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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pierrot, Le Fou [O Demônio das Onze Horas] - Jean-Luc Godard (1965)



Mais um filme do Godard por essas terras e, principalmente, mais um filme do Godard com a Anna Karina no papel principal. Não existe outra atriz tão bonita quanto ela. Talvez até algumas se aproximem (Brigitte Bardot, Sophia Loren, Marylin Monroe, Audrey Hepburn, a lista só cresce), mas superar, isso eu não creio que seja possível. Mas é melhor que eu pule logo para o enredo antes que eu me perca de vez nessa resenha.

Como o Godard espera que eu preste atenção em qualquer outro aspecto do filme...?
A história de Pierrot, Le Fou (Pierrot, o Louco, só que os hábeis tradutores tupiniquins opinaram por "O Demônio das Onze Horas", muito embora não tenha nenhum demônio no filme, nem nada aconteça às onze horas, talvez assim eles pensem que deixa mais misterioso, não sei, mas é melhor que "Demônios da Garoa"), envolve a relação de Ferdinand (Jean-Paul Belmondo, que pode até ser uma lenda do cinema francês, mas quando ele divide a tela com Anna Karina, eu não estou nem aí) e Marianne Renoir (Anna Karina, naquela época, um sinal de que algo divino pode comandar nosso universo). Marianne insiste em chamar Ferdinand de Pierrot, mesmo que ele reprove o apelido; isso pode ser em referência ao palhaço trágico e traído do mesmo nome ou do primeiro grande criminoso procurado da França, Pierre - apelidado de Pierrot - talvez os dois.

Hmm...
Esses dois estão cansados da vida burguesa comum, e isso fica bem exposto na cena da festa, cercada de gente superficial e frases literalmente retiradas de comerciais de televisão. Então eles decidem fugir, deixando um rastro de roubos e assassinatos no caminho; gerando inimizades e problemas. Além de terem que viver uma vida de crimes, a relação entre Ferdinand e Marianne também vai esfriando, ele envolvido em um mundo de intelectualidade, em busca de escrever um romance perfeito que nunca realmente sai do lugar, e ela querendo vivenciar o mundo e se divertir em liberdade.

Aaaah, minha pele está queimando com esse olhar, mas é bom.
Se tem uma coisa que Godard sabe filmar, além de cenas desconexas e filosóficas que deixam o espectador perturbado, é um casal em declínio. Esse foi o primeiro (e se eu não me engano último) longa metragem que ele fez com a ex-esposa depois do divórcio, e a pessoalidade das situações e dos diálogos escorre pelas cenas. É como se ele filmasse afim de descobrir suas próprias emoções, desde o início aventureiro e fascinante, até o tédio da repetição, enfim o adultério e a tragédia.

Sim, quase todas as fotos que eu tirei foram dela, mas eu lá tenho culpa? Estranho seria se não fosse.
Mas não é só do casal que vive Pierrot, le Fou, pelo contrário, são tantas pequenas coisas que seria possível desenvolver um texto imenso analisando cada aspecto, se eu tivesse a competência para tal. A verdade é que é impossível captar todos os detalhes assistindo só uma vez, é um filme que pede por novas visitas, desafiando o espectador a encontrar coisas novas.

O mais interessante talvez seja a forma que Godard brinca com os estilos e gêneros do cinema. Fazendo o que seria um simples filme "casal de criminosos em fuga", ele faz observações sobre a arte (literatura, cinema, música, pintura, cada uma dessas recebe sua citação), filosofa, faz poesia, faz musical, faz sátira, faz crítica a política americana e a guerra do Vietnã, faz humor, faz romance e faz tragédia, até o uso da cor é genial. Tudo ao mesmo tempo e no ritmo de um atropelamento - reza a lenda que esse filme não tinha script, foi acontecendo conforme Godard inventava, porém Anna Karina reafirmou que, mesmo sem script, ele foi extremamente perfeccionista e organizado, eu digo que faz todo o sentido.

Ok, uma pausa. Mas ela ainda está lá no fundo.
Isso me leva a outro fator, a direção. Os dois atores fazem um trabalho espetacular, mas alguma coisa na Anna Karina (e eu juro que isso não é só minha tara falando mais alto) que rouba toda a cena. Outra lenda reza que a tensão entre Godard e Karina era tão forte que os dois se agrediam verbalmente no set - não só nesse filme, mas em outros também -, ainda assim ele conseguia arrancar uma performance perfeita dela e ela mesma era consciente disso - seus melhores anos como atriz foram sob a direção de Godard. Aqui ela atua com os olhos (com os belos olhos azuis que ela tem), cada movimento tem um significado emocional, cada expressão é perfeitamente precisa com o tom da cena. Ela conseguiu, em Pierrot, le Fou, realizar a performance perfeita.

Agora que eu parei pra pensar, ninguém vai ler essa resenha.
Pierrot, le Fou é bem conhecido como o mais apreciado dos trabalhos de Godard, assim como marca uma espécie de transição de fases em sua obra. Aproximando-se do final do filme, a impressão que você, meu leitor, terá depende apenas da sua tolerância para insanidade - eu achei perfeito. Talvez não seja o ideal para uma pessoa que não conhece o diretor sair experimentando, mas para os que já sabem com quem estão lidando, é obrigatório.

Nota: 5/5




2 comentários:

  1. Acho que esse foi o filme menos insano que você já resenhou, será que ficou cego pela beleza da Anna Karina??

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    1. Quem não ficaria cego, me diz? Ainda assim, não é o menos insano. Eu resenhei "Os Vingadores" e "Mercenários", nos primórdios dessa bagunça.

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