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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Espíritos de Gelo - Raphael Draccon (2011)



Truman Capote costumava separar autores entre os que escreviam e os que digitavam - ou seria datilografavam? -, pra separar aqueles que se esforçavam pra desenvolver um estilo e moldar frases cuidadosamente e aqueles que só batiam palavras em sequência pra de alguma maneira inventar uma história. Verdade que, quando disse isso, Capote se referia a Jack Kerouac, o que foi injusto, visto que Kerouac, embora usasse vírgulas e adjetivos excessivamente, tinha uma poética e ritmo próprios. Em Espíritos de Gelo, Raphael Draccon - um dos autores da minha lista de leituras em busca de compreender a literatura brasileira contemporânea -, não escreve, digita; creio eu que com os pés.

Começa com o protagonista sem nome, mas que apelidarei de Narciso, acorrentado em uma sala suja, escura e misteriosa. Ele está sendo interrogado por um baixinho vestido com uma camiseta do Black Sabbath - sem nenhum motivo aparente, só uma das milhões de referências gratuitas do livro - que comanda dois torturadores vestidos com trajes sadomasoquistas - sem motivo também, só mais uma referência, dessa vez ao Gimp, de Pulp Fiction, provavelmente.  Eles encontram Narciso em uma banheira de gelo, com um rasgo no abdômen, e o levam pra ser torturado porque eles precisavam saber o motivo de ele estar naquela situação. O problema é que ele não se lembra. Os três patetas decidem que a amnésia foi causada por trauma e só outro trauma maior pode reativar essas memórias tão importantes. Gostaria, então, de dramatizar aqui como o baixinho descobre a primeira informação:

Baixinho: acho que você não gosta de mulher.
Narciso: gosto sim!
B: não sei, tô achando que tu é viado.
N: não sou.
B: é sim
N: sou não!
B: é sim.
N: sou nããão!!!
B: é sim.
N: sou não! Eu tenho namorada e o nome dela é Mariana e ela é mais bonita que todas as mulheres que você já conheceu, tá?, seu arrombado!!!

Tá certo, eu inventei esse diálogo - exceto pelo arrombado -, mas a ideia é a mesma. E o pior, o protagonista tem 27 anos - eu acho, minhas memórias desse livro estão sumindo iguais as de Narciso, deve ter sido trauma da leitura.

Falando em Narciso, vamos tentar definir esse cara. Ele teve um pai distante, mas isso não abalou sua criação, muito embora o fato dele ter tocado umas na adolescência ouvindo os gemidos das mulheres com quem seu pai transava seja um caso freudiano - essa possibilidade de distúrbio nunca é aprofundada pelo autor, mas por si só já é uma premissa melhor que a do livro.  Conforme ele foi crescendo, foi se tornando um playboy padrão, indo pra academia, gastando dinheiro do papai, fodendo todas as mulheres do mundo etc. Aí o pai morre, os negócios não especificados do pai - sabe como é esse mundo dos negócios genérico feito exclusivamente pra criar personagens ricos sem nunca ter que explicar a fonte da riqueza - são passados pra ele, mas ele é moleque e não consegue aguentar a pressão. Até aí tá mais pra uma premonição do futuro do Thor Batista, menos o atropelamento/assassinato.

Se você ler o livro, vai ver que Narciso é possessivo, por vezes machista, infantil, sem graça - apesar de tentar e muito ser engraçado, voltarei nesse ponto mais tarde - e um babaca completo; o pior disso tudo, não acho que intencionalmente. Talvez o protagonista tenha sido moldado pra incomodar um pouco, mas acho difícil que o objetivo fosse "intragavelmente desagradável", sem falar que o apelido que dei a ele não foi sem motivo. Apesar de se amar, no entanto, é extremamente inseguro, seja ficando irritadinho sempre que insinuam que ele é gay ou deixando bem claro que não reparou nos homens ao descrever determinada cena, seja quanto a sua relação com Mariana.

