Páginas

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Por que Não Dançam [Why Don't You Dance?] - Raymond Carver (1981)


Essa resenha vai ser um pouco diferente. Estou lendo essa coletânea de contos do Raymond Carver, Iniciantes, mas estou levando muito tempo para terminá-la. Acontece que um conto muito bom é capaz de entregar o mesmo peso emocional de um romance para o leitor, o que torna difícil, pelo menos pra mim, uma leitura em sequência contínua de vários contos do mesmo autor. Estou indo ao poucos, uns três por semana, revezando leituras, comecei também a ler os contos completos da Flannery O'Connor e estou em dúvida se começo um romance ou não, talvez espere minha edição de Medo e Delírio Em Las Vegas chegar. Por causa dessa lentidão e da profundidade das histórias curtas, decidi resenhar um conto por vez de Iniciantes, ao invés do livro como um todo. Começando pelo melhor até agora, "Por Que Não Dançam?"



Um jovem casal passeia pela rua, então vê, em frente a uma casa, o que parece ser uma venda de quintal, um monte de objetos, mobília, quase uma casa inteira, espalhados e postos a venda. Os dois, começando a vida de casados, decidem dar uma olhada. Precisam de uma cama, uma poltrona, mas ninguém parece estar tomando conta das coisas. Eles experimentam a cama e um homem de meia-idade, dono de tudo aquilo, aparece e diz para que eles fiquem a vontade. Ele lhes serve de umas bebidas, conversam, e os jovens dançam no quintal, enquanto a vizinhança assiste.

Uma história muito simples contada em um estilo ainda mais simples, bem no estilo iceberg à Hemingway. Não se sabe muito do homem de meia-idade, mas a forma curta do seu diálogo dá a entender uma certa tristeza e um olhar de nostalgia perante os jovens, que por sua vez são despreocupados e aproveitam os preços baixos dos objetos, sem pensar duas vezes, e bebem com esse homem.

Uma interpretação seria que o dono dos objetos acaba de ter sua vida arruinada. Considerando os outros contos do autor, provavelmente divórcio motivado por alcoolismo somado a toda a sequência de fracassos que se chama vida adulta. As ruínas são os objetos que ele vende indiferentemente, sem pensar no que fazer depois.

Os jovens são um reflexo invertido. Estão começando, sem tantos meios financeiros, mas cheios de esperança. E, vale apontar, o rapaz bebe pouco ainda, cai com poucas doses de uísque, claramente por falta do hábito. Hábito que pode ter arruinado a vida do homem que lhes vende os objetos. É o novo se construindo sobre as ruínas, basicamente. A nova esperança surgindo após o fracasso e o fim dos sonhos. Tudo isso em pouquíssimas páginas.

No fim, ainda - e me perdoem, mas acho spoiler frescura -, a forma que a jovem conta para seus amigos sobre o encontro com o homem fracassado, tem um tom de "isso nunca vai acontecer conosco". Esse "conosco", não apenas ela e seu marido recente, mas o casal de amigos também, que vivem a mesma situação. Eles escutam os discos que o homem os cedeu, sentados sobre o sofá que ele os vendeu pelo preço mais baixo possível, e conversam sobre como os dois dançaram no quintal, em frente a toda a vizinhança.

É o conto inicial da coletânea e já estabelece a força de todos os contos que seguem. Tanto que, em comparação, alguns outros acabam decepcionando. Até hoje, essa é uma das histórias mais famosas do Raymond Carver e até foi meio adaptada para o cinema no filme, Pronto Para Recomeçar (Everything Must Go), que eu não vi, nem me interessei em ver e não acho que seja um bom  ponto de referência para a história. Não seja preguiçoso e adquira Iniciantes, mesmo que seja só para essa história, embora eu adiante, não será.

"Por que não dançam?" foi primeiramente publicado na coletânea "Do que falamos quando falamos de amor", primeiro livro de Carver e severamente editado. Iniciantes é a republicação na integra dos contos antes fatiados. No link a seguir, uma amostra de Por que não dançam?, oferecida pela Veja:
http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/iniciantes.html

Nota: 5/5

Um comentário:

  1. Gostei muito da sua avaliação. Interessante que até estou lendo esse mesmo livro. E até agora, foi justamente esse primeiro conto que eu achei o fraco em relação aos outros.

    ResponderExcluir

caixa do afeto e da hostilidade