Que dificuldade está sendo pra escrever essa resenha. Faz meses que eu assisti esse filme, nem lembro mais quando foi. Quase escrevi o post imediatamente depois, mas já me arrependi de ter feito isso antes, então dei um tempo pra digerir o conteúdo antes de transformar minhas impressões em palavras, agora as palavras não querem vir. Não é pela complexidade do filme, mas pela importância dele.
12 Anos de Escravidão conta a história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor em seu primeiro papel de relevância), homem livre do norte (Nova York) dos EUA antes da guerra-civil. Solomon é filho de pai liberto, então nunca viveu a escravatura, embora a visse de perto. Tinha uma família, um emprego, apesar da sociedade ainda não estar exatamente ajustada a ideia de igualdade racial (se não está até hoje, imagine naqueles dias). Um dia Solomon recebe uma oferta para ser músico em um circo, eles ganham a confiança dele, até que - em Washington -, eles o sequestram e o enviam para o sul, onde a escravidão ainda existia. Eles o torturam até que ele fique quieto e encare que vai ser vendido como escravo para um fazendeiro. Assim ele segue pelos próximos doze anos, como escravo, mesmo, legalmente, sendo um homem livre.
Quando vi o cartaz desse filme pela primeira vez, isso antes da estreia, pensei que seria mais uma isca pra Oscar. Tinha todas as características básicas: baseado em livro, história real, escravidão. Se a minha experiência servia de qualquer coisa, seria mais um filme redundante, explorador do emocional do público, no qual o homem branco aprende dos males da escravatura e encontra a redenção. Errei, ainda bem que eu errei, muito obrigado Steve McQueen.
Um pouco sobre o diretor. Steve McQueen é um cineasta ainda relativamente jovem, pelo menos na indústria. Fez diversos curtas e 12 Anos é seu terceiro longa-metragem, sendo que seus predecessores foram muito bem recebidos pela crítica, apesar de ninguém ter reparado neles. Hunger (Fome) tendo sido sobre os membros do IRA, presos políticos, que entraram em greve de fome em 1981 - que eu não vi. Depois Shame (Vergonha), sobre um cara de trinta e poucos anos viciado em sexo - vi, achei medíocre, mas bem filmado. 12 Anos é o filme que serviu para por a prova todos os talentos desse diretor, cujo o futuro muito me interessa. Não é só um filme muito bem feito, mas uma adaptação de grande importância de uma autobiografia esquecida pela história, que agora está ganhando mais atenção e traduções para o mundo inteiro.
Pra começar, o que torna 12 Anos diferente de todos os outros filmes sobre escravidão, é que a história é contada pela perspectiva de um negro. Pois é, né? Quem diria que só agora surgiu um desses. Que não precisa manipular o espectador, apenas mostra a realidade da forma mais crua possível. Não se meta a ver esse filme esperando um filme leve, os momentos de maior violência, por mais que não sejam tão explícitos quanto poderiam ser, são ainda muito densos. Os escravos são tratados como máquinas feitas de carne - acho difícil comparar a animais, quando nenhum animal é estuprado ou chicoteado nesse filme. Fica pior quando o espectador lembra que tudo isso que é mostrado não é ficção, é história, existiu um Solomon Northup, e dezenas de homens, mulheres e crianças que se viram na mesma situação, mas não tinham toda a eloquência de Solomon para conseguir fugir. A obra é tão fiel à história, que vai ser obrigatória nas escolas dos EUA, estão entendendo do que eu estava falando quando usei a palavra importante logo no começo da resenha, não foi à toa.
Vamos falar das atuações por um instante. Não tem muito o que falar quando tudo é impecável. As interações entre Solomon e Patsey (Lupita Nyong'o, um Oscar bem merecido) são os pontos mais emocionais do enredo. O fato de que ele não pode ajudá-la, mesmo depois dele receber sua liberdade de volta (não é spoiler se aconteceu em 1853, largue de frescura) é quase desesperador, e a Lupita sabe demonstrar sofrimento - as cenas dela são as mais difíceis de assistir e as mais impressionantes também.
