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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ainda Defendendo a Literatura Como Arte (Best Seller x Alta Literatura)

Não faz muito tempo, escrevi um texto relativamente longo, em comparação com minhas outras tentativas de crônicas/artigos/ensaios, falando sobre o manifesto Silvestre em defesa do best seller comercial, criticando as posições dos autores que o representam, ao mesmo tempo em que defendendo, não a literatura pedante e pretensiosa, mas a literatura como arte, provinda puramente da vontade, do desejo profundo e incontrolável de escrever, de seu criador. Bom, talvez eu não tenha feito uma pesquisa extensa o suficiente para meu texto anterior, talvez coisas novas tenham vindo à tona, acontece que eu estou sendo consumido pela necessidade de falar mais sobre o tema, tentando de todas as maneiras não me repetir e adicionar as tais novas informações. Já aviso, no entanto, que minha opinião se mantém firme, na verdade, só fiquei ainda mais contrário às colocações de determinados autores.

E esse adendo começa com um vídeo. Nada muito longo, apenas uma entrevista que o programa "Entrelinhas" fez com os autores representantes do Manifesto Silvestre, em 2010 ("novas" informações que vieram à tona... - não reclamem, eu não sou jornalista, só sou metido).


E daí, Raphael? O que eu deveria entender com este vídeo? Esses autores me pareceram perfeitamente razoáveis em suas colocações, você diz. E o são, perfeitamente razoáveis. O meu problema surge no final. O entrevistador, talvez inocentemente, talvez consciente da sacanagem, aponta os escritores atuais mais respeitados e premiados no Brasil: Cristovão Tezza, Milton Hatoum e Bernardo Carvalho (autores dos quais os livros eu já comprei e logo estarei resenhando e relacionando com as coisas que eu escrevi nesses dois textos sobre a briga "comercial versus erudito"). Então ele pergunta se estes autores não se encaixariam nos pré-requisitos do Manifesto Silvestre, e Felipe Pena responde que sim, se encaixariam perfeitamente, pois o foco da escrita destes autores é o enredo, a história, o "entretenimento".

O leitor mais perspicaz já sacou a complicação, mas para você que ainda está cheio de perguntas, eu os respondo com outra pergunta: se os escritores mais premiados do Brasil escrevem para o entretenimento, então por que o manifesto diz que os críticos brasileiros excluem os escritores preocupados em entreter? Só essa resposta do Felipe Pena, de pouquíssimas palavras, já dá fim ao argumento que define a existência do manifesto. Se os escritores mais respeitados do Brasil são escritores de entretenimento, logo escrever um manifesto pedindo mais respeito aos escritores de entretenimento é absurdo. Vou ignorar o que o mesmo autor disse sobre Luiz Ruffato e João Gilberto Noll. Quanto ao primeiro, porque provavelmente foi incompreendido pelo Felipe Pena, já que a intenção de Ruffato com livros como "Eles Eram Muitos Cavalos" não era a de escrever um romance (no sentido de história longa, com personagens, enredo começo-meio-fim), mas de escrever fragmentos, pequenos pedaços de prosa que definissem um dia na grande São Paulo, que juntos se cruzariam, formando algo próximo de uma história, mas não exatamente isso. Quanto ao João Gilberto Noll, infelizmente não conheço sua obra para opinar, mas arrisco dizer que, considerando a credibilidade das colocações dos Silvestres, não deve ser nada tão complicado assim. Estranho, desde que comecei a me interessar por esse assunto, ando ouvindo sobre livros extremamente complexos, que obrigam o leitor a ter um pós-doutorado em teoria literária somente para entender a primeira página, sendo escritos em massa nos dias de hoje, mas ainda não cruzei sequer com um. Nem poderiam argumentar que eu já passei por vários, mas fui capaz de compreendê-los por entender de teoria literária, pois sou bacharel em Comércio Exterior, todo meu conhecimento literário vem da leitura e da prática da escrita, ou seja, se eu entendo um livro, qualquer um que não seja preguiçoso também tem meios de entendê-lo. Tampouco tocarei na questão de que os próprios motivos de ser do Manifesto Silvestre mais parece rebeldia sem causa. Querem que os críticos os elogiem, mas compreendem que o papel do crítico já não é relevante em nossa sociedade. Pedem espaço, mas são best sellers. Concluo que querem aparecer e vender um pouquinho mais, pelo menos mais uma tiragem completa.

