Peguei esse livro emprestado dois meses atrás. Nunca tive coragem de pedir livros emprestados para ninguém, não importando o quão bem eu conhecesse a pessoa, por causa da pressão. Passado muito tempo, se eu não terminasse a leitura e devolvesse o livro, ia começar a me sentir cada vez mais culpado. Fiz essa exceção porque queria ler algo do Lísias já faz tempo, mas não sabia qual comprar, e sempre que fazia uma lista de futuras compras, deixava o dele para depois. Então me atirei nessa pressão psicológica propositalmente para me forçar a ler o livro, e em um ritmo razoável. A pessoa que me emprestou havia passado as últimas semanas elogiando Divórcio, então pedi o empréstimo. Ela aceitou, até porque já havia emprestado dois livros para essa pessoa.
Feito em uma série de fragmentos divididos em 15 capítulos - que o livro chama de quilômetros, mesmo número de quilômetros da São Silvestre -, Divórcio conta a história de como Ricardo Lísias (personagem, não autor) se divorciar da esposa após um casamento de quatro anos. Os fragmentos são formados de pensamentos do autor durante e depois do divórcio, momentos do passado, trechos do diário que a esposa do narrador mantinha (causa principal da separação) e autoanálise. Seguindo a linha já bastante tradicional na literatura francesa de autoficção, Ricardo se põe como personagem, mas não exatamente.
A narrativa de Divórcio trafega a linha tênue entre ficção e realidade, com o autor, talvez intencionalmente, fazendo o leitor ceder àquela voz que o acompanha enquanto ele lê, que insistem em dizer que aquilo aconteceu daquela forma, que o eu-lírico e o eu autor são um e o mesmo. Ele faz isso colocando, ao lado das invenções (o treino para São Silvestre que ele nunca fez e a corrida da qual ele não participou - embora ele narre com a verossimilhança de um participante) os fatos - citações aos montes sobre o livro Céu dos Suicidas, que existe e foi Ricardo Lísias, autor, quem escreveu. Resisti o que pude, mas, como imagino tenha sido o caso da maior parte dos leitores, botei o nome dele no Google e fui investigar quanto daquilo foi real. Saí da pesquisa sabendo tanto quanto quando entrei - nada. Nem sei dizer ao certo se o cara foi casado. E, querem saber, bom que tenha sido assim. Não vem ao caso quem é Ricardo Lísias, o autor. O livro trata de Ricardo Lísias, o personagem, e, para este, tudo que se passou no livro foi real, mesmo que tudo não passe de ficção.
Apesar das distrações, das fofocas, do drama, do real contra a ficção, o livro fala mesmo é de jornalismo. Desse mundo que todos sabem ser corrupto chamado mídia, a principal responsável pela informação. Lísias escreve sem medo sobre o poder que existe nesse meio, e o poder que estes que o representam (jornalistas) acreditam ter. Nesses momentos, a prosa beira a fúria, o que só aumenta a curiosidade do leitor para saber se Divórcio é biografia ou não. Ironia que vou julgar ter sido intencional, fazer o leitor se entregar ao mesmo mundo do jornalismo que o autor condena.
Devo dizer, entretanto, que as repetições do livro me cansaram. A metáfora insistente sobre "estar sem pele" e as descrições exaustivas da pele voltando e não voltando e se ferindo me fizeram sair da narrativa muitas vezes. Escolha estilística, imagino, mas pra mim não funcionou. O livro não fica ruim por causa disso, o resto do conteúdo compensa. Para mim ele foi além do jornalismo e brincou com esse obsceno gosto humano por tudo que é do outro, mesmo que o outro seja um fundo de banalidade tão ordinário quanto você.
Atropelando as repetições, o romance é muito interessante. Me deixou curioso pelas outras obras do autor, principalmente agora que já estou vacinado e desencanei da realidade, pelo menos quando estou lendo (às vezes nem preciso ler pra isso).
Nota: 4/5
A narrativa de Divórcio trafega a linha tênue entre ficção e realidade, com o autor, talvez intencionalmente, fazendo o leitor ceder àquela voz que o acompanha enquanto ele lê, que insistem em dizer que aquilo aconteceu daquela forma, que o eu-lírico e o eu autor são um e o mesmo. Ele faz isso colocando, ao lado das invenções (o treino para São Silvestre que ele nunca fez e a corrida da qual ele não participou - embora ele narre com a verossimilhança de um participante) os fatos - citações aos montes sobre o livro Céu dos Suicidas, que existe e foi Ricardo Lísias, autor, quem escreveu. Resisti o que pude, mas, como imagino tenha sido o caso da maior parte dos leitores, botei o nome dele no Google e fui investigar quanto daquilo foi real. Saí da pesquisa sabendo tanto quanto quando entrei - nada. Nem sei dizer ao certo se o cara foi casado. E, querem saber, bom que tenha sido assim. Não vem ao caso quem é Ricardo Lísias, o autor. O livro trata de Ricardo Lísias, o personagem, e, para este, tudo que se passou no livro foi real, mesmo que tudo não passe de ficção.
Apesar das distrações, das fofocas, do drama, do real contra a ficção, o livro fala mesmo é de jornalismo. Desse mundo que todos sabem ser corrupto chamado mídia, a principal responsável pela informação. Lísias escreve sem medo sobre o poder que existe nesse meio, e o poder que estes que o representam (jornalistas) acreditam ter. Nesses momentos, a prosa beira a fúria, o que só aumenta a curiosidade do leitor para saber se Divórcio é biografia ou não. Ironia que vou julgar ter sido intencional, fazer o leitor se entregar ao mesmo mundo do jornalismo que o autor condena.
Devo dizer, entretanto, que as repetições do livro me cansaram. A metáfora insistente sobre "estar sem pele" e as descrições exaustivas da pele voltando e não voltando e se ferindo me fizeram sair da narrativa muitas vezes. Escolha estilística, imagino, mas pra mim não funcionou. O livro não fica ruim por causa disso, o resto do conteúdo compensa. Para mim ele foi além do jornalismo e brincou com esse obsceno gosto humano por tudo que é do outro, mesmo que o outro seja um fundo de banalidade tão ordinário quanto você.
Atropelando as repetições, o romance é muito interessante. Me deixou curioso pelas outras obras do autor, principalmente agora que já estou vacinado e desencanei da realidade, pelo menos quando estou lendo (às vezes nem preciso ler pra isso).
Nota: 4/5
Não confie em mim. Leia um trecho e, se gostar, compre o livro: http://www.objetiva.com.br/arquivos/capas/Divorcio__1oCapitulo.pdf?1416486760
Li uma resenha (foda) que a Ju (olha a intimidade) fez essa semana sobre esse livro, lembrei de você:
ResponderExcluirhttp://confeitariamag.com/julianacunha/divorcio/