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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pierrot, Le Fou [O Demônio das Onze Horas] - Jean-Luc Godard (1965)



Mais um filme do Godard por essas terras e, principalmente, mais um filme do Godard com a Anna Karina no papel principal. Não existe outra atriz tão bonita quanto ela. Talvez até algumas se aproximem (Brigitte Bardot, Sophia Loren, Marylin Monroe, Audrey Hepburn, a lista só cresce), mas superar, isso eu não creio que seja possível. Mas é melhor que eu pule logo para o enredo antes que eu me perca de vez nessa resenha.

Como o Godard espera que eu preste atenção em qualquer outro aspecto do filme...?
A história de Pierrot, Le Fou (Pierrot, o Louco, só que os hábeis tradutores tupiniquins opinaram por "O Demônio das Onze Horas", muito embora não tenha nenhum demônio no filme, nem nada aconteça às onze horas, talvez assim eles pensem que deixa mais misterioso, não sei, mas é melhor que "Demônios da Garoa"), envolve a relação de Ferdinand (Jean-Paul Belmondo, que pode até ser uma lenda do cinema francês, mas quando ele divide a tela com Anna Karina, eu não estou nem aí) e Marianne Renoir (Anna Karina, naquela época, um sinal de que algo divino pode comandar nosso universo). Marianne insiste em chamar Ferdinand de Pierrot, mesmo que ele reprove o apelido; isso pode ser em referência ao palhaço trágico e traído do mesmo nome ou do primeiro grande criminoso procurado da França, Pierre - apelidado de Pierrot - talvez os dois.

Hmm...
Esses dois estão cansados da vida burguesa comum, e isso fica bem exposto na cena da festa, cercada de gente superficial e frases literalmente retiradas de comerciais de televisão. Então eles decidem fugir, deixando um rastro de roubos e assassinatos no caminho; gerando inimizades e problemas. Além de terem que viver uma vida de crimes, a relação entre Ferdinand e Marianne também vai esfriando, ele envolvido em um mundo de intelectualidade, em busca de escrever um romance perfeito que nunca realmente sai do lugar, e ela querendo vivenciar o mundo e se divertir em liberdade.

Aaaah, minha pele está queimando com esse olhar, mas é bom.
Se tem uma coisa que Godard sabe filmar, além de cenas desconexas e filosóficas que deixam o espectador perturbado, é um casal em declínio. Esse foi o primeiro (e se eu não me engano último) longa metragem que ele fez com a ex-esposa depois do divórcio, e a pessoalidade das situações e dos diálogos escorre pelas cenas. É como se ele filmasse afim de descobrir suas próprias emoções, desde o início aventureiro e fascinante, até o tédio da repetição, enfim o adultério e a tragédia.

Sim, quase todas as fotos que eu tirei foram dela, mas eu lá tenho culpa? Estranho seria se não fosse.
Mas não é só do casal que vive Pierrot, le Fou, pelo contrário, são tantas pequenas coisas que seria possível desenvolver um texto imenso analisando cada aspecto, se eu tivesse a competência para tal. A verdade é que é impossível captar todos os detalhes assistindo só uma vez, é um filme que pede por novas visitas, desafiando o espectador a encontrar coisas novas.

O mais interessante talvez seja a forma que Godard brinca com os estilos e gêneros do cinema. Fazendo o que seria um simples filme "casal de criminosos em fuga", ele faz observações sobre a arte (literatura, cinema, música, pintura, cada uma dessas recebe sua citação), filosofa, faz poesia, faz musical, faz sátira, faz crítica a política americana e a guerra do Vietnã, faz humor, faz romance e faz tragédia, até o uso da cor é genial. Tudo ao mesmo tempo e no ritmo de um atropelamento - reza a lenda que esse filme não tinha script, foi acontecendo conforme Godard inventava, porém Anna Karina reafirmou que, mesmo sem script, ele foi extremamente perfeccionista e organizado, eu digo que faz todo o sentido.