Raphael Draccon simplesmente não consegue criar uma voz pro seu personagem que seja condizente com seu estilo de vida. O narrador é ocupado, vive em balada, academia - se gaba da sua própria aparência mais vezes do que recomendado pra um livro em primeira pessoa -, parece se achar um cara genial e vivido, embora nunca demonstre nada de genial em suas ações ou falas. Ele tem um conhecimento enciclopédico de referências nerds, mesmo que, em determinados momentos, tire sarro desses mesmos nerds. Fica claro que o narrador, por mais que seja em primeira pessoa, é apenas o Draccon falando pelo personagem. Narciso não só não tem nome como também não tem voz própria, pobre Narciso.

O que me leva a outro problema, o número obsceno de referências à cultura pop. Contei umas três por página, todas extremamente variadas pra saírem de uma mente não-nerd, indo de X-Men a Crepuscúlo, passando por Supernatural, Senhor dos Anéis, e essas são só as diretas. O que torna tudo muito repetitivo já que pra 90% das descrições ele usa o comparativo "como" e geralmente a coisa descrita é comparada a uma referência pop.

Existe uma função pra referência à cultura pop na literatura e em todas as outras formas de arte. A mais comum é aprofundar um personagem, dá-lo gostos, preferências, conhecimento de mundo. Outras vezes pode servir pra auxiliar na criação de mundo, desenvolver uma atmosfera bacana. Espíritos de Gelo não as usa em nenhuma dessas maneiras. A referência à cultura pop nesse livro é pra, pura e simplesmente, forçar uma relação com o leitor. O desavisado lendo o livro esbarra por uma referência que ele conhece ou gosta e, pronto, está feita a identificação. Como o narrador desse livro atira pra todos os lados, obviamente acerta alguém, mas nunca de maneira profunda. Esse é outro problema do uso excessivo de um artifício, com o passar das páginas e toda a repetição, fica batido, previsível e perde a força, até mesmo de identificação.

Esse não é o único artificio do qual Draccon, como qualquer escritor amador, abusa. Ele também gosta de separar frases em parágrafos de sentença única pra enfatizar certas coisas. O problema é que ele nunca enfatiza nada de relevante.

Nunca.

Mesmo.

Desse jeito, assim, sem exagero.

Muitas vezes por capítulo.

E.

Os.

Capítulos.

São curtos.

P.

R.

A.

Caralho.

Irrita, não é? Eu sei, também quis jogar a porra do livro pela janela antes de chegar na página 60. Mas eu gastei dinheiro com ele. Pouco, se o livro custasse muito mais de 10 contos eu não comprava. Se pelo menos fosse só isso, mas não, a revisão também é abaixo da média pra uma editora de porte respeitável como a Leya. Erros de vírgula, concordância, ortografia. Todos perfeitamente evitáveis, se o livro tivesse sido lido mais de uma vez pelo editor. Isso sem falar das coisas que não estão erradas, mas estão mal-escritas. Muitas vezes me vi perguntando que porra o editor estava fumando pra deixar certos trechos passarem.

Admito que a coisa começa a ficar interessante quando a história do templo do sexo tântrico começa a se desenvolver. Muitos conceitos poderiam ter sido trabalhados ali, desde o ciume até a relação entre espiritualidade e repressão sexual. Mas o narrador é um idiota, então nada disso é falado e todo o potencial vai pela descarga, sendo somente arranhado na superfície, e o sexo é narrado numa prosa digna de E. L. James; só várias releituras de Trópico de Câncer pra me exorcizar dessa desgraça.

Não consegui superar a estupidez de Narciso. Ele não só atrapalha o andamento da história com seu vocabulário simplório (cheio de "maldito"s e "desgraçado"s, como um filme dublado; leva umas 40 páginas pro autor perceber que ele pode escrever um palavrão sem problema), ele atrapalha toda atmosfera que o livro poderia querer passar ao leitor. Até agora não sei se o objetivo era fazer uma história de terror, porque não dá medo, principalmente quando o narrador passa a maior parte das cenas de tortura tirando sarro dos torturadores ou fazendo referências nerds durante seu próprio sofrimento; se era comédia, porque, a não ser que sua idade mental seja de 13 anos, não tem graça; se era suspense, porque é previsível.

