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domingo, 19 de outubro de 2014

Sobre vender livros; um relato.

Novidades dessa terra distante chamada Itajaí, inaugurou-se no shopping, dia quinze de outubro, uma livraria catarinense. Para vocês que não sabem, anos atrás houve aqui uma livraria época, logo em frente à faculdade, esta fechou pouco depois de eu me mudar para cá. Desde então essa pequena cidade pôde contar com nada em se tratando de literatura, com exceção de um sebo, grande e com acervo surpreendente, porém ainda assim contendo apenas livros usados e uns poucos livros novos superfaturados. Não é surpresa que, quando soube da notícia, me animei e fiz planos para visitar essa tal livraria logo na inauguração. Bom, não na inauguração, pois dia quinze foi quinta e quinta eu trabalho e é foda sair de casa depois do expediente, é foda sair de casa toda vez que me vejo em casa, para ser sincero. Mas no fim de semana após a abertura me pareceu um dia razoável para conhecer o lugar. Eis que hoje - sábado, data em que fui à livraria e em seguida escrevi o texto, não necessariamente a data em que vocês leem o post -, com meio litro de vinho do porto no sangue - notei que o álcool muito facilita para mim o ato de fazer compras, não sei bem por que, acho que simplesmente porque interajo melhor com seres humanos com algum incentivo -, vinho este que me abastece ao redigir este relato agora, fui conhecer o recanto. Esperava menos. Esperava duas ou três estantes mal organizadas, atoladas de Nicholas Sparks e Paulo Coelho. O que encontrei foi uma livraria de verdade, com vendedores o suficiente para um público razoável, e variedade para satisfazer até leitores chatos como este que vos escreve.

Não gosto de comprar seja o que for, me deixa nervoso. A sensação de vendedores me cercando e sugerindo coisas que não quero me incomodam, eis a necessidade do álcool. Normalmente, quando sóbrio, tento constranger vendedores, deixando claro que não tenho dinheiro para as coisas que eles me indicam ou que não tenho interesse ou conhecimento sobre o produto. Não é intencional, sei que são trabalhadores honestos e respeitáveis, é só um instinto que busca proteger minha carteira, inapropriado talvez, mas já digo a vocês, leitores que me julgam, que nunca tive problemas com vendedores justamente por causa desse meu instinto; raramente sou cercado e forçado a ver coisas que não me interessam. Essa foi minha primeira surpresa agradável na livraria catarinense do shopping Itajaí, ninguém me cercou. Sim, os vendedores me notaram e fizeram uma ou duas passagens em minha frente para que eu os notasse e pedisse informação - o que eu não fiz -, mas não estabeleceram contato. Eles me deixaram sentir a atmosfera da livraria em paz - e vocês leitores bem sabem que livrarias têm atmosferas próprias. Me permitiram ver os títulos, folhear um ou dois livros. Só então, quando eu acidentalmente examinei uma mesma estante duas vezes achando que eram estantes diferentes - efeito colateral da bebida -, que um vendedor me perguntou o que eu procurava.


Ainda queria ver títulos sem a incomodação de um vendedor, então o encaminhei a uma caçada que eu imaginava seria infrutífera. Pedi qualquer livro que fosse do Sérgio Sant'anna. Se eles tivessem algum - eu já havia vasculhado a sessão de literatura brasileira, portanto seria muito difícil que ele encontrasse qualquer coisa -, havia setenta porcento de chances de eu já ter o livro. Caso encontrassem um que eu não tivesse, bom para mim, livros do Sérgio Sant'anna são sempre bons e ele tem dois lançamentos nos quais eu estou de olho (Homem-Mulher, livro novo lançado esse ano, e Concerto de João Gilberto em Copacabana, relançamento de um de seus clássicos, programado para lançar mês que vem - e é por esse meu conhecimento que eu acho que a Companhia das Letras devia me ceder uma parceria, mas, ei, não me importa, vou resenhar de graça os livros dessa editora de qualquer forma). Dois minutos depois ele volta com a esperada notícia de que eles não tinham nada do autor ainda, mas a loja estava aberta a apenas três dias e mais coisas viriam no futuro próximo, tanto que eu podia notar que as estantes estavam vazias ainda, salvo pelas sessões de biografias e juvenil, estas estavam socadas. Mandei-o a uma nova busca, dessa vez com real interesse. Queria o livro novo do Milan Kundera, Festa da Insignificância. Fiz questão de dizer para ele autor, nome do livro, editora e ano de lançamento, para auxiliar a busca e para que ele soubesse que não falava com qualquer leitor casual por aí, que eu sabia o que eu queria e como encontrar. Essa segunda busca levou mais tempo, o suficiente para eu encontrar o novo romance da Luisa Geisler, a mais jovem das autoras a ter um de seus contos publicados na Granta dos melhores autores jovens brasileiros, e com uma coleção de prêmios surpreendente para sua idade, chamado Luzes de emergência se acenderão automaticamente.