Tendo dito isso, uma coisa é fato no discurso dos Silvestres. André Vianco, Luis Eduardo Matta, entre outros, embora sejam os mais vendidos, nunca estiveram entre os finalistas para um prêmio como o "São Paulo de Literatura", ou o "Machado de Assis", ou o "Jabuti". Mas por que isso? O que separa um Felipe Pena de um Bernardo Carvalho? Antes de responder essa pergunta, cuja resposta apenas remete ao meu texto anterior, que foca sobre o valor artístico de um livro, quero tocar em outro assunto que me surgiu recentemente - este sendo realmente recente. 

Talvez vocês tenham ouvido falar das colocações do Raphael Draccon sobre Rubem Fonseca, certo? Se não, aqui vai um resumo (e vocês podem procurar no google sobre essa notícia, muito fácil de achar, pra verificar se o que eu vou escrever procede): Raphael Draccon disse que autores reclusos, como Rubem Fonseca, não teriam chances de publicar no mercado atual, que exige participação ativa do autor em seu próprio marketing. Essa colocação foi reprovada, de início, mas ele já se retratou, demonstrando admiração pelo Rubem Fonseca, mas mantendo a opinião contrária a reclusão do escritor, pelo menos quando este faz fantasia. Além disso, ele também disse fazer uma pesquisa sobre a vida pessoal (ou pelo menos a vida "da internet") dos escritores que o enviam originais - ele é editor do selo Fantasy, da Casa da Palavra, que pertence à Leya. Ele disse que, se vê críticas a outros autores nessa vida eletrônica do candidato, já o descarta, prezando pelo companheirismo no meio literário. Disse, também, que um autor atual precisa de carisma, uma história de vida tão interessante quanto a sua ficção, precisa estar nos lugares e dar atenção aos fãs - aparecer, na falta de uma palavra melhor. 

E eu não sei por onde começar minha análise dessa colocação. Acho que seria bom iniciar dizendo que eu não tenho qualquer intenção em ser publicado pela Fantasy - nada contra a editora, só não escrevo fantasia -, sendo assim, não estou sacrificando nenhuma chance no mercado editorial, afinal, aparentemente, não é aconselhável que um autor tenha opiniões, muito menos as expresse em veículo público. Quer dizer, não defendo essa gente que fica falando mal de autores só porque é divertido falar mal, estou falando das críticas reais e merecidas, seja quanto à obra de um autor ou suas colocações pessoais - caso desse texto.

O que o Raphael Draccon exige de seus autores é uma propensão à vida de celebridade - até o ponto em que é permitido para um escritor atingir status de celebridade, pelo menos -, aparecendo em eventos, dando autógrafos e entrevistas, coisa que nem todo mundo gosta. E eu pergunto, será que esse estilo de vida é necessário mesmo para sobreviver no mercado editorial hoje em dia? E se for, será que isso é algo bom e que deveria ser defendido (como está sendo, em determinados meios)?  Lembro-me dos tempos em que um artista importava pela sua arte, não pelo brilho do seu sorriso, mas hoje entendo que seja utópico. Ler é um passatempo rústico, apesar de tudo; demanda esforço de seu usuário, até mesmo os livros mais simples, afinal não existem imagens, nem cenários, nem sons em um livro, somente palavras e o resto é imaginação. Logo, surgindo outras formas de passatempo que já ofereçam todos esses atalhos, por que se manter com o antiquado, não? Não, isso está errado, mas a maior parte das pessoas pensa assim, então é compreensível que se exija, nos dias de hoje, todo esse esforço de um autor. Mas, e sempre existe um mas, não quer dizer que isso seja certo. É possível culpar um artista por querer apenas que sua arte atinja às pessoas e não sua imagem? Veja Thomas Pynchon, um dos mais aclamados escritores vivos dos EUA, nunca fez uma aparição pública. Tão recluso, mas tão recluso, que existem dúvidas sobre sua real existência. Ainda assim, vende. Poder-se-ia argumentar que a reclusão foi a maior ferramenta de marketing do Pynchon, já que parte de seus admiradores surgiram por curiosidade de saber quem era o tal cara que ninguém nunca vira. Inúmeros autores bons não gostam de aparecer. Ser escritor, por si só, já é uma profissão solitária, sempre foi. Ainda assim, eu entendo que estes escritores são de outras gerações, e que, hoje, não é assim que a banda toca. Eu entendo, não gosto, mas entendo. Com esse parágrafo, só quis expressar minha reprovação quanto a essa nova ideia.