Não vou dar spoilers. Eu queria. Faria de tudo pra impedir as pessoas de lerem esse livro, inclusive estragar o final. Mas parte do meu código de ética de crítico exige que eu sempre deixe uma brecha pra que o leitor procure o livro e tome suas próprias conclusões, afinal, por mais objetivo que eu ache que estou sendo, o livro não foi feito pra mim, não sou o público-alvo. Talvez você seja, talvez você me ache um filho da puta por estar escrevendo tudo isso, seu direito. Eu estou pouco me fodendo pra você. Mas a primeira parte do final (o culpado pelo caso da banheira), eu descobri logo no início. Só não previ o twist à M. Night Shyamalan que ele tirou do cu nas últimas páginas, mas foi uma merda, então não fazia questão nenhuma de ter adivinhado mesmo.

Espíritos de Gelo é um livro amador. Se eu não tivesse feito o dever de casa e pesquisado um pouco sobre o autor antes de fazer a resenha, teria achado que era seu primeiro livro. Na verdade é o quarto, o que só piora as coisas. Faria mais sentido se o livro fosse um primeiro rascunho escrito por um moleque de 15 anos que acabou de ler Stephen King e acreditou que também podia escrever um romance. Pra finalizar, Draccon, não é porque você escreve pra pré-adolescentes, que você precisa escrever como um. Tome nota disso e parta pro seu próximo livro, já que, se Paulo Coelho não parou, parar você não vai.

Nota: 1/5 - pra fazer caridade e porque eu gostei de ler o Narciso sendo torturado, achei até pouco.

Aviso: tendo lido um livro dessa tão talentosa nova onda de escritores comerciais do Brasil, é muito possível que eu escreva mais um texto sobre o conflito entre a alta literatura e os best-sellers, dessa vez falando internacionalmente.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Confissão no quarto 219 - parte 3 [conto]


Se você ainda não leu as outras partes, leia de uma vez:
parte 1: http://delirandoeescrevendo.blogspot.com.br/2014/02/confissao-no-quarto-219-conto-parte-1.html
parte 2: http://delirandoeescrevendo.blogspot.com.br/2014/02/confissao-no-quarto-219-conto-parte-2.html


