1 — O primeiro
poema que escolhi foi um poema do Affonso Sant’anna. Esse tipo de poesia que
tem um tom de exaltação em voz alta sempre me atraiu.
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Parem de Jogar Cadáveres na Minha Porta
Parem de jogar cadáveres na minha porta
Tenho que sair
- respirar.
Estou seguindo para os jardins de Allambra
a ouvir o que diz a água daquelas fontes
e acompanhar o desenho imperturbável dos zeliges.
Não me venham com jornais sangrentos sob os braços.
Parem de roubar meu gado, de invadir meu teto
e de semear pregos por onde passo.
Estou em Essauíra, na costa do Marrocos
olhando o mar. Ou em Minas
contemplando as montanhas ao redor de Diamantina.
Não me tragam o odorento lixo da estupidez urbana.
Parem de atirar em minha sombra
e abocanhar meu texto.
Estou tornando a Delfos
naquela manhã de neblinas
ouvindo o que me diz o oráculo em surdina.
Ainda agora embarquei para o Palácio Topkapi
frente ao Bósforo,
quando tentaram me esfaquear na esquina.
Jamais permitirei que quebrem as porcelanas
e roubem a gigantesca esmeralda na real vitrina.
Não me chamem para a reunião de condomínio.
Estou nos campos da Toscana
onde a gigante mão de Deus penteia os montes
e minha alma se sente pequenina.
Dei de mão comendas e insígnias
não tenho mais que na praça erguer protestos
e distribuir esmolas não é mais a minha sina.
Acabo de entrar no Pavilhão da Harmonia Preservada
e me liberto
-na Cidade Proibida na China.
Não adianta o clamor de burocráticos compromissos
nem vossa ira. Tenho oito anos
saí para nadar naquele açude atrás dos morros
e vou pescar a minha única e inesquecível traíra.
Parem de jogar cadáveres na minha porta
na minha mesa
na minha cama
dificultando
que alcance o corpo da mulher que amo.
Afastem de mim
o meu
o vosso cálice.
Impossível ficar no tempo que me coube
o tempo todo
preciso repousar num campo de tulipas
reaprendendo a ver o que era o mundo
antes de
como um Sísifo moderno
desesperado
julgar
-que o tinha que
carregar.
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2 — Esse é um
poema do Ivan Junqueira que sempre que leio sinto a sua intensidade controlada
(desculpa, não achei outra palavra melhor para me expressar), e todo o seu
sentimento simples.
E
Se Eu Disser
E
se eu disser que te amo - assim, de cara,
sem mais delonga ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.
3 — Essa poesia do
Paulo Leminski dificilmente (nunca) fica entre as favoritas dos sites, listas
etc. Eu gosto por que ela tem uma estrutura bem feijão com arroz, o poema
consegue trazer a sensação daquilo que ele sente na sua essência, nos
transporta para essa nostalgia que ele sente.
O velho Leon e
Natália em Coyoacán
desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele
dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando
nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando
não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado
aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando
nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo
4 — O poema do Mário
Quintana é direto como um naufrágio de pensamentos. Esse poema foi um dos
primeiros que li muito jovem, o resto vocês já sabem. Ou não?
A rua dos Cataventos
Da
vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
5
— Esse poema é do Jáder de Carvalho, e fala da minha terra. Foi eleito o melhor
poema que exalta o Ceará.
Terra Bárbara
Na minha terra,
as estradas são tortuosas e tristes
como o destino de seu povo errante.
Viajor,
se ardes em sede,
se acaso a noite te alcançou,
bate sem susto no primeiro pouso:
— terás água fresca para sua sede,
— rede cheirosa e branca para o teu sono.
Na minha terra,
o cangaceiro é leal e valente:
jura que vai matar e mata.
Jura que morre por alguém — e morre.
(Brasil, onde mais energia:
na água, que tem num só destino
do teu Salto das Sete Quedas
ou na vida, que tem mil destinos,
do teu jagunço aventureiro e nômade?)
Ah, eu sou da terra do seringueiro,
— o intruso
que foi surpreender a puberdade da Amazônia.
Eu sou da terra onde o homem,
seminu,
planta de sol a sol o algodão para vestir o Brasil.
