Recentemente me mudei, era dia de
faxina aqui em casa. Sempre antes de começar uma faxina tenho um pequeno ritual
para fazer esse grande esforço quinzenal. Antes de começar a tirar poeira das
coisas e, passar o pano na casa; bebo uma ou três cervejas sentado olhando pro
nada, depois, começo a faxina. Sempre começo pelos meus discos. Por quê? Bem,
eu os arrumo inicialmente porque é lá que vou fazer minha trilha sonora para
começar a faxina. Enquanto eu escutav... quer dizer arrumava meus discos
encontrei no meio (entre os discos), o livro do palhaço da melancolia
Schopenhauer. Comecei a folhear. Vi as mazelas do amor e da morte. O livro
parece que estava à procura de uma companhia. O disco que tinha colocado era Axis: Bold as Love a leitura parecia ter
aquele ritmo calculado a cada virada de página. O melhor é que, o livro me
dizia coisas não tão boas sobre l’amour. Fazia minha crença cair, desacreditar
na condição sincera e afetuosa que se cria nas relações humanas, mas do outro
lado começava a escutar coisas como “é melhor você esperar até amanhã/garota o
que você está falando?” Comecei a pensar que se Dolly Mae explicasse para o
velho Schop que o amor é bem mais... embaixo ele não teria sido tão pessimista
assim. Já na litle wing o velho
deixou o seu cachorro escutando a música e saiu, ficou sem palavras. Segundo os
biógrafos de Schopenhauer ele detestava qualquer barulho que fosse, logo,
odiava música não suportava uma nota se quer. Mas, isso é porque ele nasceu na
época errada. Um bom blues com certeza iria mexer naquele coraçãozinho solitário.
Ah, se ia! O alemão tinha bom humor conseguiria sobreviver a algumas tuitadas
da vida moderna. O disco genial de Hendrix (diga-se de passagem) acaba com a
música bold as love assim, também
como acabará os dois vértices do velho Schopenhauer: com amor e morte.
"O mundo parece seguro amarrado numa coleira."
Desapego
Não parece que é. Estava bebendo num bar
qualquer de Fortaleza. Pensava nas coisas que sempre penso: morte, vida, contas,
poesia, mulher, nada, dinheiro, nada, e outras coisas sem sentido que não vale
a pena comentar. Não parece que é. Joguei bola descalço e acabei perdendo a
tampa do dedão. Não parece que é. Comecei a escrever um texto e, de repente,
parei. Joguei meu coração na rua para ser atropelado; só porque fui embora e
minha casa não me disse adeus. Como eu queria chorar agora entre estes muros
surdos. Preparei minha mala algumas roupas, objetos, livros e uns trocados. Olhei
uma ultima vez para cozinha, fechei a porta do quintal. A sala onde escrevia no
dormir das madrugadas; louco de vinho com os dedos feridos no papel. Lembrei do
quarto, do crepúsculo, dos lírios. Quantas vezes não morri dentro de um sonho.
Larguei minhas fotografias amareladas numa sacola. Joguei pela ultima vez as
cinzas do cigarro no chão. Quantas vezes eu ouvi aquela canção com a luz
apagada uma garrafa de cerveja quente, embriagando minha solidão abusiva. O meu
cachorro morto. Do outro lado da rua morava minha primeira namorada. Cintia.
Cabelo castanho chanel no seu ouvido sussurrava Camões beijava-a como um Sísifo
antes do martírio. É difícil retomar as lembranças quando não conseguimos
agarrar o âmago da infância. O mundo parece seguro amarrado numa coleira. Lembro
do meu primeiro dente de leite jogado no telhado (tradição). Lembro das
pequenas epifanias. Coração. Amor. Amor. DECEPÇÃO. Alegria, breve, mas alegria.
Caminhei sem olhar para trás. Aquela era a casa que morei durante 15 anos de
lembranças infantis, juvenis, entendam como quiser, mas o importante agora é
saber que: as únicas lembranças que contam são essas virgens lembranças. Quando
não sabia o significado de quase nada. Isso é algo que ninguém pode
fotografar, porque a memória é a única que consegue nos levar além das
lembranças. As sensações é que são mais resistentes que simples fotografias
reveladas. Uma camada de mim fica. Esse texto um dia vai ser só lembrança,
assim como minhas digitais naquela casa. Até mais minha pequena.
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