Ok, uma pausa. Mas ela ainda está lá no fundo.
Isso me leva a outro fator, a direção. Os dois atores fazem um trabalho espetacular, mas alguma coisa na Anna Karina (e eu juro que isso não é só minha tara falando mais alto) que rouba toda a cena. Outra lenda reza que a tensão entre Godard e Karina era tão forte que os dois se agrediam verbalmente no set - não só nesse filme, mas em outros também -, ainda assim ele conseguia arrancar uma performance perfeita dela e ela mesma era consciente disso - seus melhores anos como atriz foram sob a direção de Godard. Aqui ela atua com os olhos (com os belos olhos azuis que ela tem), cada movimento tem um significado emocional, cada expressão é perfeitamente precisa com o tom da cena. Ela conseguiu, em Pierrot, le Fou, realizar a performance perfeita.

Agora que eu parei pra pensar, ninguém vai ler essa resenha.
Pierrot, le Fou é bem conhecido como o mais apreciado dos trabalhos de Godard, assim como marca uma espécie de transição de fases em sua obra. Aproximando-se do final do filme, a impressão que você, meu leitor, terá depende apenas da sua tolerância para insanidade - eu achei perfeito. Talvez não seja o ideal para uma pessoa que não conhece o diretor sair experimentando, mas para os que já sabem com quem estão lidando, é obrigatório.

Nota: 5/5




sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Alice - Jan Svankmajer (1988)


Certas histórias têm aquele tom atemporal, não é? Têm décadas de vida, acompanharam gerações, mas sempre mantém seu valor cultural. Outras, ainda melhores, são ambíguas o suficiente para sempre carregarem um sentido diferente sempre que são recontadas ou adaptadas. Isso explica o número de adaptações em cima da clássica história de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas. Isso ou é porque está em domínio público.

Eu não tenho nada a dizer quanto a isso.
Vou começar deixando bem claro que não li o original, embora esteja em meus planos, acho que vi o desenho, mas isso já deve fazer uns 15 anos, não lembro de nada, ainda assim, como todo ser humano que não passou a vida embaixo de uma pedra, eu conheço a história. Só que, dentre todas as adaptações, essa é a primeira que realmente me chamou a atenção.
Ainda nada.
Essa versão não muda muito na história. Alice é uma menina que um dia vai parar em um mundo mágico, sem regras, cheio de criaturas bizarras. Como ela vai parar lá? Isso depende da sua interpretação e da versão que você está assistindo. A diferença entre esta versão checa e as outras está na execução. 

AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!!!!
Enquanto as versões mais conhecidas focam no lado infantil, este foca no bizarro e surreal, deixando clara a atmosfera logo no começo, quando Alice (Kristýna Kohoutová, uma criança competente, mas que nunca mais trabalhou como atriz, aparentemente), ao seguir o coelho pela gaveta que serve de "portal" para o País das Maravilhas, se corta com um compasso, significando que, nessa versão, Alice pode se machucar. 

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!!!!!!!
Outra diferença é a estética das "criaturas". Ao invés de desenho animado ou computação gráfica ou seres humanos fantasiados, essa versão faz uso de stop-motion com bonecos e uma forma tradicionalmente checa de teatro de marionetes. Isso torna o filme, se não mais realista, mais aterrorizante. Sim, por mais que o filme diga logo na primeira fala que se trata de um filme para crianças...não é um filme para crianças. Tem seu lado infantil, mais ou menos, mas as criaturas podem servir de combustível para pesadelos até dos adultos. Sem falar da forma surreal como tudo se move e o clima sombrio, sem música e com apenas uma voz dublando as personagens, da filmagem. Essa Alice é bem diferente das outras, apesar de existir versões que foquem no lado sombrio da história, essa consegue equilibrar os dois lados, deixando tudo ainda mais estranho, o que era o objetivo do diretor, que disse estar desapontado com as outras versões do filme, que o interpretam como conto de fadas, enquanto ele queria filmar um sonho amoral - isso ele conseguiu.