Peguei o livro para analisar esse texto. A letra era horrível, como se eu, com meus tremores fosse o autor, claramente feito as pressas. A primeira palavra poderia tanto ser um título quanto o destinatário de uma carta, objetivo do escritor, com toda a certeza, ao escolher o nome de uma mulher para dar início ao texto. Mas carta não poderia ser. Não que toda carta deva ser enviada, mas essa nem poderia, exceto que toda a bíblia fosse junto. O que era aquilo era a pergunta que ficava. Começava com tom de poema, mas era todo escrito em prosa, mas era longo demais e o tom poético não se mantinha, tornando-se, mais para o meio, uma espécie de narrativa confessional bem direta e realista, se referindo a alguém como um pedido de perdão – obviamente à moça-título.
O início poético também tinha uma conotação bastante erótica. “Sonho com o dia que verei seus olhos em frente aos meus, olhos cor de terra e mel, olhos curiosos, olhos abertos, olhos vivos. Quero que me enterre com essa terra e me deixe enterrar-me em você. Se você é a terra, que eu seja o fogo, basta me olhar para abastecê-lo e ele nunca se apaga. Pôr-lhe-ei em merecido pedestal e me alimentarei de seu sexo como néctar divino que é, será meu templo, minha deusa, minha guia. Quero ver-lhe em gozo eterno, epiléptico, alcançarei sua divindade com minha torre de babel que fala e usa todas as línguas.” Nesse momento o autor dizia querer ver a moça, mas nas sessões diretas eles pareciam se conhecer, estar se conhecendo, nisso o erotismo quase imaginário desaparecia, afinal, a realidade deve ter atingido ao autor.
Era bem bonito, de qualquer forma. Por que escrito em uma bíblia e abandonado, não sei. Ficava mais irônico na frase “que esqueçamos Cristo e nos entreguemos a Dionísio”. Um pouquinho de heresia nunca faz mal.
A perda do erotismo, contudo, não era brusca. Acontecia ainda de maneira poética, quando o autor parecia encarar suas realidades e decidia analisá-las. “Você me deixa pornográfico, garota.”, ele dizia, assumindo sua própria exaltação. Mas não pedia desculpas. Questionava a si mesmo e a ela se a causa de seu desejo era séria ou impeto juvenil, primeira pergunta que qualquer apaixonado deveria se perguntar, independente das circunstâncias. Ainda assim, desaprovava que suas emoções fossem mantidas em silêncio e ainda encerrava: “Eras e mais eras disfarçando sentimentos, diminuindo-os, por medo de sabe-se lá o quê. Medo que se tire proveito da verdade, então chora-se pelo excesso de mentira. Por um instante, desejo ser diferente, desejo ir até você, minha musa, só para dizer-te estas mesmas palavras, com cada vírgula e entonação. Ria de mim, se assim for seu desejo, chama-me de louco, pois o sou. Perdoa-me se te incomoda quando eu digo que quero te apreciar e satisfazer, que quero te vulgarizar e, quem sabe - no futuro -, te amar; é apenas a verdade.” Primeiro o desejo, então a sua satisfação, e somente depois existe a possibilidade do amor. Concordava com cada palavra.
Então ele dava um salto e admitia frustração. Não com sua musa, essa ele se esforçava por compreender. Era uma frustração generalizada com a qual eu me identificava. Ele contava, nessa nova parte sem poesia, o que poderia ser um caso real, vagamente descrito. Senti-me envergonhado por minha leitura daqueles trechos, era como se invadisse as notas pessoais de um estranho, esquecendo-me que se tratavam de linhas abandonadas, quem poderia dizer quantas pessoas já não o haviam lido? Quantos não ficaram sabendo daquele começo de tarde, daqueles minutos de conversa tímida e tensa? E pior, quantos não ficaram sabendo dos pensamentos íntimos do autor naquele momento, todas as inseguranças que, no texto, ele fazia questão de relatar da forma mais literal possível, sem os disfarces confortáveis do símbolo e da metáfora. Prefiro nem parafraseá-lo por medo de desconhecer o que estou expondo, talvez só a última linha desse parágrafo, a mais chamativa e que resume tudo: “Viro as costas e contemplo a Terra que gira só para chegar sempre no mesmo lugar”. Não é isso a vida? Repetição constante. Acordar, trabalhar, almoçar, voltar para o trabalho, chegar em casa e perceber que é hora de dormir para que se possa acordar, trabalhar e seguir esse fluxo infinito com a ilusão de que o dia seguinte trará algo de melhor, que interromperá o ciclo. Mas quando algo de fato interrompe, como estava descobrindo, o sentimento é desconfortável. Não traz qualquer felicidade e faz com que você pergunte, então é isso? Será que vale a pena? Mas pensar em acabar com tudo e contemplar o nada é ainda mais terrível. Por isso seguimos girando em círculos como loucos iludidos.
O último parágrafo é um pedido de perdão. Por tudo, tanto para a musa quanto para o autor, que parece querer se auto-perdoar pelas próprias ações e erros. Arrepende-se por falar demais e criar expectativas inalcançáveis, se enganar e ainda cobrar dos outros que não cumpriram com as impressões que ele errou em ter para começo de conversa. Ego, ele repete diversas vezes. Todas as suas ações, quando analisadas com a devida sinceridade, não passavam de alimento para o ego. Até mesmo o texto que eu lia era apenas algo que ele poderia usar para demonstrar sua própria sensibilidade e visão de mundo – não é isso que todo o escritor faz? -, mas que não passa de masturbação, masturbação intelectual ou emocional que fosse. “É possível ser egocêntrico e se auto-desprezar?”, ele pergunta.
É com premonição, portanto, que o texto termina. “Mais possivelmente irei escrever um novo texto, falando sobre este texto e como ele não passa de uma série de autopiedade, e vou me arrepender de tê-lo mostrado para qualquer um principalmente você”. Enquanto eu terminava a leitura, via outro mosquito fazer sombra ao passar ao meu lado. Por um instante me esqueci tudo que li, fecho a bíblia e voltei à caça. Estava na cabeceira marrom da cama, tentando se camuflar, mas eu o via. Sentei-lhe uma porrada sagrada e ele se desmanchou como seu parente, deixando duas marcas de sangue na contracapa do livro. 

