Um dos raros casos em que eu li o livro antes de ver o filme, mesmo que a adaptação, traduzida como Onde os Fracos Não Têm Vez, tenha levado um Oscar em 2007 e tenha sido feita pelos irmãos Coen. Não sei por que, esse caso eu quis ler primeiro, principalmente por nunca ter tido contato com nada do Cormac McCarthy, autor considerado pelo crítico Harold Bloom, e dezenas de outros críticos, como um dos melhores escritores americanos vivos. Harold Bloom, contudo, não gostou de No Country For Old Men, e a obra é considerada a mais acessível de toda a bibliografia de McCarthy. Devido aos elogios, comumente direcionados à prosa de McCarthy mais que as suas histórias, li em inglês, idioma original da publicação.
Llewelyn Moss é um veterano da guerra do Vietnã, com 30 e poucos anos, casado com a jovem Carla Jean. As coisas estão duras para eles no sul dos EUA, próximo à fronteira com o México, mas, enquanto Moss está a caça de um antílope, ele se esbarra com o resultado de um tiroteio recente. Corpos largados no chão, carros arrebentados, vidro estilhaçado, um cachorro morto que não se sabe de onde veio, e um homem ainda agonizando, com uma bolsa com 2,4 milhões de dólares em dinheiro. Uma das caminhonetes está com a traseira cheia de heroína, que Moss ignora, mas leva consigo o dinheiro. Enquanto isso, Chigurh,um assassino de aluguel psicopata, foge da cadeia e se encarrega de encontrar o dinheiro roubado e levá-lo de volta ao seu dono. O xerife Ed Tom Bell investiga o tiroteio e todos os crimes que se desencadeiam a partir dele, buscando tanto Moss quanto Chigurh, ao mesmo tempo em que outro assassino de aluguel é contratado para encontrar o dinheiro com quem quer que esteja com ele.
A primeira coisa que qualquer um vai reparar em primeiro contato com o livro é a quase ausência das vírgulas. McCarthy é breve e bruto, mas não perde a poesia nem nos momentos de violência mais extrema. A narração é fragmentada entre diferentes pontos de vista, principalmente os de Moss, Chigurh e Bell, mas sempre em terceira pessoa, embora haja variações sutis em cada parte da história. Moss tem uma narrativa mais agitada, apressada e tensa. Bell é cansado, mais velho que os outros e se choca com a criminalidade que parece ter tomado conta de sua terra. Chigurh é calculista, meticuloso e calmo. Wells, o segundo assassino, também tem seus momentos, mas são poucos, mais como alguém que pega o bonde andando e tenta chegar na frente. Todas essas características transpiram pela prosa do autor, que cria, com esses personagens, uma espécie de faroeste moderno, cheio de discussões morais implícitas.
O enredo não pode ser chamado de simples nem de complexo. É uma sequência de eventos com efeito dominó, a primeira peça a cair é o dinheiro roubado, o resto é causa e consequência, e Chigurh é o mais ciente de tudo isso, vivendo ao redor desse fato, de que a vida em si segue as regras da causa e consequência, e que o jogar de uma moeda pode mudar um destino.
O livro tem um ritmo poético bem fluido por causa da escolha do autor de usar mais "e" do que vírgula (coisa rara no livro). Ponto e vírgula não existe em nenhum dos textos do autor e ele se recusa a indicar diálogos por meio de aspas ou travessões. Isso já é marca registrada e ele disse várias vezes que não gosta de poluir a página com milhares de traços que não significam nada, muito menos quando a ausência deles não parece fazer falta. E não faz. Não indicaria o livro para iniciantes na língua inglesa, mas se você tem um inglês intermediário e boa interpretação geral de texto, conseguirá entender bem o texto com poucas, se não nenhuma, viagens ao dicionário. O ponto alto do livro é a linguagem mesmo, a musicalidade e o peso da oralidade da fronteira na narrativa e nos diálogos, por isso a importância de ler no original, mas, se você não sabe o idioma, a tradução publicada pela Alfaguara parece bem competente.
Quase é possível sentir o sol do deserto e a poeira e o cheiro de sangue durante a leitura do livro, realmente, talvez não seja a mais marcante das obras do autor - é muito recente para isso -, mas é um bom livro. Não estou dizendo que a leitura é agradável, pois não é. Não vou me explicar nesse ponto, pois revelaria partes do enredo que não deveriam ser reveladas até o momento da leitura, mas confiem em mim, não é um livro bonitinho para passar o tempo. É pesado, mas não por isso difícil ou desagradável de se ler. Vou repetir, um bom livro de um dos melhores escritores atuais, que vale a pena conhecer. Agora vou ver o filme.
Quase é possível sentir o sol do deserto e a poeira e o cheiro de sangue durante a leitura do livro, realmente, talvez não seja a mais marcante das obras do autor - é muito recente para isso -, mas é um bom livro. Não estou dizendo que a leitura é agradável, pois não é. Não vou me explicar nesse ponto, pois revelaria partes do enredo que não deveriam ser reveladas até o momento da leitura, mas confiem em mim, não é um livro bonitinho para passar o tempo. É pesado, mas não por isso difícil ou desagradável de se ler. Vou repetir, um bom livro de um dos melhores escritores atuais, que vale a pena conhecer. Agora vou ver o filme.
Nota: 4/5