PUTA QUE O PARIU!!! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!!!!!!!!!!!!
MEUS OLHOS!!!!!!!!!!!!
Uma coisa que pode distrair o espectador são as falas, sempre seguidas de um close na boca de Alice dizendo: "disse o Chapeleiro" ou "disse Alice" ou "Alice pensou consigo mesma". Fica chato depois da 6 vez, pior na versão que eu baixei, dublada em inglês pela Camilla Power, que tinha uma voz bem irritante na época, não sei dizer hoje. Creio que o objetivo fosse separar a história da realidade e realmente incomodar quem assiste, o que é comum no surrealismo, sendo assim, cumpriu seu papel. Existe uma versão legendada e com o áudio original, mas eu só fui descobrir isso depois. Se você está pensando em ver esse filme depois da resenha, procure a versão com o áudio original, deve ser melhor.

Tá, agora o filme acabou de ficar falicamente obsceno...
Se você é admirador da obra original, busque ver esse filme, ou mesmo se você não conhece o original, mas quer uma visão diferente da história (que é o objetivo de toda a adaptação), essa talvez seja a melhor, mas eu não tenho conhecimento o suficiente para afirmar. É estranha, surreal e até assustadora em alguns pontos, mas é brilhante, justamente por causa disso.

E o filme termina da única forma que poderia terminar, considerando as coisas que essa criança teve que presenciar...Alice é uma psicopata.
Nota: 5/5


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Pola X - Leos Carax (1999)

Não é pornô!

Olá, você que ainda esbarra com esse canto obscuro e empoeirado da internet. Eu lancei um livro semana passada. Tá na Amazon. Talvez você goste de ler.

O link: https://tinyurl.com/yy394a8y

Meus agradecimentos a quem vier a comprar. Comprou? Leu? Gostou? Deixa lá um comentário pras pessoas ficarem sabendo que o livro é bacana.






Apesar do nome, Pola X não é um pornô. Existe a possibilidade de eu resenhar um terceiro filme pornográfico nesse blog (depois de Tudo Sobre Anna e Caligula), mas não será tão cedo - principalmente porque esse processo envolve assistir ao pornô do começo ao fim, com visão crítica, o que é mais difícil do que parece. Pola X é um filme do diretor francês tido como o filho da Nouvelle Vague, Leos Carax, o mesmo cara que fez um dos melhores filmes de 2012, Holy Motors, já resenhado por essas bandas.

Pola X é uma adaptação do romance de Herman Melville, Pierre; ou As Ambiguidades (em francês: Pierre; Ou Les Ambiguïtés - "POLA", viram? Sendo o X o numeral romano representando quantos rascunhos foram feitos para o script, ou seja, 10), que eu ainda não li, mas pretendo - assim como os outros livros do Melville.


É a história de Pierre (Guillaume Depardieu, filho do francês de todos os filmes, Gérard Depardieu), escritor jovem, de sucesso razoável, que mora com a mãe, Marie (Catherine Deneuve - Belle de Jour), em uma mansão herdada do pai. Ele é noivo de Lucie (Delphine Chuillot, que apesar de ser boa atriz, não teve nenhum outro papel expressivo, que eu saiba) e tudo vai bem em sua vida, até que Isabelle (Yekaterina Golubeva, conhecida por filmes estranhos e nudez), filha ilegítima de seu pai, na Europa Oriental, se revela e tudo vira um inferno.

Um prelúdio aos acordeões.
Apesar de o filme ter um tom modernizado, a história não é tão diferente da sinopse do livro fonte, então já dá pra perceber que esse não foi um livro bem visto em sua época, assim como o filme não foi muito aclamado nos dias de hoje. Mesmo assim o filme é ótimo. Leos Carax realmente sabe manejar a câmera, com um ótimo controle do cenário e da luz, conseguindo criar o tom sombrio que, conforme a história avança, vai se aproximando do bizarro, culminando com o sonho em que Pierre e Isabelle são levados por um mar de sangue.