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E tem mais uma última parte.
Obs.: se o texto da bíblia parece familiar, é porque é um poema que eu fiz uns meses atrás e coloquei no blog em dezembro. Ele foi removido esse mês e não vai voltar, sinto muito.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Mozart In The Jungle [Série, 2014] - Jason Schwartzman, Roman Coppola, Alex Timbers


É bem raro que eu escreva de séries, isso porque a maior parte das que eu acompanho e acompanhei ou já estão muito avançadas nas temporadas e eu só as descobri recentemente (Curb Your Enthusiasm, Louie) ou são antigas (Seinfeld, Monty Python's Flying Circus) ou foram canceladas (Bored to Death). É a primeira vez que eu assisto uma que nem foi definida como série ainda, que só lançou o piloto e ainda está no limbo, apesar de eu ter quase certeza que vai ser pega. Sendo assim, considerando a raridade que é ver uma série nesse blog, vocês já podem imaginar que a coisa é boa. Pra não perder o costume, falarei sobre o enredo desse primeiro episódio.


Começa com Hailey (Lola Kirke, que trabalhou no nacional e bem interessante. embora eu não tenha visto ainda, Flores Raras, baseado no romance Flores Raras e Banalíssimas), jovem oboeísta que dá aulas para um moleque desinteressado, mas de família rica, além de outros bicos para poder sobreviver, como por exemplo parte da banda de apoio no musical Oedipus Rocks (sim, uma sátira de Édipo Rei, musical, usando canções do Styx - Come sail away/come sail away/come sail away with me...). Enquanto isso, o maestro Thomas (Malcolm McDowell, conhecido por Calígula e Laranja Mecânica) encerra seu último concerto e apresenta seu substituto, Rodrigo (Gael Garcia Bernal, conhecido por Amores Brutos), um jovem excêntrico, mas muito premiado e disputado pelas orquestras de todo o mundo (possível sátira do maestro Gustavo Dudamel, que ganhou o prêmio Mahler aos 20 anos de idade, enquanto Rodrigo ganhou aos 12). Rodrigo chega anunciando mudanças, o que não agrada nem um pouco a Thomas, que por sua vez percebe que sua apreensão é devida somente ao fato de que o tempo dele passou e Rodrigo não é tão distante do que ele era quando jovem.

Nada melhor para falar de incesto e tragédia que Styx.
A série é baseada na autobiografia da oboeísta da Orquestra Filarmônica de Nova York, Blair Tindall, Mozart In The Jungle - Sex, Drugs And Classical Music (Mozart na Selva - Sexo, Drogas e Música Clássica), que foi muito bem falada pela crítica e me deixou interessado, além de ter intrigado muitos leitores que viam músicos de orquestra como figuras quase sacras, disciplinadas, treinadas para aparecerem de roupa elegante no dia certo do concerto,  tocarem suas peças e desaparecerem para seus quartos e lá praticarem ainda mais. Blair mostrou que disciplina é necessário para um músico de treinamento clássico, mas, no fundo, são todos parte da mesma cena boêmia que todos os outros artistas. E é nesse contexto que Mozart In The Jungle, a série, se desenvolve - ou pretende se desenvolver, caso seja escolhida.