Enquanto eu lia a sinopse do livro da Luisa, o vendedor voltou com A Festa da Insignificância em mãos. Perguntei os preços de tudo. Verdade que estavam mais caros do que estariam se eu comprasse pelo Ponto Frio ou pelo Extra, mas a vibração de uma livraria é outra. Além do mais, quanto tempo eu esperei por uma dessas abrir aqui nessa terra literariamente desamparada? Tenho mais é que prestigiar e usar meu dinheiro como um investimento, um agradecimento aos deuses da literatura que seja.

Estava decidido a levar os dois livros e ir embora, eis que surge a razão desta crônica improvisada - o verdadeiro vendedor de livros, o exemplo a ser seguido por todos que ambicionam tal carreira. Do nada, ele surgiu com um livro em mãos.

- Eu vi que o senhor estava vendo literatura nacional, conhece Evandro Affonso Ferreira.


Esse homem tem uma bola de cristal ou coisa assim? Não falei pra ninguém que procurava esse autor, não demonstrei que estava frustrado por não encontrá-lo. Como ele sabia? O bom vendedor de livros é observador. Deixa o comprador vasculhar as estantes, deixa que ele pegue um ou dois livros para análise - presta atenção no que está sendo analisado -, deixa até que outro vendedor tome para si o comprador - prestando atenção no que esse vendedor trás para o comprador. Só então ele vem com exatamente o que o comprador em questão procura. Os piores dias de minha vida foram todos, o lançamento do autor. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele acrescentou:

- O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam - livro anterior do autor - é um dos melhores que eu já li na vida, levou o Jabuti ano passado.

Sim, eu sabia. Estava atrás desse livro do mendigo há meses, mas sempre que ia às livrarias online me esquecia dele. Li Barba ensopada de sangue esse ano, livro que perdeu para O mendigo, claro que queria lê-lo. Perguntei se não tinha esse livro ao invés do lançamento mais recente.

- Não senhor, ainda não, talvez no futuro.

Gostaria de apontar que muito me incomoda, aos vinte três anos, ser chamado de senhor, mas não falei nada por achar que é padrão entre esses vendedores. Disse que ia levar aquele de qualquer forma, desde que eles me dissessem o preço, já que, dependendo da resposta, a compra do livro da Luisa estava em jogo, ela que me perdoe. Não foi necessário, levei os três. Fiz a compra e, ainda por cima, um desses cartões fidelidade que não faço em lugar nenhum. Saí satisfeito, testemunha do que eu juro ter sido a venda perfeita. Infelizmente, o vendedor, como todo o artista, não soube ganhar dinheiro. Na hora de me entregar o cartão que iria contabilizar a comissão do vendedor - se ele ganharia comissão, não sei -, apenas o primeiro vendedor me deu um cartão. O outro, fez a venda perfeita, mas saiu de mãos vazias. A não ser que, depois, eles tenham negociado alguma coisa. Duvido, o vendedor, acima de tudo, é um canalha por natureza. Esse é o nosso mundo injusto.