Por mais perfeito que tudo seja, sou obrigado a questionar as intenções de Brad Pitt. Ele foi um dos produtores do filme, caso vocês não saibam. Com base nessa informação, adivinhem quem foi o branco que salvou o dia? Brad Pitt. Isso não é uma crítica ao branco salvar o dia, foi o que aconteceu, Samuel Bass, o carpinteiro canadense, enviou várias cartas para que os amigos de Northup o salvassem, então não tem muito o que se discutir aí. Mas é um papel meio pequeno para o Brad Pitt (apesar do cartaz italiano para o filme ser composto em 80% da cabeça dele...). Seria ego? Não importa, não é como se ele tivesse estragado o papel, foram cinco minutos bem atuados. Não tem ninguém ruim no elenco, nem os figurantes.
Vou correr o risco de exagerar aqui e dizer logo de uma vez que acho que esse é o melhor e mais relevante filme feito sobre a escravidão nos EUA. Merecedor de todos os prêmios e elogios que recebeu, talvez mais. Eu daria o Oscar de melhor diretor para McQueen ao invés de Cuarón. Se você não viu ainda, veja, vale cada minuto. Pretendo ler o livro agora (agora = um dia desses).
Nota: 5/5
A cena mais agonizante, bem filmada, do filme. Longa, mas provavelmente não tanto quanto parece ser. Basicamente um quadro capaz de resumir o filme todo. |
Pra começar, o que torna 12 Anos diferente de todos os outros filmes sobre escravidão, é que a história é contada pela perspectiva de um negro. Pois é, né? Quem diria que só agora surgiu um desses. Que não precisa manipular o espectador, apenas mostra a realidade da forma mais crua possível. Não se meta a ver esse filme esperando um filme leve, os momentos de maior violência, por mais que não sejam tão explícitos quanto poderiam ser, são ainda muito densos. Os escravos são tratados como máquinas feitas de carne - acho difícil comparar a animais, quando nenhum animal é estuprado ou chicoteado nesse filme. Fica pior quando o espectador lembra que tudo isso que é mostrado não é ficção, é história, existiu um Solomon Northup, e dezenas de homens, mulheres e crianças que se viram na mesma situação, mas não tinham toda a eloquência de Solomon para conseguir fugir. A obra é tão fiel à história, que vai ser obrigatória nas escolas dos EUA, estão entendendo do que eu estava falando quando usei a palavra importante logo no começo da resenha, não foi à toa.
Vamos falar das atuações por um instante. Não tem muito o que falar quando tudo é impecável. As interações entre Solomon e Patsey (Lupita Nyong'o, um Oscar bem merecido) são os pontos mais emocionais do enredo. O fato de que ele não pode ajudá-la, mesmo depois dele receber sua liberdade de volta (não é spoiler se aconteceu em 1853, largue de frescura) é quase desesperador, e a Lupita sabe demonstrar sofrimento - as cenas dela são as mais difíceis de assistir e as mais impressionantes também.
Por mais perfeito que tudo seja, sou obrigado a questionar as intenções de Brad Pitt. Ele foi um dos produtores do filme, caso vocês não saibam. Com base nessa informação, adivinhem quem foi o branco que salvou o dia? Brad Pitt. Isso não é uma crítica ao branco salvar o dia, foi o que aconteceu, Samuel Bass, o carpinteiro canadense, enviou várias cartas para que os amigos de Northup o salvassem, então não tem muito o que se discutir aí. Mas é um papel meio pequeno para o Brad Pitt (apesar do cartaz italiano para o filme ser composto em 80% da cabeça dele...). Seria ego? Não importa, não é como se ele tivesse estragado o papel, foram cinco minutos bem atuados. Não tem ninguém ruim no elenco, nem os figurantes.