Não censurarei esta foto.
Não é um pornô, como eu disse no começo da resenha, mas tem uma cena de sexo não-simulado entre os protagonistas, o que pode ter contribuído para as críticas negativas. No entanto a cena não me pareceu gratuita. O objetivo da obra original, afinal de contas, era abordar tabu, mesmo que pra isso fosse necessário chocar algumas pessoas. Uma relação incestuosa, nos dias de hoje, não choca em filme, mas o sexo real ainda choca, por algum motivo, então está mais que justificado. Além do mais, a cena é filmada com tanta angustia, que é possível, só por ela, sentir todo o clima do filme.


Assim como em Holy Motors, é possível perceber a crítica social, sempre com muita leveza, sem que o filme se torne político ou engajado. A crítica social servindo como um retrato da sociedade. E Pola X também tem uma cena musical, mais estranha, industrial, porém condizente com a atmosfera do cenário. 

Futebol não é uma exclusividade de The Room.
Tendo visto Pola X e Holy Motors, pude ver o crescimento do diretor. Bem filmado que seja Pola X, a edição, talvez por causa do baixo orçamento, tem alguns defeitos, cortes meio estranhos, nada comparado aos filmes de ação de hoje que fazem um corte a cada dois segundos, as cenas desse filme são longas, mas algumas vezes os cortes parecem deslocados. Distrai um pouco, mas não é nada grave.

"Onde eu tô? Ninguém me disse que iam fazer um filme aqui!"
É um filme que lembra um pouco os primeiros trabalhos do Godard, indicado para as pessoas que gostam do estilo. Sugiro que vejam Holy Motor primeiro, pra testar. Sobrevivendo e gostando da experiência, pode passar pra Pola X tranquilamente.

Nota: 4/5





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Até o Dia em que o Cão Morreu - Daniel Galera (2003)


Eu acho que essa é primeira obra nacional que esse blog fala sobre. Demorou quase dois anos, mas finalmente aconteceu. E não é nem como se eu evitasse livros nacionais ou coisa assim, verdade que minha estante tem bem mais internacionais - que é uma comparação meio esdrúxula, considerando que envolve um país contra o resto do mundo, ainda assim é bem comum; comparando-se por nações, diria que minha estante é bem equilibrada -, mas li alguns títulos brasileiros, não tão contemporâneos, só nunca me veio a vontade de falar sobre eles, esse caso foi diferente.

Até o Dia em que o Cão Morreu é a história de um cara sem nome, que imaginava que não teria dificuldades com a transição da adolescência para a idade adulta, mas, saindo da casa dos pais, percebeu que a coisa não seria tão fácil. Sem emprego, sem dinheiro, vivendo apenas com seus livros e tragos, ele encontra um cachorro. Cachorro que é meio parecido com ele, sem nome - até certo ponto da história, depois é batizado de Churras -, sem ter pra onde ir nem vontade de ir pra lugar nenhum. Além do cachorro, o protagonista vive uma relação com uma modelo chamada Marcela, que seria um oposto dele, mas nem tanto.

É uma história bem simples, não muito além do que foi descrito acima, tanto que só tem 104 páginas, mas cumpre perfeitamente o seu papel. A narração varia entre o minimalista e o poético, dependendo da necessidade, sempre oral e com tom de memória. Ocasionalmente surgem uns regionalismos, que me fizeram ler mentalmente a história toda com um sotaque gaúcho estereotipado.

Apesar da simplicidade, o enredo conta muito mais que só uma história, coisa que eu sentia falta entre os autores nacionais contemporâneos - internacionais também, já que estamos falando nesses termos. 

O cara sem nome reflete bem a visão jovem atual, pelo menos da classe média, com a ideia errada de que é fácil simplesmente pegar uma carreira e seguir com ela pro resto da vida. E se você não souber o que fazer? E se não quiser fazer nada convencional? E pra quê fazer qualquer coisa se tudo acaba na morte e todo o esforço é esquecido? Não só pelo lado do protagonista, que seria a visão indiferente, mas mesmo a de Marcela, que tem planos e quer conquistar o mundo, os questionamentos permanecem ou até se potencializam, já que pra isso é necessário esforço, enquanto, pra deixar tudo de lado, basta deixar tudo de lado. Esses são alguns dos temas trabalhados pelo livro, muito bem por sinal, e que fazem o leitor pensar um pouco.

