de Carver de personagem, de tão reais que eles são. São pessoas fictícias, talvez reais, mas transformadas em ficção.

O estilo de Carver é descrito como minimalista, cheio de repetições, frases curtas e precisas, pouquíssima linguagem poética e muito da "teoria do iceberg" de Hemingway. Os detalhes, embora breves, inserem o leitor na vida daquelas pessoas, a ponto de se tornar difícil ler mais de um conto em sequência. É complicado acompanhar a vida de um casal que acaba de perder o primeiro filho e, quando a história acaba, simplesmente seguir em frente para a próxima - que pode ou não ser tão emocionalmente brutal. Essa é a chave dos contos de Iniciantes, as emoções, que raramente são descritas - afinal Carver é um bom escritor e sabe que uma história deve fazer com que o leitor sinta, não descrever os sentimentos -, mas são percebidas, estão por todo o lado nos contos, em todos os espaços vazios entre as palavras.

Nem tudo é perfeito, apesar de tudo. "É Meu", por exemplo, conto sobre um casal durante o momento da separação - justo no meio daquela última briga, sabem? - e parte da briga é a guarda do filho recém-nascido. Foi até estranho, no meio de tanta sutileza, ver a mão do autor pesar tanto. É uma história terrivelmente triste, mas tão pouco polida que toda a "insinuação" - se é que ele tentou insinuar qualquer coisa - se perdeu completamente. O que devia ser um choque, acabou previsível e toda a emoção se perdeu. Isso sem mencionar um primeiro parágrafo cheio de redundâncias. Se em algum conto se justificariam edições pesadas, seria nesse, mesmo assim, não sei se salvaria.

De qualquer forma, é uma falha em meio a 16 pérolas. Iniciantes, o conto que dá título à coletânea, um diálogo entre dois casais "iniciantes no amor", tentando de alguma forma definir um conceito para esse sentimento. Talvez esse seja o melhor conto da obra. Formado quase que completamente por diálogos, contém praticamente todas as fases do amor. Desde a ignorância feliz dos primeiros anos até as crises de ciúme do fim, analisando os relacionamentos passados e presentes, e como cada um tem seu conceito indiscutível do que é amor. Logicamente, ele não poderia concluir o conceito, por isso termina em bebedeira, medo e lágrimas. Uma obra-prima do conto, sem dúvida. (apesar de também conter um erro de revisão, mas eu relevo, foi um dos únicos no livro inteiro.)

O conto, infelizmente, é uma forma de narrativa esquecida. Se já se lê pouco no Brasil, até mesmo romances, contos estão quase no mesmo patamar da poesia, o que é uma pena. Já escrevi isso antes, mas insisto, um bom conto pode ter a mesma força e peso de um romance, independente do número de páginas, e Iniciantes é a prova disso. Indico a leitura para qualquer um que goste de boas histórias, reais e brutas, mas cheias de sentimentos, e queira se inserir no mundo dos contos.

Nota: 4,5/5

Leia um trecho: http://www.companhiadasletras.com.br/trecho.php?codigo=12686

Um comentário:

  1. "É Meu" é o menor conto do livro e terminou de uma forma muito "insinuativa". Gostaria que tivesse sido um pouco mais desenvolvido, mas conhecendo a escrita do Carver talvez não tivesse adiantado muito. É mesmo terrivelmente triste.

    ResponderExcluir

caixa do afeto e da hostilidade