Metrônomo + Baseado, muito eficiente.
Não tem muito o que falar dessa série ainda já que até o momento só tem um capítulo. É muito bem filmada, pelo que eu pude perceber. Gosto de séries que poderiam passar como filmes e essa é uma, não tem aquelas situações forçadas nem diálogos moldados para encaixar piadas, é tudo muito natural. O que mais me impressionou mesmo foram os atores, tem gente de todo o tipo aqui. Gente experiente com alguns bons filmes no currículo (Garcia Bernal), gente nova e muito talentosa (Lola Kirke), até lendas do cinema (Malcolm McDowell).


Por enquanto, as primeiras impressões foram de grande surpresa. Eu não esperava tanta confiança e precisão de uma série nova, a maior parte dos personagens já parecem muito bem formados e com uma história própria bem promissora. Até os secundários, caso sejam mantidos - não sei exatamente quem é importante ou não ainda -, têm potencial e são interpretados por atores excelentes.

Joshua Bell encontra Calígula.
A trilha sonora é um caso a parte, mas eu sou um grande admirador de música erudita desde criança, o meu primeiro contato consciente com a música foi por meio de uma coletânea abandonada de CDs de compositores clássicos que meus pais largaram numa gaveta e eu meio que achei, sei lá como, e decidi ouvir. Tudo no episódio girou em torno da música, ainda assim, não é necessário ser um amante da música para poder apreciar a série. Fora o enredo incomum, as complicações são muito identificáveis. Até o momento foi possível perceber, entre os conceitos trabalhados no piloto, o problema dos excessos, os medos da juventude e da velhice, planos de carreira, sonhos; nem tudo é Mozart, ele só está presente pra dar um diferencial bacana e muito necessário.


Para fins informativos, a série, além de ser baseada no livro já citado, foi criada por Jason Schwartzman (da ótima série Bored to Death, da qual falarei um dia, e mais uma série de filmes do Wes Anderson) e Roman Coppola (atenção ao sobrenome). Eu pretendo acompanhar, caso o piloto vire série, e recomendo principalmente aos que se interessam por música clássica; aos que não, vale experimentar, a série por si só, sem música, é bem interessante.

Nota: 5/5 - farei outra resenha no fim da temporada, só pra comparar. (Avisando, a série já pode ser encontrada no PirateBay, ou de graça no site da Amazon - eles têm um canal de TV nos EUA agora e são eles quem se propuseram a passar essa série.)

Umas cenas, só pra dar o gosto:



E essa é a excelente interpretação da quinta de Beethoven, por Gustavo Dudamel, só pra vocês compararem com o Rodrigo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Frances Ha - Noah Baumbach (2012)


Essa vai ser uma resenha diferente porque eu ainda não sei o que achei desse filme. Bom que eu tenho uns parágrafos para enrolar antes de chegar ao veredicto. Antes de qualquer coisa, como sempre, lhes darei a sinopse.

Frances (Greta Gerwig, que ajudou a escrever o roteiro) é uma dançarina em Nova York. Naquele momento ela era só assistente na academia de dança, mas sonhava em desenvolver e dirigir coreografias próprias. No entanto, tudo começa a desmoronar em sua vida. O namorado, pra quem ela já nem ligava muito, terminou com ela; a melhor amiga decidiu casar com seu noivo, mesmo que a relação dos dois seja instável, e a deixa em segundo plano; seus amigos artistas, que nunca são vistos fazendo arte, também têm mais o que fazer, como ir à festas e foder desconhecidas; e seu trabalho já não precisa tanto dela, exceto que ela aceite um emprego não-criativo de recepcionista.


O grande mal que veio já da geração anterior a minha e está aí até agora é o dilema: "o que eu vou fazer da minha vida." Sério, não conheço ninguém que tenha nascido entre 68 e 94 (potencializando a partir do fim da década de 80) que não tenha passado noites em claro com esse questionamento. Obviamente, é essa dúvida que serve de combustível para nossas criações - aqueles que se dão a criar coisas. É o caso de Noah Baumbach e centenas de outros artistas, em todos os campos artísticos. Por isso tantos filmes e livros lançados na década de 00 e na de 10 (sim, estamos nos anos 10 de novo) tratam disso. 