Vou correr o risco de exagerar aqui e dizer logo de uma vez que acho que esse é o melhor e mais relevante filme feito sobre a escravidão nos EUA. Merecedor de todos os prêmios e elogios que recebeu, talvez mais. Eu daria o Oscar de melhor diretor para McQueen ao invés de Cuarón. Se você não viu ainda, veja, vale cada minuto. Pretendo ler o livro agora (agora = um dia desses).
Nota: 5/5
Quando eu me interessei por 12 Anos, num primeiro momento, foi por causa de dois atores que eu já gostava e que captaram minha curiosidade pelo filme. O Fassbender (que também fez Shame, que eu não gostei tanto mesmo sendo tão elogiado), e o Cumberbatch, que é fantástico em tudo que faz (esse aí vai ganhar um Oscar logo, logo, já que virou queridinho do público). Mas quando enfim assisti, tomei um belo soco no estômago. Puta que pariu!
ResponderExcluirEu não consigo falar sobre esse filme. Perdi as contas de quantas pausas eu tive que dar enquanto assistia, porque simplesmente não conseguia ver tudo aquilo continuamente. O tempo todo eu pensava que um ser humano tinha passado por tudo aquilo, que outras pessoas eram capazes de infligir tanto sofrimento aos seus iguais. Essa sua resenha veio pra cimentar tudo aquilo que eu já vinha sentido da leitura do Conrad, e isso me causa uma sensação de impotência, por saber que, ainda hoje, tem gente por aí sofrendo pra caralho, em situações de miséria extrema. É como se a escravidão continuasse por aí, só que apenas sob uma definição diferente.
Enfim, filme sensacional e Lupita fantástica, merece tudo de bom que conseguir daqui pra frente.
Bem colocado, eu não me lembrava, mas também não vi o filme todo de uma vez. Vi em um mesmo dia, mas tive que fazer várias pausas. Queria ter visto no cinema, a experiência seria outra - no sentido de que eu não teria como parar pra respirar. Filmes bons surgem o tempo todo, mas fazia anos que eu não via um filme importante para sociedade e para a história do cinema, esse foi um.
ExcluirNem falei nada sobre o Fassbender. É difícil tratar a interpretação dele como só um personagem, sabendo que esse cara existiu e, não só isso, ele não era um psicopata, ele era o dono de escravos comum nessa época, as atitudes dele não eram consideradas fora do padrão - essa é a chave do filme, nada é exagerado, não existe nele a violência estilizada do cinema, é tudo muito denso e real para ser tratado como "só um filme". O Cumberbatch, por outro lado, era o criminoso por "tratar bem" (no sentido de não torturar muito e demonstrar algum remorso) seus escravos. Essa foi minha principal dificuldade com a resenha, tratar esse filme como uma obra de arte, sabendo que ele é história real.
Desde que estava nos cinemas só escutei elogios desse filme.
ResponderExcluirSó fui saber que era baseado em livro quando o vi na prateleira da Livraria Cultura. Também pretendo ler, algum dia.
E o filme, vou assistir. Será que já está em dvd?
Provavelmente já tem em DVD. Sugiro mesmo que assista, um dos melhores de 2013. Se não tiver DVD, a internet deve ter algumas versões em ótima qualidade.
ExcluirO pessoal do Cabine Literária falou desse livro ontem.
ResponderExcluirEu nem sabia que tinha filme.
Parece ser muito bom, mas esse tipo de filme me deixa muito chocada, eu sinto coisas muito ruins quando vejo cenas assim, de gente fazendo maldades com pessoas por causa da cor. Escravidão é um assunto que me abala muito!
Mas gostei de saber que a história se passa do ponto de vista de um negro, normalmente vemos essas histórias sendo contadas por brancos ricos, né?
Vou assistir, ainda mais depois de vc ter elogiado tanto! :)
É chocante mesmo, mas é uma experiência necessária.
ExcluirSim, sempre a história do dono de escravos que, após ano torturando seus "objetos", encontra a redenção... Grande coisa.