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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A Torinói Ló [O Cavalo de Turim] - Béla Tarr, Ágnes Hranitzky (2011)


Em 1889, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche presenciara, em sua viagem à Turim, um camponês chicoteando seu cavalo. Então ele saiu do seu veículo e se atirou ao pescoço do cavalo, aos prantos, para protegê-lo. Um mês depois ele foi diagnosticado com uma séria doença mental e passou os últimos onze anos de sua vida numa cama de hospital, em silêncio. O que ninguém sabe é o que aconteceu com o cavalo. Essa é a história do cavalo de Turim, a história fictícia do cavalo protegido por Nietzsche.


O fazendeiro Ohlsdorfer (János Derzsi) e sua filha (Erika Bók) vivem com o que têm. Alimentam-se uma vez por dia, com uma batata - que eles nunca chegam a comer até o fim -, bebem a água do poço e ganham dinheiro com seu fiel cavalo. O cavalo, por sua vez, anda agindo estranho. Não quer andar, o que frustra Ohlsdorfer e o faz querer chicoteá-lo, até sua filha proteger o animal. Ele não come mais, não bebe mais água, está morrendo, e a família deve encarar esse  fato.

Ele gosta de um pouco de sal em suas batatas, ela prefere sem.
A história, co-escrita por Béla Tarr (que dizia querer ter sido um filósofo, sendo o cinema apenas um hobbie, no entanto ele acabou se tornando um dos maiores nomes contemporâneos dessa arte) e seu amigo, o romancista húngaro Laszlo Krasznahorkai (que escreveu vários dos livros que Béla Tarr adaptou para filme) acompanha essa família por alguns dias, a rotina - a filha acorda, pega água, veste o pai, limpa o estábulo, prepara as batatas, come e vai dormir -, as dificuldades e o tédio em conjunto da angústia causada pela morte iminente da única fonte de renda da família.


Assistir O Cavalo de Turim é como assistir a um quadro em movimento. Os cortes são longuíssimos - apenas 30, durante 2h e 26min de filme - e a câmera se move apenas quando necessário, o que realmente insere o espectador nas cenas, fazendo que este sinta tudo que o diretor quer passar. O que o diretor quer passar, por outro lado, já não é tão claro.


Muito pouco acontece durante o filme. Ele faz questão de separar cada dia, conforme o tempo passa, mas os dias são extremamente parecidos e quase exaustivos, mas essa é a intenção, essa é a vida. O diretor, Béla Tarr - que anunciou que O Cavalo de Turim seria seu último filme -, disse que a obra trata do peso da existência humana, e é isso que o filme realmente passa - peso. Não é uma obra fácil, exige paciência e vontade, mas a beleza das imagens compensa. Por mais repetitivas que as cenas fossem, era tudo tão bem filmado e cuidadosamente fotografado, que eu não conseguia desviar a atenção da tela, e é justamente essa a primeira obrigação de um filme - prender o espectador. Se entretém ou não, isso é outra história.


Béla Tarr vai encher sua cabeça de perguntas, mas, obviamente, não responderá nenhuma delas. Nem mesmo deixará claro se de fato ele está perguntando alguma coisa. Em meio ao tédio do dia-a-dia, a família recebe duas visitas. Uma de o que parece ser um amigo, Bernhard (Mihály Kormos), que representa uma expressão nietzscheniana da vida durante seu breve monólogo sentado à mesa de Ohlsdorfer. A outra visita é a de um bando de ciganos, que invadem a propriedade e tentam usar a terra e a água, mas são logo expulsos. Ao partir, desferindo insultos à família, eles entregam à filha um livro, que Tarr descreve como uma anti-Bíblia, do qual ela lê uma passagem durante a noite. Pode  significar que a família está sendo julgada por Deus por seus pecados; pode significar que a família representa toda a humanidade; pode significar uma série de coisas que nunca ficam claras e talvez nem possam ficar, pois iria contra todo o sentido do filme.


O último ato, então, é como uma peça existencial de Samuel Beckett. O poço da família seca, sem qualquer explicação, o fogo não acende, e os dois sentam à mesa, cada qual com sua batata agora crua. Então o pai exige que a filha coma, porque isso é o mais importante, comer (embora filmes nunca deem atenção à alimentação).


Dessa vez falei mais do enredo do que me é de costume, mas só o fiz por achar essencial para minha análise e por ter certeza de que não influenciará negativamente a impressão de quem, depois de ler essa resenha, decidir assisti-lo. Não é, eu repito, um filme fácil. É extremamente cansativo e, talvez, o mais difícil da filmografia desse diretor (que ficou famoso por ter filmado Satantango, um filme de 7 horas de duração, que um dia, quando eu tiver muito tempo livre, assistirei e resenharei, mas antes quero ler o livro o qual ele adapta), mas o esforço vale a pena. Nem tudo deve entreter, mas nem tudo que não entretém é forçosamente chato, existe uma diferença sutil aqui. E O Cavalo de Turim não é, em momento algum, chato ou vazio, pelo contrário. É uma obra complexa, mas, ao mesmo tempo, uma das mais interessantes do cinema contemporâneo.

Nota: 5/5


2 comentários:

  1. A história é criativa e bem emocionante, mas não creio que é um filme que eu, com toda a paciência, assistiria.

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    1. Requer paciência. Confesso que pequei e assisti o filme em dois dias, metade em um e a outra no dia seguinte. Mas é um espetáculo visual, mesmo que o primeiro diálogo só aconteça depois de 15 minutos de filme e seja composto só de duas palavras, e o segundo diálogo só apareça quase 20 minutos depois disso. Insisto que vale a tentativa, principalmente você que gosta de Nietzsche, o monólogo do visitante é sensacional e todo o simbolismo durante a obra vai fazer sua cabeça doer.

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