Atenção, esta resenha contém spoiler!!!
Num breve resumo do enredo, pode-se dizer que este livro conta a estória de uma
família que passa as férias numa casa de veraneio na Escócia, enquanto o
maior desejo de um dos filhos, o mais novo, é visitar o Farol que tem
ali perto, porém é continuamente impedido pelo mau tempo.
O livro é dividido em três partes: "A janela", "O tempo passa" e "O farol", as quais são compostas por 19, 10 e 13 capítulos, respectivamente. Os acontecimentos narrados ocorrem em dois dias distintos, separados por um intervalo de dez anos. Assim, em "A janela" vemos os acontecimentos do final de uma tarde e noite de setembro; em "O tempo passa", vemos os acontecimentos de dez anos após esse primeiro dia. Nesse período ocorre a Primeira Grande Guerra. Em "O farol" vemos o que acontece numa manhã após a Guerra.
Quanto aos personagens, temos a família do sr. e da sr. Ramsay com seus
oito filhos. Do mais velho para o mais novo: Andrew, Prue, Nancy, Cam,
Jasper, Roger, Rose e James; os convidados da família: Lily Briscoe, que
é pintora; William Bankes, que é botânico; Charles Tanslay, Minta
Doyle, Paul Rayley e Augustus Carmichael, que é poeta; e os empregados
que cuidam da casa na segunda parte: a sra. MacNab, a sra. Bast e seu
filho George.
O livro se inicia com uma fala da sra. Ramsay dizendo ao seu filho James que eles irão ao farol no dia seguinte caso o tempo esteja bom. O menino fica contente com o que ouve, mas o pai não deixa que a alegria dure muito dizendo que o tempo não estará bom, fazendo com que James o odeie.
Ao longo dos capítulos, aparecem alguns dos convidados da família. Entre eles Charles Tanslay, que é pouco estimado pelas crianças. Logo após, Lily Briscoe que faz sua primeira aparição pintando um quadro da sra. Ramsay enquanto a vê pela janela com James e aqui, a janela é figura central. Não é à toa que este é o título da primeira parte. E o capítulo é encerrado com a visão da cabeça da sra. Ramsay "Absurdamente recortada pela moldura dourada" ( ou seja, pela janela).
Agora, vou me deter mais demoradamente no capítulo cinco dessa primeira parte. Logo no primeiro parágrafo, nos deparamos com dois tipos de exposição dos fatos: o narrar e o mostrar, que se dão através do discurso direto da personagem e do discurso do narrador. Temos o pensamento da personagem e a narração direta ao mesmo tempo. Por isso é preciso muito cuidado para não se perder durante a leitura. Um pouco mais para a frente, a voz da narrativa vaga numa indeterminação, é difícil atribuir se o que está sendo dito é feito pelo narrador ou é um pensamento da personagem, além disso, vemos que um simples ponto muda todo o sentido de uma frase.
Nesse capítulo, a sra. Ramsay tricota uma meia marrom para levar de presente ao filho do faroleiro e usa James como modelo de medição. O menino, tomado de ciúmes, fica se remexendo a fim de atrapalhar o trabalho da mãe, que se irrita e é um pouco mais severa com ele. Por fim, ela consegue medir a meia e constata que ainda está muito curta.
Em "O tempo passa", parte com menor número de capítulos, apenas 10 (curioso notar que dez é justamente o número de anos compreendido nessa parte). Ao longo dos capítulos, a passagem do tempo é quase palpável, acompanhamos a decadência e abandono da casa de veraneio que é atingida pelas intempéries, mas segue resistindo com os cuidados da sra. MacNab, da sra. Bast e de seu filho George.
Nessa parte, eclode a Primeira Grande Guerra, Andrew é morto atingido pela explosão de uma granada, Prue morre por causa de uma complicação no parto e a sra. Ramsay também morre. Não há preparação prévia para dar a notícia das mortes, então somos
pegos de surpresa com elas são anunciadas [dentro de colchetes], como se
fosse só um detalhe. A implacabilidade do tempo e dos acontecimentos se faz muito marcante, mas de uma forma quase poética.
Passada a Guerra, a casa de veraneio é novamente habitada e em "O farol", finalmente se concretiza a ida ao farol, após dez anos. O sr. Ramsay leva James e Cam ao farol, os dois vão contra suas vontades, mas preferem não contrariar o pai. Paralelamente à ida ao farol, Lily Briscoe pinta seu quadro, aquele mesmo ela tinha iniciado há dez anos atrás e o termina no mesmo momento que o barco chega ao farol. Essa terceira parte é permeada pela falta que a sra. Ramsay faz, principalmente a Lily, que é a que mais evoca lembranças dos tempos passados.
O livro é genial, não tanto pela história em si, mas sim pela forma como se dá a narrativa, num fluxo de consciência no qual o estado psíquico das personagens é mais valorizado do que as ações concretas. Indico fortemente a leitura e certamente o lerei novamente.
Li este livro para a matéria de Introdução aos Estudos Literários e o professor indicou o livro da L&PM, com a tradução da Denise Bottmann, mas como está esgotado e não se encontra mais tão facilmente, ele também indicou o da Autêntica, com tradução do Tomaz Tadeu. A primeira leitura que fiz, foi do livro com a tradução da Denise e para escrever esta postagem estava com a tradução do Tomaz em mãos. Particularmente, achei a tradução da Denise mais indicada para um primeiro contato com o livro da Virginia, como foi o meu caso, mas a do Tadeu, apesar de ser um pouco mais rebuscada, também é boa.
Deixo abaixo, nas duas traduções, um trecho que eu gostei:
"(...) deviam aprender desde a infância que a vida é difícil, os fatos inflexíveis, e que a jornada até aquela terra fabulosa onde nossas mais vivas esperanças se extinguem, nossas frágeis embarcações soçobram nas trevas (...), exige, acima de tudo, coragem, verdade, e a força de resistir". -Tradução de Denise Bottmann.
"(...) deviam estar conscientes desde a infância de que a vida é difícil; os fatos, inarredáveis; e a passagem para aquela terra lendária onde nossas mais vivas esperanças se extinguem, nossos frágeis barcos afundam na escuridão (...) é uma passagem que exige, sobretudo, coragem, verdade, e força para resistir". -Tradução de Tomaz Tadeu.