Eu mesmo simpatizo com esse dilema, não sou diferente. Mas a Frances me deixou puto. Sério, durante uns 45 minutos de filme, a desprezei como personagem, mesmo que eu pudesse compreender aquilo que a angustiava. Vou dar um exemplo pessoal pra que eu não soe babaca. Quero ser escritor, não é segredo pra ninguém, é um sonho meu. Claro que eu gostaria de passar meus dias trabalhando com a escrita, mas não dá. Tenho conta pra pagar, condomínio, luz, internet, supermercado, enfim a vida é dura. Não tenho quem pague isso por mim, mas, mesmo que tivesse, o ponto chave aqui é que eu não sou tão indecente a ponto de permitir que alguém me sustente, não na altura dos meus 22, quase 23, anos de idade - só pra constar, Frances tem 27.

Mas o problema aqui ainda não é só ser sustentado. Isso acontece, temos altos e baixos. Ela perdeu o emprego. Verdade que logo em seguida a própria empresa a ofereceu uma vaga na recepção, que ela recusou por se achar importante demais pra isso - outro mal dessa geração, achar que vai começar de cima, pode sonhar minha criança, cargo alto não vai cair no teu colo e, acredite, se caísse, você não ia saber o que fazer com ele tendo só uns diplomas e nenhuma experiência. De qualquer forma, acontece. Só que a garota decide ir pra Paris em uma cena, assim, do nada. E chegando lá, dorme. Vê se não dá vontade de matar uma dessas.


Só que isso não deveria prejudicar o filme. É um estudo de personagem, e é fato que, por isso, um personagem desagradável prejudica a trama, mas esse é o objetivo, eu acho. A ideia é mostrar uma garota iludida com seu próprio potencial e planos de futuro, só para que ela aprenda a aguentar a queda de tudo. E tudo cai e ela é obrigada a virar gente. Foi a partir daí que eu aprendi a gostar da Frances. Ainda acho que o fim foi uma mentira, mas eu não quero estragar a obra pra ninguém.

Uma coisa é inegável, Frances Ha é tecnicamente impecável. O preto e branco se encaixa perfeitamente com o tom Nouvelle Vague que o retrato dessa nova boemia - um pouco burguesa demais pro meu gosto - quer passar. As atuações são excelentes, até dos personagens menores, muito embora todo o destaque vá pra Greta Gerwig, excelente atriz da qual nunca tinha ouvido falar antes. Que foi? Detestei a personagem dela, é por isso mesmo que digo que ela interpretou perfeitamente, se fosse mal feito, me teria sido indiferente.


Ainda não me posicionei quanto a esse filme. É mais que claro que gostei, do contrário não teria perdido tanto tempo tentando entendê-lo corretamente. Ainda assim, certas partes - principalmente o fim - são idealizadas. Sim, a Frances sofre, mas só por 15 minutos. As outras personagens também dão sinais de mudança, mas sempre voltam atrás. Dito isso, o enredo que me desagrada pessoalmente é apenas uma parcela do filme, enquanto a obra por completo é extremamente competente.



Deixando todas essas dúvidas de lado, afinal não é importante, indico esse filme. É identificável, principalmente se você está alcançando a maioridade ou vivendo seus vinte e poucos, nem que seja como um guia do que não fazer. Minhas discórdias, fortes que fossem, não atrapalharam a experiência do filme, na verdade nem pude me distrair para pensar nessas coisas, elas só vieram depois do fim, quando tive que racionalizar tudo para preparar a resenha. Outra coisa, me interessei muito pelo trabalho do Noah Baumbach. Ele já tem uns 3 filmes no currículo, além de Frances Ha, todos bem elogiados, mas nunca tinha ouvido falar dele antes. Um filme que, goste ou não, fica na sua cabeça, e só isso já garante alguma qualidade.

Nota: 4/5