Eu nasci nos tabuleiros mansos de Quixadá
e fui crescer nos canaviais do Cariri,
entre caboclos belicosos e ágeis.
Filho de gleba, fruto em sazão ao
sol dos trópicos,
eu sou o índice do meu povo:
se o homem é bom — eu o respeito.
Se gosta de mim — morro por ele.
Se, porque é forte, entender de humilhar-me,
— ai, sertão!
Eu viveria o teu drama selvagem,
eu te acordaria ao tropel do meu cavalo errante,
como antes te acordava ao choro da viola...
6 — E foi com
Augusto dos Anjos que eu me rendi a poesia.
Psicologia
de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
7
— Manoel de Barros foi onde eu descobri que as palavras são livres. Foi difícil
escolher algum, mas peguei no meu bolso um... achei esses.
Seis ou Treze
Coisas que Aprendi Sozinho
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de
antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos
8
— Eu poderia botar vários aqui, mas escolhi só um, que sempre quando me sinto “irracional”
eu penso nele e tudo fica mais calmo. Um haicai do Millôr.
Haicai
Nunca
se esqueça:
A
vida também
Perde
a cabeça
9
— As minhas principais influências são daqui do Ceará. Assim não podia faltar
um poema que sempre me toca. Na verdade esse poeta é o mais pulsante de todos.
Patativa do Assaré.
Menino de Rua
Menino de Rua, garoto
indigente
Infanto Carente,
Não sabe onde vai
Menino de Rua, assim
maltrapilho
De quem tu és filho
Onde anda o teu pai?
Tu vagas incerto não achas
abrigo
Exposto ao perigo
De um drama de horror
É sobre a sarjeta que dormes
teu sono,
No grande abandono
Não tens protetor
Meu Deus! Que tristeza! Que
vida esta tua
Menino de Rua,
Tu andas em vão
Ninguém te conhece, nem sabe o
teu nome
Com frio e com fome
Sem roupa e sem pão
Ao léu do desprezo dormes ao
relento
O teu sofrimento
Não posso julgar,
Ninguém te auxilia, ninguém te
consola,
Cadê tua escola,
Teus pais teu lar?
Seguindo constante teu duro
caminho
Tu vives sozinho
Não és de ninguém
Às vezes pensando na vida que
levas
Te ocultas nas trevas
Com medo de alguém
Assim continuas de noite e de dia
Não tens alegria
Não cantas nem ri
No caos de incerteza que o seu
mundo encerra
Os grandes da terra
Não zelam por ti
Teus olhos demonstram a dor, a
tristeza,
Miséria, pobreza
E cruéis privações
E enquanto estas dores tu
vives pensando,
Vão ricos roubando
Milhões e milhões
Garoto eu desejo que em vez
deste inferno
Tu tenhas caderno
Também professor
Menino de Rua de ti não me
esqueço
E aqui te ofereço
Meu canto de dor
10
— Não poderia faltar nessa lista o ultimo maldito dos poetas cearenses Mário Gomes.
Esse poema já foi publicado aqui, mas o que vale é minha opinião, então.
Ação Gigantesca
Beijei
a boca da noite
E engoli milhões de estrelas.
Fiquei iluminado.
Bebi toda a água do oceano.
Devorei as florestas.
A Humanidade ajoelhou-se aos meus pés,
Pensando que era a hora do Juízo Final.
Apertei, com as mãos, a terra,
Derretendo-a.
As aves em sua totalidade,
Voaram para o Além.
Os animais caíram do abismo espacial.
Dei uma gargalhada cínica
E fui descansar na primeira nuvem
Que passava naquele dia
Em que o sol me olhava assustadoramente.
Fui dormir o sono da eternidade.
E me acordei mil anos depois,
Por detrás do Universo.
Agora a pergunta que fica: qual seria a sua cronologia pessoal de poesia brasileira? Para não flodar (se é que isso seja possível de acontecer, mas vai que sejamos atacados por leitores carnívoros... vai saber) os comentários cite aí só o nome do poeta + nome da poesia. Certo, estamos entendidos! Até mais. Ah, não se esqueça que não pode repetir o poeta.