O livro foi lançado em 2003 pela Livros do Mal (do próprio Daniel Galera), e relançado em 2007 pela Companhia das Letras. A edição da Companhia das Letras é excelente como sempre, simples, mas com papel de qualidade e muito boa revisão - outra coisa que as editoras precisam começar a levar a sério. No livro todo, acho que percebi um erro e eu não estou tão certo disso.

Se é necessário achar um defeito no livro, eu diria que o final - e isso não é um spoiler -, a carta de Marcela, teria dado uma história muito boa por si só, não precisando ser resumida de forma tão "apressada". Entretanto, pelo contexto do enredo, fez todo o sentido que aquela parte da história fosse contada por carta, considerando a natureza egoísta da narração. Uma mudança de ponto de vista seria uma distração na narrativa, por isso, creio eu, que foi daquele jeito. Ainda assim, aquela carta daria pelo menos um conto, se não uma novela, boa o suficiente. Então o defeito não é bem um defeito.

Uns podem ver o livro e pensar que ele é curto demais, só que não, todas as páginas foram muito bem preenchidas. Terminei de ler em quatro horas - o que é um record pessoal -, sem ficar com a impressão de "algo faltando", muito pelo contrário, a construção é impecável. Um livro que mereceu toda a atenção recebida pela crítica e que eu indicaria pra qualquer um que queira conhecer a literatura brasileira contemporânea.

Nota: 5/5

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ainda Defendendo a Literatura Como Arte (Best Seller x Alta Literatura)

Não faz muito tempo, escrevi um texto relativamente longo, em comparação com minhas outras tentativas de crônicas/artigos/ensaios, falando sobre o manifesto Silvestre em defesa do best seller comercial, criticando as posições dos autores que o representam, ao mesmo tempo em que defendendo, não a literatura pedante e pretensiosa, mas a literatura como arte, provinda puramente da vontade, do desejo profundo e incontrolável de escrever, de seu criador. Bom, talvez eu não tenha feito uma pesquisa extensa o suficiente para meu texto anterior, talvez coisas novas tenham vindo à tona, acontece que eu estou sendo consumido pela necessidade de falar mais sobre o tema, tentando de todas as maneiras não me repetir e adicionar as tais novas informações. Já aviso, no entanto, que minha opinião se mantém firme, na verdade, só fiquei ainda mais contrário às colocações de determinados autores.

E esse adendo começa com um vídeo. Nada muito longo, apenas uma entrevista que o programa "Entrelinhas" fez com os autores representantes do Manifesto Silvestre, em 2010 ("novas" informações que vieram à tona... - não reclamem, eu não sou jornalista, só sou metido).


E daí, Raphael? O que eu deveria entender com este vídeo? Esses autores me pareceram perfeitamente razoáveis em suas colocações, você diz. E o são, perfeitamente razoáveis. O meu problema surge no final. O entrevistador, talvez inocentemente, talvez consciente da sacanagem, aponta os escritores atuais mais respeitados e premiados no Brasil: Cristovão Tezza, Milton Hatoum e Bernardo Carvalho (autores dos quais os livros eu já comprei e logo estarei resenhando e relacionando com as coisas que eu escrevi nesses dois textos sobre a briga "comercial versus erudito"). Então ele pergunta se estes autores não se encaixariam nos pré-requisitos do Manifesto Silvestre, e Felipe Pena responde que sim, se encaixariam perfeitamente, pois o foco da escrita destes autores é o enredo, a história, o "entretenimento".

