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terça-feira, 22 de julho de 2014

Lolita - Vladimir Nabokov (1955)

Eu sei, feia pra cacete a foto. Mas não tenho câmera pra ficar tirando foto do meu livro e essa era a única disponível no Pai Google.
Resenhar clássicos é uma coisa que eu sempre quis evitar. Digamos que o motivo principal da resenha é a divulgação, e Nabokov, principalmente em se tratando de Lolita, não precisa ser divulgado. Quando a resenha não tem por objetivo divulgar, mas analisar - território que eu também já trafeguei com minhas resenhas -, sua obra também já foi dissecada por dezenas, centenas, de críticos, todos, possivelmente, muito mais competentes que eu. E isso não serve só para Lolita, mas qualquer outro clássico. Ainda assim, esse blog anda escasso de resenhas literárias justamente por causa dessa minha regra pessoal, então vou abrir uma exceção e escrever sobre Lolita. Mas que isso já sirva de aviso que a resenha se trata de uma breve opinião pessoal, um texto no mínimo vulgar - como diria o próprio Humbert Humbert -, feito sem pretensões analíticas e acadêmicas.

"Lolita, luz de minha vida, fogo de meus lombos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO.LI.TA”. (O tão famoso e aclamado início.)

A começar pela sinopse - e gostaria de acrescentar ao leitor desse humilde blog que já estou cansado dessa estrutura de resenha: introdução/sinopse/x parágrafos de análise/veredicto; somente sigo com ele por não conhecer método melhor; por mim, largaria as resenhas, mas se o fizesse o blog morreria - talvez conhecida universalmente. Humbert Humbert é um russo de meia-idade, acadêmico, culto, poliglota, mas com uma fraqueza moral - as garotas que ele chama "nymphets" (ninfetas, apesar da minha edição não ter traduzido o termo). Há uma justificativa para esse desvio, quando ele próprio era um menino, se apaixonou por uma garota de 12 anos, mas ela morreu antes que o amor dos dois fosse efetivado (embora ele tenha chegado perto algumas vez). Essa frustração da infância é a causa da sua obsessão adulta, ele argumenta ao falar com o leitor como se falasse a um juiz. E desse ponto de partida, ele segue descrevendo sua história, seu primeiro casamento na Rússia, seus muitos problemas envolvendo psiquiatras, sua vinda aos EUA, seu encontro com Charlotte Haze, cuja filha, Dolores (Lô, Lola, Dolly, Lolita...), é o alvo principal da obra e a obsessão de Humbert. O resto do livro trata das tentativas de Humbert realizar seu romance com Lolita, mas pra saber o que se passa você vai ter que ler o livro.

“Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.” (O início em inglês, para referência.)

A primeira coisa que você precisa saber antes de atacar a leitura de Lolita é que Humbert Humbert é aquilo que chamamos de narrador não confiável, mais que isso, ele é o rei dos narradores não confiáveis. Ao longo da história, não só ele vai fazer uso de toda a espécie de artifício literário para desviar a cabeça do leitor do crime que ele descreve no livro (pedofilia, pra começar), ele vai tentar nos convencer de que suas atitudes não só não são tão graves, como também poderiam até ser vistas como corretas. E para isso ele vai lançar todo o tipo de referência acadêmica obscura, linguagem rebuscada e até mesmo vai mentir diretamente para o leitor, fazendo que, até o fim da obra, este não saiba exatamente no que acreditar. Puta merda, que livro bom.


"Em tardes particularmente tropicais, na pegajosa intimidade da sesta, eu gostava de sentir o frescor da poltrona de couro contra minha nudez maciça enquanto a tinha em meu colo. Lá ficava ela, como qualquer criança, a enfiar o dedo no nariz enquanto lia as seções menos exigentes do jornal, tão indiferente a meu êxtase como se estivesse sentada sobre um objeto qualquer – um sapato, uma boneca, o cabo de uma raquete de tênis – e fosse preguiçosa demais para afastá-lo".


Agora que o leitor dessa resenha não se intimide quando falo de linguagem rebuscada. Ela chega a ficar complicada em certos momentos, mas é proposital. O uso de termos e referências desconhecidas ou estrangeiras (ele, como professor de poesia francesa, usa termos franceses o tempo todo - muitas vezes não traduzidos na edição da Abril, de 1974) é propositalmente confuso, um jeito de diminuir a percepção do leitor e ao mesmo tempo encantá-lo, já que os termos não diminuem o tom poético da narrativa. Esse é o ponto forte de Lolita, o ritmo, o lirismo, a beleza da linguagem tão cuidadosamente esculpida por Nabokov. Lolita não é considerado um dos melhores livros da literatura sem motivo.

"Sou suficientemente orgulhoso de saber alguma coisa para ter a modéstia de admitir que não sei tudo".

É tão perfeito, que chega a ser frustrante. Essa foi a impressão que ele causou entre os críticos da época - quer dizer, depois de todo o choque causado pela pedofilia. Era sem precedentes um russo expatriado que escrevesse tão bem em segunda língua, sem pegar emprestado do estilo de nenhum outro autor escrevendo na época. O único termo para definir Nabokov é gênio, e eu quase decidi aposentar essa minha ideia de escrever ficção ao terminar de ler esse livro - só não aposentei porque sou muito cara de pau.

