Sempre que eu faço uma resenha, antes de pular sobre o enredo, gosto de inventar uma breve introdução, contando uma história pessoal ou iniciando um assunto relacionado, mas não diretamente ligado à obra resenhada. Bom, nesse caso eu gostaria de iniciar uma discussão que eu possivelmente tratarei em um post individual no futuro, que é sobre as adaptações de livros para o cinema. Por algum motivo, isso é tido como moda atual de Hollywood, mas isso não é um fato e a maior parte das pessoas que gostam das duas formas de arte sabem muito bem disso. Esse tipo de adaptação são, na verdade, mais comuns do que se pensa e não se restringem a Hollywood, passando muitas vezes por escolas artísticas de cinema, como a Nouvelle Vague e, no caso de hoje, a surrealista. Acontece que os livros adaptados por esses diretores nem sempre são sucessos de venda e, por causa de todo o clamor da crítica, acabam mais conhecidos que o original. Belle de Jour é um caso, Bande à Part é outro, Laranja Mecânica (tá, o livro é bem conhecido, mas o filme se tornou muito maior), 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Desprezo, Poderoso Chefão (mesmo caso de Laranja Mecânica), O Conformista, entre outros. E daí? Pois é, acho que eu preciso mesmo fazer um texto só sobre isso, porque esse parágrafo se estendeu demais e eu não cheguei a conclusão nenhuma. Mas acho que deu pra entender o ponto geral, certo? Adaptações não são coisa nova e podem muito bem se tornar maiores (note que em nenhum momento eu disse "melhores") que suas origens.
Séverine Serizy (interpretada pela bela Catherine Deneuve) é uma jovem mulher casada da burguesia francesa (burguesia é um tema recorrente na obra do Buñuel). Por ter sido abusada quando criança, ela não consegue ter qualquer intimidade física com seu marido, o sempre respeitoso e paciente, Pierre (Jean Sorrel). Um dia, sua amiga e esposa do melhor amigo de Pierre, menciona sobre uma amiga em comum das duas que trabalha como prostituta. Isso incita a curiosidade de Séverine, e Henri Husson (Michel Picolli), marido da amiga fofoqueira, diz o endereço do puteiro a Séverine. Ela conversa com a cafetina, Madame Anais (Geneviève Page), adota o nome de Belle de Jour e passa a trabalhar meio período como puta. Antes esse roteiro fosse tão simples assim...
Como eu falei em minha resenha de Anjo Exterminador, Buñuel é um cineasta do surrealismo, portanto esse não é um filme para ser visto uma vez e dado por entendido. Posso até dizer que esse filme nem foi feito para ser completamente entendido, isso nem deve ser possível, pois não é intenção do diretor. Acontece o seguinte, durante todo o filme, pequenas interrupções aparecem durante o filme, geralmente - mas nem sempre - apontadas pelo uso de sinos, sendo estas sonhos ou apenas parte da imaginação de Séverine. Aí é que fica complicado. Se você buscar na internet, existem milhares de teorias tentando explicar o que é sonho e o que é real no roteiro, buscando dar um sentido linear a história, só que parte da mágica está nessa ausência de sentido e ampla possibilidade de interpretação - por isso Buñuel é um gênio!
A direção é muito interessante, embora a fotografia seja dita como ruim por alguns. Eu discordo, acho que o tom meio escuro é intencional, considerando a personalidade da protagonista, mas vai saber! Não é tão importante. A total ausência de música também é um belo toque, principalmente porque eu nem percebi esse detalhe até a metade do filme. A história em si é fascinante e deixa o espectador intrigado, tentando reunir as pequenas peças do quebra-cabeça e juntar tudo de forma coerente, eu gosto de filmes assim, que permitem uma abertura para a interpretação de quem assiste. Agora eu fiquei curioso para ler o livro do Joseph Kessel, que gerou tudo isso. Não acho que a adaptação tenha sido fiel e sim que Buñuel tenha pego a premissa e feito algo diferente sobre ela, com o toque pessoal dele. Eu aprovo e indico para todos que leram a resenha e ficaram curiosos, pois também é uma boa obra de introdução a esse diretor.
Nota: 5/5
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