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domingo, 5 de outubro de 2014

Mar Inquieto (Shiosai) - Yukio Mishima [1954]


Ok, domingo de eleição, sou obrigado a falar qualquer coisa sobre, certo? São quase cinco horas da tarde, quem votou, votou. Uma novidade pra vocês, não importa qual candidato vocês favoreçam, os problemas de hoje continuaram sendo problemas amanhã. Nada vai mudar, seja a Dilma reeleita, seja eleito o Rui Costa Pimenta numa espécie de reviravolta do azarão. Falemos de literatura, que é algo importante para humanidade. Política no Brasil é apenas chateação. Não gostaria que nenhum dos candidatos sequer vivesse no mesmo país que eu, que dirá o governasse. Tá, com exceção do Eduardo Jorge. Com ele eu tomaria uma cerveja, fumaria um baseado e conversaria sobre os velhos tempos que não voltam mais. De qualquer forma, o melhor a se fazer é ignorar o governo brasileiro, fingir que ele não existe. Que tal a ideia? O governo é como aquele filho indesejado que, mesmo depois de velho, continua a tirar dinheiro da família, por mais que você queira ver o puto pelas costas. Fechemos nossos olhos, façamos nosso trabalho e cuspamos na cara dos nossos líderes, eis a nossa solução.

Agora o que realmente importa.

Existe a ideia errônea de que um grande livro necessita, por consequência, uma grande história ou grande inovação. Eis que de tempos em tempos surge algo simples, mas que pela sua execução e sinceridade, cresce aos olhos do leitor. Usemos de exemplo Romeu e Julieta. Talvez a peça de Shakespeare menos admirada pelos críticos, embora de longe a mais conhecida e citada pelo público. Vista por cima, não passa de uma história de amor adolescente. É inegável, no entanto, a imortalidade da história, que, mesmo na época de Shakespeare, já não era original. O que Shakespeare fez foi tirar o lado "lição de moral" da peça, e contá-la pelo que ela é, dois adolescentes que se apaixonam e, por culpa dos extremos dessa fase da vida, se matam, sem dizer se isso foi errado ou não, apenas uma tragédia. O que Yukio Mishima faz em Mar Inquieto é reviver a história de amor adolescente, no contexto cultural do Japão da década de cinquenta, em meio aos contrastes da modernidade da cidade grande contra o tradicionalismo das ilhas ainda isoladas.

Quando o pai de Shinji Kubo morrera durante a Segunda Guerra Mundial, o garoto de dezessete anos se viu obrigado a sustentar sua mãe e irmão. Apesar da tragédia e da vida economicamente contida, a vida que eles levam na ilha pesqueira é pacífica. Todos conhecem e respeitam Shinji pelo seu trabalho como auxiliar do pescador Jukichi Oyama. Então o filho de Terukichi Myata, um homem rico e temido na ilha, e ele trás de volta à sua casa Hatsue, sua filha adotiva. A beleza de Hatsue atrai vários pretendes, incluindo Shinji, em quem ela também se interessa. Yasuo Kawamoto, arrogante filho de família rica, que estuda em Tóquio e despreza as tradições da ilha, também se interessa por Hatsue, principalmente por causa da fortuna de Terukichi. Boatos começam a rodar pela ilha de que Shinji tirou a virgindade de Hatsue. Por Shinji ser de família pobre, Terukichi o proíbe de ver Hatsue. Os dois trocam cartas para tentar manter o amor proibido e o resto cabe a você ler o livro e descobrir.

Diferentemente dos primeiros livros de Yukio Mishima, esse é muito mais ingênuo. Em Confissões de uma Máscara, o tema da descoberta sexual é recorrente, mas com um toque de sadismo e homoerotismo. Mar Inquieto tem um tom de inocência e simplicidade surpreendente para uma obra de Yukio Mishima. Mesmo os curtos momentos de erotismo tem um lado de descoberta. A narrativa é leve e poética, cheia de imagens marítimas a ponto que o leitor pode cheirar o sal do oceano.

A tragédia de Romeu e Julieta, comparação que eu usei no primeiro parágrafo, não está presente em Mar Inquieto. Na verdade, em se tratando de roteiro, não há nada de novo nesse livro de Mishima. É uma história agradável sobre amor juvenil. Isso não torna o livro ruim. A beleza da prosa do autor compensa a simplicidade do roteiro. É um conto quase moralista, sobre o verdadeiro amor juvenil, sem grandes idealismos.

Mishima criticava o hábito dos intelectuais de ignorarem a saúde física. Ele era mestre em artes marciais e se dedicava a manter um corpo que ele considerava perfeito. Esse ideal de equilíbrio entre o físico e o mental é bem demonstrado nesse livro. Shinji e Yasuo são opostos. Um é simples, trabalhador, forte e respeitável às tradições. Outro é estudante universitário, intelectual, urbano, fisicamente fraco. Mishima deixa claro seu favorecimento pelo primeiro. Por outro lado, Shinji é simples, porém não é idiota. É equilibrado considerando suas limitações.

Mar Inquieto é um livro que poderia ser indicado para qualquer um. É simples sem ser idiota. Trata sobre o amor juvenil sem ser contada de modo juvenil. A prosa é limpa, poética e vívida. Talvez não seja o melhor livro desse autor. A leitura depende do que o leitor em questão está procurando. Se o que você quer é uma leitura densa, erótica e psicológica, esse não é o melhor começo. Do contrário, se o que você busca é uma leitura agradável, mas que respeita a inteligência do leitor, esse livro é perfeito.

Nota: 4/5

4 comentários:

  1. Fiquei curiosa... Esse vai para a minha lista de leituras.
    Suas resenhas são ótimas.Gosto muito.

    :)

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    1. Obrigado. Leia mesmo, ou qualquer outro livro do autor. Yukio Mishima é um dos melhores escritores do Japão. Volte sempre.

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  2. Eu também penso assim, não acho que um livro precisa ser totalmente original e surpreendente.
    No último livro que li "A Máquina de Contar Histórias", livro brasileiro, o autor fala uma coisa que eu sempre falei e que já escutei muitas vezes, que não existe mais um livro totalmente original então o que deve ser original é a forma de contar a mesma história. Essa ideia me agrada muito e eu concordo plenamente, mesmo gostando de livros inovadores.
    Não conhecia esse livro, mas fiquei curiosa para ler. :)

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    1. Nem a ideia de acreditar que não existem mais livros originais é original. Esse livro é de uma leveza surpreendente. Juvenil sem ser estúpido, acho que você vai gostar muito.

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