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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Dias Perfeitos - Raphael Montes [2013]


Depois de ler dezenas de resenhas positivas sobre esse livro, ver a entrevista com o autor no Jô, ver a capa do livro em todos os cantos dos sites de todas as livrarias pelos últimos seis meses, decidi dar uma chjance a Dias Perfeitos. Fui com um pé atrás no início, não tenho muita experiência com livros desse gênero - e até esperava mais um livro policial, considerando todo o marketing -, mas agora posso dizer que não me arrependo. Sugiro apenas que, caso você não tenha lido o livro ainda, evite resenhas e a entrevista no Jô. Não que qualquer um desses vá te contar o final, mas se você acabar pensando um pouco, deixa tudo muito óbvio.

Começa com o narrador (em 3ª pessoa) falando da amizade de Téo, um jovem carioca estudante de medicina, antissocial, psicopata, vegetariano, não bebe, não fuma, não fode, que cuida da mãe paraplégica, com Gertrudes, uma defunta usada para exame na faculdade. Ela a única com quem ele consegue se entender, o resto das pessoas ele detesta e não compreende. Ele era um cara quase normal, ia a igreja aos domingos com a mãe, era estudioso, até que é forçado a ir a um churrasco e conhece Clarice, basicamente o oposto dele, extrovertida, que bebe, fuma, come carne, está há um tempo trabalhando no roteiro de seu filme, é essencialmente liberal em se tratando de política e sexo, com uma beleza peculiar e espontaneidade que conquistam Téo logo de cara. Ele, logo, faz aquilo que todo psicopata deve fazer e a persegue por aí, história vai história vem e ele a sequestra e a leva para fazer a viagem descrita em seu roteiro (chamado Dias Perfeitos), na esperança de que, no confinamento, ela o conheça melhor e se apaixone por ele.

Como eu disse, estava na impressão de que esse seria um livro policial. Não estava de todo errado, mas não é bem isso. Dias Perfeitos é uma inversão bem interessante do gênero policial, em que o leitor, ao invés de acompanhar a investigação, acompanha o criminoso. Sabe-se que o caso está sendo investigado enquanto o enredo se desenvolve, mas não se fica sabendo de nada, é o ponto de vista do Téo que é acompanhado. E, nesse caso, muito bem. A narração, apesar de onisciente e em terceira pessoa, entra na mente do protagonista e ouvimos a história pelo filtro mental dele, ou seja, somos levados a encarar suas ações absurdas com toda a racionalidade de um psicopata. Téo está convencido e, portanto, tenta convencer o leitor de que suas ações são por amor, são mais do que tudo necessárias para o bem-estar e o futuro de Clarice, mesmo que para isso ele precise a manter sedada, enfiada dentro de uma mala et cetera, et cetera.

Nesse sentido, visto que se trata de um mistério, o livro é impecável. Muito bem escrito, ritmado da maneira certa, com todas as reviravoltas obrigatórias do gênero. Prende o leitor até a última página. Eu que sou um leitor lento não demorei uma semana para terminar esse livro. Não é à toa que o livro recebeu tanta atenção, tanto da crítica quanto do público, vejo agora que é bem merecido.

Chega a ser impressionante a forma que o leitor é levado a pensar igual ao psicopata. Em certo momento, o raciocínio tão claro de Téo chega a disfarçar a brutalidade dos seus atos, maquiando o que deveria ser uma leitura um tanto perturbadora. Não que a leitura fique leve em qualquer momento, não fica. A violência física e psicológica preenche todo o enredo e a minúcia das descrições transfere a dor do ato para a mente do leitor com facilidade, mas, como eu falei, o filtro mental da loucura do Téo não deixa que isso torne a leitura tão pesada quanto deveria ser.

Tendo dito isso, nada é perfeito. O final, como a essa altura todos devem ter ouvido, é polêmico. Não vou entrar em detalhes e já adianto que gostei, com algumas restrições. Se a narrativa até os momentos finais era excelente, detalhada e bem resolvida, é na conclusão que ela tropeça. Ficou claro para mim que Raphael Montes teve aquela ideia para terminar o livro, repito que achei muito boa, no entanto percebeu que para chegar a esse final específico ele teria que atropelar um pouco a lógica, ignorar certos obstáculos, tudo para poder alcançar o destino. Pois é, para mim, isso atrapalhou bastante. Foi a corrida nos dois últimos capítulos que me impediu de dar nota máxima ao livro. Mesmo assim deixo claro que é minha visão pessoal, muita gente não pareceu ter sentido a mesma coisa. Para não estragar a leitura dos que ainda não leram, sou obrigado a ser mais vago do que gostaria, mas acho que, para quem já leu, estou sendo claro o suficiente.

Esse defeito, embora tenha me desanimado, não torna o livro ruim. Digo novamente que é muito bem escrito e construído. Ouvi dizer que o primeiro romance dele, Suicidas, é ainda melhor, o que me deixou bem curioso, provavelmente o lerei num futuro próximo. Também muito me interessa o futuro desse autor, que só tem 23 anos, se não me engano. Os direitos também já estão vendidos para fazer um filme adaptando esse livro, o que me anima - embora a burocracia para se fazer um filme no Brasil seja no mínimo intimidadora, então vai saber o que será feito e quando. Eu indico a leitura, principalmente se você gosta desse gênero policial/mistério/suspense.

Nota: 4/5

Leia um trecho aqui: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13671.pdf

5 comentários:

  1. Ah, você leu! Como sabe, eu também gostei, até mesmo do final, algumas coisinhas não foram tão boas quanto eu imaginava, mas gostei mesmo assim.
    Dizem que o primeiro livro é muito melhor que o segundo, então também estou curiosa para ler. :)

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    1. Li. Gostei bastante, na verdade queria ter gostado mais, porque é bem escrito. O final é bom, mas o jeito que ele chega nesse final é bem fraco e corrido.

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  2. Olá! Eu amo esse tipo de livro! Os policiais de mistério e suspense são meu queridinho!
    Eu tenho muita curiosidade em conhecer o trabalho do autor e também de ler esse final que é sempre tão comentado por todos, já vi gente que adorou, outros que acharam demais, uns de menos! Eu quero tirar minhas conclusões! Parabéns pela resenha! Beijos
    http://overdoselite.blogspot.com.br/2014/09/resenha-o-artifice-tony-ferraz.html

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    1. O ideal é sempre tirar suas próprias conclusões. O livro, em geral, é bom. Só termina corrido demais e deixa uns buracos aqui e ali. Grato pela visita, volte sempre.

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  3. Acho que eu não conhecia esse livro. Achei bem interessante a história ser contada através do ponto de vista do psicopata e fiquei realmente curiosa para saber o que acontece no final. É uma pena que o autor tenha se atrapalhado ai, mas mesmo assim me parece ser um livro que deve ser lido.

    Até mais,
    http://www.pitadadecultura.com/

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