O leitor mais perspicaz já sacou a complicação, mas para você que ainda está cheio de perguntas, eu os respondo com outra pergunta: se os escritores mais premiados do Brasil escrevem para o entretenimento, então por que o manifesto diz que os críticos brasileiros excluem os escritores preocupados em entreter? Só essa resposta do Felipe Pena, de pouquíssimas palavras, já dá fim ao argumento que define a existência do manifesto. Se os escritores mais respeitados do Brasil são escritores de entretenimento, logo escrever um manifesto pedindo mais respeito aos escritores de entretenimento é absurdo. Vou ignorar o que o mesmo autor disse sobre Luiz Ruffato e João Gilberto Noll. Quanto ao primeiro, porque provavelmente foi incompreendido pelo Felipe Pena, já que a intenção de Ruffato com livros como "Eles Eram Muitos Cavalos" não era a de escrever um romance (no sentido de história longa, com personagens, enredo começo-meio-fim), mas de escrever fragmentos, pequenos pedaços de prosa que definissem um dia na grande São Paulo, que juntos se cruzariam, formando algo próximo de uma história, mas não exatamente isso. Quanto ao João Gilberto Noll, infelizmente não conheço sua obra para opinar, mas arrisco dizer que, considerando a credibilidade das colocações dos Silvestres, não deve ser nada tão complicado assim. Estranho, desde que comecei a me interessar por esse assunto, ando ouvindo sobre livros extremamente complexos, que obrigam o leitor a ter um pós-doutorado em teoria literária somente para entender a primeira página, sendo escritos em massa nos dias de hoje, mas ainda não cruzei sequer com um. Nem poderiam argumentar que eu já passei por vários, mas fui capaz de compreendê-los por entender de teoria literária, pois sou bacharel em Comércio Exterior, todo meu conhecimento literário vem da leitura e da prática da escrita, ou seja, se eu entendo um livro, qualquer um que não seja preguiçoso também tem meios de entendê-lo. Tampouco tocarei na questão de que os próprios motivos de ser do Manifesto Silvestre mais parece rebeldia sem causa. Querem que os críticos os elogiem, mas compreendem que o papel do crítico já não é relevante em nossa sociedade. Pedem espaço, mas são best sellers. Concluo que querem aparecer e vender um pouquinho mais, pelo menos mais uma tiragem completa.

Tendo dito isso, uma coisa é fato no discurso dos Silvestres. André Vianco, Luis Eduardo Matta, entre outros, embora sejam os mais vendidos, nunca estiveram entre os finalistas para um prêmio como o "São Paulo de Literatura", ou o "Machado de Assis", ou o "Jabuti". Mas por que isso? O que separa um Felipe Pena de um Bernardo Carvalho? Antes de responder essa pergunta, cuja resposta apenas remete ao meu texto anterior, que foca sobre o valor artístico de um livro, quero tocar em outro assunto que me surgiu recentemente - este sendo realmente recente. 

Talvez vocês tenham ouvido falar das colocações do Raphael Draccon sobre Rubem Fonseca, certo? Se não, aqui vai um resumo (e vocês podem procurar no google sobre essa notícia, muito fácil de achar, pra verificar se o que eu vou escrever procede): Raphael Draccon disse que autores reclusos, como Rubem Fonseca, não teriam chances de publicar no mercado atual, que exige participação ativa do autor em seu próprio marketing. Essa colocação foi reprovada, de início, mas ele já se retratou, demonstrando admiração pelo Rubem Fonseca, mas mantendo a opinião contrária a reclusão do escritor, pelo menos quando este faz fantasia. Além disso, ele também disse fazer uma pesquisa sobre a vida pessoal (ou pelo menos a vida "da internet") dos escritores que o enviam originais - ele é editor do selo Fantasy, da Casa da Palavra, que pertence à Leya. Ele disse que, se vê críticas a outros autores nessa vida eletrônica do candidato, já o descarta, prezando pelo companheirismo no meio literário. Disse, também, que um autor atual precisa de carisma, uma história de vida tão interessante quanto a sua ficção, precisa estar nos lugares e dar atenção aos fãs - aparecer, na falta de uma palavra melhor. 

E eu não sei por onde começar minha análise dessa colocação. Acho que seria bom iniciar dizendo que eu não tenho qualquer intenção em ser publicado pela Fantasy - nada contra a editora, só não escrevo fantasia -, sendo assim, não estou sacrificando nenhuma chance no mercado editorial, afinal, aparentemente, não é aconselhável que um autor tenha opiniões, muito menos as expresse em veículo público. Quer dizer, não defendo essa gente que fica falando mal de autores só porque é divertido falar mal, estou falando das críticas reais e merecidas, seja quanto à obra de um autor ou suas colocações pessoais - caso desse texto.

