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sábado, 25 de outubro de 2014

A Humilhação (The Humbling) - Philip Roth [2009]


Ninguém é perfeito, essa é a moral dessa resenha. Um dos três melhores escritores americanos vivos, de acordo com o crítico Harold Bloom, junto de Don deLillo e Thomas Pynchon, depois de 30 livros escritos, também falha. Já tinha ouvido coisas péssimas desse livro, desde a Taciele do finado (ou em coma) Viva Livros até a Michiko Kakutani do New York Times. Definitivamente não é o melhor livro de introdução à obra do Philip Roth, mas eu insisti. Queria ler o livro antes do lançamento da adaptação pra cinema, com Al Pacino no papel principal - logo mais falarei uma coisa ou outra sobre o trailer desse filme e as minhas expectativas. O resultado me deixou claro que Philip Roth, mesmo quando ruim, ainda é razoavelmente bom, mas mesmo um escritor desse porte erra, e A Humilhação pode ter sido o maior erro da carreira dele.

Aos 65 anos, Simon Axler, ator de teatro responsável por dar vida aos grandes personagens de Shakespeare, Sófocles, O'Neill, esquece como atuar. Após performances terríveis em Macbeth e em A Tempestade, ele entra em depressão, se vê sem identidade. Sua esposa, ex-bailarina, não sabendo lidar com o marido em tal estado, vai embora para morar perto dos filhos na Califórnia. Pensando em suicídio, Simon se interna numa clínica psiquiátrica. Lá ele conhece outros suicidas, em especial Sybil, com quem ele divide seus problemas. Fora da clínica, algum tempo depois, ele recebe a visita de Pegeen Mike, filha de uns amigos também atores, lésbica, e os dois entram em um relacionamento.

Eu gostei desse enredo. As possibilidades são tantas e o conceito em si é ótimo. Falando dos prós em primeiro lugar, Roth entra com perfeição na mente de um ator de 65 anos que perde o talento. A descrição dos medos e ansiedades da velhice é o ponto forte do livro e muitos dos conceitos sobre morte, identidade, amor e loucura quase fazem a leitura valer a pena. Até porque a escrita em si, o jeito como as palavras usadas estão alinhadas, é muito bom. A Humilhação tinha tudo para ser um bom livro, mas, assim como Simon Axler no palco, falha em convencer e tocar o leitor.

Para começar nos problemas, a narração raramente mostra as complicações. O leitor fica sabendo dos acontecimentos ou por exposição superficial ou por meio de diálogos muito literários para saírem da boca de um ser humano normal. Quando Simon falha no palco, não estamos com ele, acompanhando o fracasso. Roth apenas nos diz, em poucas linhas, que Simon esqueceu como atuar e nós temos que acreditar nele. 

Em alguns momentos chega a parecer que Roth acertou o passo. Quando, por exemplo, a relação entre Simon e Pegeen é detalhada. A forma como um transforma o outro, o que se passa na cabeça de Simon durante o relacionamento, a transformação e aparente submissão de Pegeen, e os hábitos sexuais que os dois desenvolvem. Esses trechos são o ponto alto da narrativa, mas não deveriam ser. Quero dizer, é a parte mais interessante do livro, mas ela é envolta de tantas outras partes ainda mais essenciais e importantes que simplesmente passam e se resolvem com um ou dois parágrafos que chega a ser frustrante.

Nunca é bom para o enredo conter uma história secundária melhor que a primária, mas é o que acontece em A Humilhação. A vida de Sybil, essa sim merecia um livro. Mais de uma vez, enquanto lendo a vida de Simon, quis parar de ler e procurar pelo livro de Sybil. Ela sim sofreu, ela sim tinha motivos para se matar. Eu leria com gosto um livro sobre a Sybil, sr. Roth, fique sabendo. Não que o livro do Simon seja ruim, só não consegui me importar com ele.

A Pegeen e a relação dela com os pais também é outro grande defeito do livro. Tudo que se passa entre Pegeen e seus pais e o que eles acham de Simon é descrito por Pegeen em várias conversas com Simon. E essa conversa é cheia de "ele disse", "ela disse", "eu disse", quando muito melhor seria ter todas essas cenas narradas de verdade.

Ouvi críticas a previsibilidade da história. Não vou seguir por esta linha. É previsível, sem dúvida, mas tenho uma explicação. Ao largo da obra, Roth dá exemplos de tragédias e, ao mesmo tempo, A Humilhação segue a estrutura básica de uma tragédia, sem entrar em detalhes para não estragar a experiência de futuros leitores (não estragar ainda mais, é o que eu quero dizer). O fim da tragédia, por definição, é previsível. Acrescentaria, mas isso é só interpretação minha, podendo não ser intenção do autor, que um dos autores citados, Tchekhov, dizia que, se no primeiro ato o autor aponta uma pistola, no terceiro ele deve dispará-la. A estrutura e o final podem ter sido uma referência, por isso digo que o final foi intencionalmente previsível, o que é direito do autor e algo completamente aceitável - quem foi que disse que todo fim deve surpreender afinal? 

Durante a mesma entrevista em que Roth fala sobre escrever o oposto de Teatro de Sabbath, ele também cita Saul Bellow, outro grande escritor americano e uma das maiores influências dele. No fim da vida, Saul Bellow decidiu que não valia a pena escrever romances longos, considerando as possibilidades de sua morte gerar um trabalho incompleto (ironicamente, Bellow teve um filho aos 84 anos de idade...). Que fique claro que apesar das tantas críticas à brevidade de A Humilhação, não tenho nada contra a narrativa curta. Pelo contrário, admiro quando um autor consegue dizer o máximo usando o mínimo de palavras. O importante é que a obra curta não soa como um resumo de algo maior. Isso é o que A Humilhação se tornou, um resumo de um livro mais extenso e mais interessante.

Resta agora aguardar o filme, se é que ele já não lançou. Pela cara do trailer, ele mostra tudo que Roth decidiu apenas contar vaga e apressadamente. O excesso de comédia me deixou com um pé atrás, dando a entender que eles queria transformar a história em um filme do Woody Allen, mas mesmo isso pode até ficar interessante, se feito com sutileza. Não quero fazer previsões para não acabar decepcionado, então ficarei por aqui e, quando eu assistir o filme retomo essa discussão, fazendo um comparativo leve.

Não indico esse livro para quem não conhece o Roth. É ruim. Não é horrível, tivesse o livro sido escrito por outra pessoa, eu teria sido menos rígido na crítica e na nota. Foi o único dele que li até o momento, então não posso indicar outras obras com segurança, mas, apesar de tudo, asseguro que A Humilhação não me deixou apreensivo a conhecer o resto da obra de Roth, pelo contrário. Se em um livro tão fraco, ele foi capaz de atingir uma prosa de alta qualidade, os bons livros dele devem ser memoráveis. Indicaria apenas aos leitores mais completistas do autor, aqueles que, não importando o que eu dissesse, leriam o livro de qualquer maneira.

Nota: 2/5 

2 comentários:

  1. Não conheço esse autor, mais acho que vou ler para ver até porque acho que devemos dar uma chance, teve muito autores que alguns amigos odiaram as obras e já eu gostei.
    gostei da sua resenha é bem diferente das resenhas que vejo em outros blogs, tem informação e argumentação parabéns, estou te seguindo.
    ------------------> http://sonhoseaventurasdeamor.blogspot.com.br

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    1. Indico o autor, com toda a certeza, só não indico esse livro. Tenho certeza que ele já fez coisas muito melhores.
      Obrigado pelos elogios ao blog, volte sempre.

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