Primeira vez que resenho uma HQ por essas bandas? É, primeira vez, embora eu estivesse certo de que já havia feito essa resenha antes - às vezes penso tanto no que escrever para um post que chego a acreditar que o pensamento tomou forma, infelizmente não acontece. Não sou um leitor assíduo de HQs, na verdade eu tive algumas experiências na infância e na adolescência com esse meio, mas muito superficialmente, nada memorável, por assim dizer. Um belo dia, e sei lá eu o motivo disso, decidi revisitar esse mundo dos quadrinhos e admito que fiquei fascinado. É um setor tão pouco explorado e tão cheio de possibilidades. Entre as artes, creio que o quadrinho está em ascensão, com vários nomes inovando o setor. A que mais me chamou atenção nesse retorno foi Asterios Polyp.
O personagem que dá título ao livro é um arquiteto, professor universitário, que, logo no primeiro quadrinho, é forçado a sair do seu apartamento, que pega fogo após a queda de um raio. Ele, então, pega um ônibus e vai até uma cidade bem distante no interior dos EUA, e lá ele arranja um emprego de mecânico. Partindo daí a narrativa da saltos entre o presente e o passado. É descrita a infância de Asterios, sua juventude, o sucesso acadêmico, o casamento conturbado, tudo ao mesmo tempo em que ele tenta descobrir a si mesmo na nova cidade.
Tem muitos detalhes interessantes para discutir nessa HQ, tanto que eu não sei bem por onde começar - também não ajuda que eu a tenha lido ano passado e só agora tenha decidido falar sobre. O que mais me pareceu interessante no começo foi o ponto de vista da narração. A história é contada pelo irmão gêmeo natimorto de Asterios, que, supõe-se, o acompanhou em espírito o tempo todo. Isso é particularmente interessante devido à personalidade de Asterios. Se o livro fosse em primeira pessoa, seria uma história totalmente narcisista, visto que Asterios é um tanto arrogante, esnobe e metido a intelectual. Se fosse em terceira, não seria pessoal o bastante. O ponto de vista de um irmão morto, além de eu nunca ter visto nada assim antes, também oferece esse meio termo entre o pessoal e o impessoal.
O maior dos temas explorados nessa HQ é a dualidade do ser humano. Durante todo o enredo Asterios fala sobre suas teorias perante razão/emoção, destino/livre arbítrio etc. Sua esposa, por exemplo, é um completo oposto dele. Enquanto ele é um acadêmico tão racional a ponto de ser chato, ela é uma artista plástica passional. Essa dualidade se reflete até nos traços, que por vezes fogem do padrão e assumem uma visão mais psicológica que física nas descrições das imagens - se é que isso faz algum sentido. Exemplo: nas várias brigas que Asterios tem com a esposa, quando ele fala os arredores tomam forma geométrica, como um esboço arquitetônico; quando ela fala, tudo toma forma de traços abstratos.
Até mesmo entre o presente e o passado há uma dualidade clara. No passado ele vivia na cidade grande, seguindo instintos materiais e hedonistas. No presente ele vive no interior, solitário e introspectivo, buscando alguma espiritualidade influenciada pela cultura nativo-americana. As cores também seguem esse padrão. Ora são usadas cores frias (passado, monólogos de Asterios), ora cores quentes (presente, brigas com a esposa).
Asterios Polyp recebeu vários prêmios na época de seu lançamento, incluindo 3 prêmios Eisner e 3 prêmios Harvey, foi muito aclamada pela crítica - incluindo esse humilde crítico que vos fala - e tudo muito merecidamente. Se você gosta de quadrinhos, vá em frente e leia. Se não conhece o meio, dê uma chance, pode quebrar alguns preconceitos.
Nota: 5/5