Isso, apesar de tudo, não é importante, assim como a colocação sobre a "publificabilidade" do Rubem Fonseca também não é importante - afinal, se ele fosse autor novo e não fosse publicado, a perda seria toda nossa.  O problema eu vi mesmo foi na repercussão. Posts de blogs explicando o motivo da afirmação do Draccon estar certa, dizendo que o público não procura mais o artista e sim o contrário. Uma geração que tem Google, não se dispõe a procurar um artista. E isso é defendido pela nossa cultura, como se fosse uma consequência da velocidade da geração y. Se existe uma geração que não tem desculpas para sua vasta ignorância, esta é a nossa. Nós temos tudo a uma palavra-chave de distância, tanto as informações certas quanto as erradas, ainda assim, não procuramos os artistas. Melhor eu cortar a primeira pessoa do plural dessa frase, pois eu ainda os procuro, já que não me contento com os que vivem se esfregando na minha cara e me entregando numa bandeja suas informações já mastigadas. Mas, repito, eu entendo essa atitude dos meus contemporâneos. É burrice, mas eu entendo, juro.

Mas isso não é tudo, pelo contrário, é só o começo. Digamos que o comentário sobre a reclusão, por mais triste que seja, é a realidade inescapável; um sinal de ignorância, independentemente, contudo vivemos uma época de glorificação do ignorante como nenhuma outra, então faz sentido. A segunda parte do que o Sr. Draccon disse, e esta não foi retificada, é a que mais me incomoda - e aqui eu insisto em falar apenas por mim, mas já vi outras pessoas com opinião similar, só não gosto de falar por grupos, isso é sinal de autoritarismo. A parte em que ele diz que policia a vida pessoal dos autores que lhe enviam originais para avaliação. E se esse autor disse algo de negativo quanto a ele ou qualquer outro autor nacional? Ele não poderia estar certo? Um escritor brasileiro não pode ser ruim ou fazer uma obra ruim? Aparentemente não, já que o Manifesto Silvestre quer que os críticos saiam aplaudindo qualquer coisa, desde que venda bem. 

Vender, esse é o combustível desses autores, aparentemente. Se vende, é porque é bom, não é? Paulo Coelho vende até não poder mais, Madonna também vende, Michael Bay também explode bilheterias, é isso que vale, não é? Estou exausto só de pensar nisso tudo, no quanto de errado tem nessas afirmações e o quanto tudo isso que eu estou escrevendo é óbvio. Óbvio que seja, parece difícil de compreender. Algumas pessoas não entendem de forma alguma. O mais estranho é que isso só é levado a sério na literatura. Se fosse um Michel Teló pedindo respeito ao sertanejo universitário, dizendo que ele é um artista como qualquer outro e merece o apoio da crítica, todos estariam rindo agora. Se fosse o Uwe Boll...bem, este já convidou seus críticos para lutas de boxe, então não conta. Só digo que, no cinema e na música, existe uma noção do que é bom e o que é ruim. Adam Sandler continua enchendo o rabo de dinheiro, mas as pessoas parecem entender que filmes como "Gente Grande" não são grande arte. Michael Bay, Uwe Boll, Adam Sandler e as pessoas responsáveis por "Todo Mundo Em Pânico" nunca escreveram um manifesto em defesa do filme como entretenimento, criticando os experimentalismos vazios de gente como Jim Jarmusch, Leos Carax e Wong Kar-Wai, elitistas herméticos, desprezados pelo grande público, mas amados pela crítica pedante. Nunca o fizeram, mas eu admito que seria engraçado. 

Mesmo sendo a mesma coisa, ninguém enxerga isso na literatura. Existe essa falácia de que, se é livro, é cultura, então é bom. Ideia bem ridícula se for parar para pensar. Ler não deixa ninguém mais inteligente, se a obra sendo lida é, essencialmente, burra. É como passar a vida assistindo filmes de Hollywood, ninguém vira cinéfilo desse jeito. É masturbação, nada mais que isso. Gente querendo ser entretida por tudo e por todos, sempre. Se para por um segundo, não tem graça. É isso que esses comentários alimentam em nossa cultura. Que é certo só ver a arte como entretenimento e qualquer um que diga o contrário é elitista pretensioso. Mas isso não é nada saudável, acaba com a variedade, torna a arte uma indústria. Isso não é uma crítica contra a escrita comercial e acessível, que fique claro. Esse texto não é, o texto anterior a esse não o foi. É uma crítica contra a atitude "padronizadora" e cheia de regras dos escritores comerciais, que agora querem até controlar opiniões. Não muito tempo atrás eu acreditava que, entre as indústrias da arte, a única que ainda se mantinha aberta e não tão controladora era a literária, mantendo o lançamento de obras provocativas e até estranhas para os padrões comerciais, com determinado sucesso. Só que agora, esses caras decidiram o que vende e o que não vende, decidiram qual deve ser a postura pública de um autor, enfim, o escritor finalmente se tornou um cantor pop, que vale mais pela imagem do que pelo trabalho.