Eis aqui uma indicação totalmente gratuita, feita de coração. Não se enganem achando que eu ganhei um puto que seja para fazer esse texto. Ninguém nunca me pagou por minhas palavras escritas, nem acho que um dia irão - minhas esperanças decaem dia após dia. Mas se você, que me lê, é de Itajaí ou região - ora se apresente, filho(a) da puta, quero conhecer você -, vá à livraria catarinense do shopping Itajaí. Você será bem atendido e saíra com os livros que procura.

6 comentários:

  1. As livrarias, por si só, já são bons lugares para estar e quando somos surpreendidos, melhor ainda.Gostei do relato e das dicas de livros, Raphael.Outro dia mesmo estava na livraria e a vendedora me indicou um livro de um autor brasileiro, acabei comprando, mas ainda não li, porque estou lendo No caminho de Swann e tenho leitura por bom tempo.rs

    Vc é novo ainda e faz muito bem o que se propôs a fazer ... no tempo certo as coisas irão acontecer..)

    Beijinho.

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    1. Sim, fazia anos que eu não frequentava uma livraria. Foi uma novidade agradável.
      No Caminho de Swann...quero muito ler Proust num futuro próximo. Imagino ser uma leitura que possa levar anos, até uma vida toda.
      Obrigado, mas a verdade é que, quanto mais tempo passa, menos falta faz a publicação "real".

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  2. Que crônica maravilhosa! Adoro ler seus relatos do cotidiano porque sempre acabo dando boas risadas e imaginando as cenas.
    Fico muito feliz em saber que finalmente tem uma livraria nessa cidade.
    Eu sempre preferir comprar livros diretamente na livraria pela emoção de já sair com o livro nas mãos.

    Desses que você citou, já tinha ouvido falar do livro da Luisa Geisler, que me atraiu principalmente pelo título; O Kundera está de volta! Fiquei sabendo agora que este é o novo livro dele.E pelo que pude ler sobre, me parece que vou gostar e você também; Outro que me atraiu pelo título foi o do Evandro Affonso Ferreira e que só fiquei sabendo da existência agora também. Estão todos devidamente marcados no Skoob para que em um futuro mais tranquilo eu os possa lê-los.

    Já comigo, quando vou em livrarias, fico penando a procura de um vendedor para me auxiliar e custo a achar. Mas quando vou em lojas de roupas ou de calçados...

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    1. Muito obrigado Maria. Eu gosto de fazer esses relatos, mas são raros porque é difícil me ocorrer um que me permita ao mesmo tempo uma história engraçada e manter minha discrição pessoal e dos que me cercam.
      A capa e o título do livro da Luisa Geisler me pegaram de imediato. Só fui ver quem era a autora depois, quando decidi que ia comprar.
      O Kundera, mais uma vez, é genial. Ao estilo dele, aqueles que não gostam continuaram não gostando. Estava quase certo que esse ano o Nobel seria dele, só isso já devia me servir de aviso que não o seria.
      Evandro Affonso Ferreira é um poeta, daqueles que constroem cada frase com a precisão de um escultor. A narrativa, por outro lado, é um tédio - por mais que me doa dizer isso. Não sei como me sinto quanto a esse livro ainda.

      Acho que os vendedores estão assim lá porque são gente como eu, ansiosos e animados por verem uma livraria em Itajaí.

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  3. Olá, Raphael! Acho que vou encomendar mais vendedores como esse daí da livraria aqui para o Rio, porque realmente não se acha mais vendedores assim! u.u Adorei o seu relado, me identifiquei em algumas partes e vou ficar torcendo para que todos os livros que você comprou sejam ótimos! Abraços!

    www.bibliophiliarium.com

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    1. Até agora os livros são muito bons. O do Evandro Affonso Ferreira nem tanto. Quero dizer, tem momentos de perfeição, mas outros que se arrastam que parece até que o livro tem 1000 páginas e não 120.
      Obrigado pela visita e, ei, o Rio pode não ter vendedores, mas tem mais livrarias.

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