"Teve, acaso, uma precursora? Sim, teve-a, de fato. Na verdade, bem poderia não ter havido Lolita alguma, não houvesse eu amado, num certo verão, uma certa garotinha inicial. Num principado junto ao mar. Oh, quando? Cerca de tantos anos antes de Lolita ter nascido quantos contava eu naquele verão? Pode-se sempre esperar, de um criminoso, uma prosa de estilo extravagante".

Uma coisa eu tenho que acrescentar de negativo. A minha edição é da Abril, lançada em 1974. A tradução a cargo de Brenno Silveira é excelente. Verdade que ele mantém diversos termos em inglês, julgando que o leitor os reconheceria, e não traduz nem em nota de rodapé os termos franceses - caso você não tenha nenhum conhecimento de inglês ou de francês e tenha essa edição para ler (uma edição comum em sebos e barata, por isso indico), leia com o google tradutor disponível. O maior defeito dessa edição são os erros de revisão, muitas letras trocadas, deixando claro que o revisor dormiu no trabalho. Não sei se isso é coisa da época, se os editores brasileiros eram mais relaxados na década de 70, mas fica feio um livro tão cuidadoso ao mesmo tempo tão errado. Lógico que isso não vai prejudicar a nota, mas tenham ciência disso caso peguem essa edição (que, repito, apesar dos erros, é recomendável pela precisão e fluidez). Se você sabe inglês, leia o original - é o que eu pretendo fazer no futuro próximo.

Nota: 5/5

10 comentários:

  1. Achei que você não iria resenhar esse livro, eu não tive coragem de escrever, porque achei complicado falar, até porque no começo eu não gostei do livro, e depois e fiquei confusa, e por fim acabei gostando. Gostei da sua resenha, seus pontos de vistas deixarem um que para o leitor ler a resenha, bom título, ótimo título.

    caminhandoemmarte.blogspot.com.br

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    1. Eu não ia fazer essa resenha, mas fazia tempo que eu não falava de livros, então decidi escrever de qualquer jeito. Que bom que você gostou da resenha.

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  2. Eu fui uma das pessoas a quem o Vladimir conseguiu "persuadir", porque de fato, eu cheguei a ver a Lolita não como a vítima, mas como alguém que consentiu tudo aquilo. Só que ela não tinha muita opção, na posição (trocadilho indesejado) que ela se encontrava.
    Ainda quero muito ver o filme.

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    1. Essa é a parte mais interessante do livro. A narração te faz acreditar que ela consente, mas toda vez que ela fala ela deixa claro que não está consentindo (ela chega a acusar Humbert de estupro algumas vezes). Acontece que o leitor nunca conhece o suficiente sobre Lolita pra formar um julgamento. Tudo é pelo ponto de vista do Humbert.

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  3. Raphael, assim você me quebra, de verdade! rsrs Perco qualquer vontade ou coragem de escrever qualquer coisa que seja, sobretudo resenhas, depois de ler as suas! (algo semelhante ao que vc sentiu com relação ao Nabokov):P

    Muito bom seu texto! Devo admitir que apesar de ser um livro super aclamado não consegui gostar de verdade de Lolita... de fato, a qualidade da escrita do autor é indiscutível e, pelo menos pra mim, foi o único mérito do livro. Mas pra mim não desceu essa obsessão doentia dele pela Lolita, em momento nenhum ele conseguiu me convencer da conivência dela, por mais artifícios que ele tenha usado, e não foram poucos, como você bem apontou - afinal de contas, a forma como se escreve também é um modo de se seduzir...

    Provavelmente por isso que ele é considerado um livro tão perturbador... não pela ideia da pedofilia em si, mas com certeza por ter deixado muito leitor divido entre aquilo que é considerado moralmente como o correto (não abusar de crianças inocentes) e a tão bem "justificada" predileção do Humbert Humbert (pois a todo momento ele tenta te convencer que Lolita não era tão inocente assim). Mas quem, em são consciência, confiaria na palavra do rei dos narradores não confiáveis? ;)

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    1. Para, aposto que se você tentasse suas resenhas iam sair melhores que as minhas. As poesias já são...

      A melhor forma de ler Lolita é deixando a moralidade de lado e se deixando levar pela estética. E não acho que ele queria convencer tanto assim da conivência dela. Um pouco, mas ela passou toda a segunda parte do livro acusando Humbert de estupro. Ele chamava isso de falta de educação da parte dela, mas o leitor consegue entender que não é bem isso...
      É por isso que eu gostei tanto do livro. Nabokov entrou no personagem de verdade, a ponto de que Lolita já não parecia só um romance, mas as memórias desse ser fictício chamado Humbert Humbert.

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  4. Então, esse livro está no momento exatamente na minha pilha de livros para ler ainda esse ano!
    E que bom que é bom, então! rs
    Foi bom pegar algumas dicas aqui:"A primeira coisa que você precisa saber antes de atacar a leitura de Lolita é que Humbert Humbert é aquilo que chamamos de narrador não confiável, mais que isso, ele é o rei dos narradores não confiáveis. " :)
    Obrigada!
    Seguindo aqui. Até mais!

    http://resenhasdalu.blogspot.com.br/

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    1. É muito bom, vale a pena a leitura. Bem-vinda e volte sempre.

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  5. Ué, eu comentei, mas meu comentário sumiu. Estou enviando esse para testar. kkk

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    1. Esse veio, o outro não. O blogger é cheio dessas miséria, várias vezes já perdi comentários sem nenhum motivo aparente.

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