Vejam bem - até porque essa reclamação já está longa e é bom que eu dê um sinal de que estou terminando -, não tenho nada contra o Raphael Draccon, o Luis Eduardo Matta, nem qualquer um dos outros "comerciais", "Silvestres", sejam eles quem forem; nunca os li, para ser bem honesto, talvez tenham qualidade e sejam malvistos pela crítica por causas injustas, não sei, embora tenha vontade de lê-los para resolver logo essa questão para comigo mesmo. Meu problema não é nem pessoal, pois não os conheço. Meu problema é com as coisas que eles dizem que mais parecem aquelas velhas citações do Paulo Coelho que aparecem de vez em quando ("Hermann Hesse é ilegível", "Disseca Ulisses e não dá um twitte"...), vontade de vender por meio da polêmica. Técnica baixa, mas que funciona e, como o objetivo dos caras é vender - e nada além disso -, não dá pra criticar. Agora não acreditem nas tais injustiças e no pedantismo dos críticos. Eu até acreditava, mas hoje vejo que faltam os números comprovando as acusações. Acontece que nem todo o livro é cultura e nem tudo que vende é bom. Livros comerciais podem divertir, podem servir de porta de entrada para obras mais profundas, mas não obrigatoriamente. Essa é a graça da coisa, da arte num geral, não existem padrões, nem limites, e sempre que alguém tenta impor pequenas regras e métodos, esse alguém costuma estar errado.

Obs.: Sim, eu interrompi as resenhas de álbuns por isso, mas não se desesperem, amanhã retorno com a programação normal.

5 comentários:

  1. Esse post ficou realmente muito bom! Sei que já falei, porém, merece um comentário aqui. Parabéns!

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  2. Nunca li nenhum livro desses escritores, então vou esperar sua resenha pra ver o que achou.

    Muita gente precisa disso hoje em dia, polêmica pra vender e na maioria das vezes dá certo.
    Muitos livros são colocados no topo da lista dos mais vendidos nas livrarias e editoras de propósito, mesmo que eles não tenham sido, pois isso chama a atenção dos leitores e pronto, o livro se torna mesmo o mais vendido.
    Sobre isso de dar autógrafos e aparecer em eventos, juro que se meu livro fosse publicado e as pessoas começassem a gostar, eu iria em todos os eventos que me pedissem e ficaria sentada naquelas mesas dando autógrafo até o último leitor ir embora e eu iria fazer isso sentido a maior alegria e prazer do mundo. Igual o Ziraldo sempre faz na Bienal do livro, tão velhinho e fica lá sentado autografando e tirando fotos até escurecer, ele não vai embora até ter falado com a última pessoa da fila. Ele é um fofo! kkkk

    Como já disse no texto de antes, não ligo pra essas coisas de escrever pra vender, acho que nessa onda muita coisa é válida, mesmo que muita coisa não seja. Dá falar coisas boas e coisas ruins, um pouquinho de cada. :)

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    1. Logo terão resenhas desses caras, já comecei a ler um dos livros.

      Mas é uma bobagem essa história toda. Se for pra criar polêmica, ao menos seja coerente, não implore pela atenção.
      Cada um é cada um quanto a questão da exposição. Eu entendo perfeitamente que alguém possa não gostar disso e só queira ser lido, sabe? Tornar isso uma obrigação me parece meio estranho, considerando que aparições públicas não melhoram nem pioram a escrita de ninguém.

      Também não ligo pra número de vendas, acho estranho livros que são moldados pra vender, mas, se o trabalho é bom, até passa.

      Mas de tudo isso, o que motivou a existência desse outro texto foi o policiamento da vida pessoal dos aspirantes a autores. Se não fosse isso, não teria escrito nada.

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  3. Foi curioso como as ideias do tal manifesto se disseminaram encontrando pouquíssima resistência. Também escrevi um texto sobre o assunto: http://antenasdemarfim.blogspot.com.br/2012/10/de-todorov-manifesto-silvestre-e.html

    Se interessá-lo, leia e trocamos algumas figurinhas. Abraço e parabéns pelo texto!

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