O que o Raphael Draccon exige de seus autores é uma propensão à vida de celebridade - até o ponto em que é permitido para um escritor atingir status de celebridade, pelo menos -, aparecendo em eventos, dando autógrafos e entrevistas, coisa que nem todo mundo gosta. E eu pergunto, será que esse estilo de vida é necessário mesmo para sobreviver no mercado editorial hoje em dia? E se for, será que isso é algo bom e que deveria ser defendido (como está sendo, em determinados meios)?  Lembro-me dos tempos em que um artista importava pela sua arte, não pelo brilho do seu sorriso, mas hoje entendo que seja utópico. Ler é um passatempo rústico, apesar de tudo; demanda esforço de seu usuário, até mesmo os livros mais simples, afinal não existem imagens, nem cenários, nem sons em um livro, somente palavras e o resto é imaginação. Logo, surgindo outras formas de passatempo que já ofereçam todos esses atalhos, por que se manter com o antiquado, não? Não, isso está errado, mas a maior parte das pessoas pensa assim, então é compreensível que se exija, nos dias de hoje, todo esse esforço de um autor. Mas, e sempre existe um mas, não quer dizer que isso seja certo. É possível culpar um artista por querer apenas que sua arte atinja às pessoas e não sua imagem? Veja Thomas Pynchon, um dos mais aclamados escritores vivos dos EUA, nunca fez uma aparição pública. Tão recluso, mas tão recluso, que existem dúvidas sobre sua real existência. Ainda assim, vende. Poder-se-ia argumentar que a reclusão foi a maior ferramenta de marketing do Pynchon, já que parte de seus admiradores surgiram por curiosidade de saber quem era o tal cara que ninguém nunca vira. Inúmeros autores bons não gostam de aparecer. Ser escritor, por si só, já é uma profissão solitária, sempre foi. Ainda assim, eu entendo que estes escritores são de outras gerações, e que, hoje, não é assim que a banda toca. Eu entendo, não gosto, mas entendo. Com esse parágrafo, só quis expressar minha reprovação quanto a essa nova ideia.

Isso, apesar de tudo, não é importante, assim como a colocação sobre a "publificabilidade" do Rubem Fonseca também não é importante - afinal, se ele fosse autor novo e não fosse publicado, a perda seria toda nossa.  O problema eu vi mesmo foi na repercussão. Posts de blogs explicando o motivo da afirmação do Draccon estar certa, dizendo que o público não procura mais o artista e sim o contrário. Uma geração que tem Google, não se dispõe a procurar um artista. E isso é defendido pela nossa cultura, como se fosse uma consequência da velocidade da geração y. Se existe uma geração que não tem desculpas para sua vasta ignorância, esta é a nossa. Nós temos tudo a uma palavra-chave de distância, tanto as informações certas quanto as erradas, ainda assim, não procuramos os artistas. Melhor eu cortar a primeira pessoa do plural dessa frase, pois eu ainda os procuro, já que não me contento com os que vivem se esfregando na minha cara e me entregando numa bandeja suas informações já mastigadas. Mas, repito, eu entendo essa atitude dos meus contemporâneos. É burrice, mas eu entendo, juro.

Mas isso não é tudo, pelo contrário, é só o começo. Digamos que o comentário sobre a reclusão, por mais triste que seja, é a realidade inescapável; um sinal de ignorância, independentemente, contudo vivemos uma época de glorificação do ignorante como nenhuma outra, então faz sentido. A segunda parte do que o Sr. Draccon disse, e esta não foi retificada, é a que mais me incomoda - e aqui eu insisto em falar apenas por mim, mas já vi outras pessoas com opinião similar, só não gosto de falar por grupos, isso é sinal de autoritarismo. A parte em que ele diz que policia a vida pessoal dos autores que lhe enviam originais para avaliação. E se esse autor disse algo de negativo quanto a ele ou qualquer outro autor nacional? Ele não poderia estar certo? Um escritor brasileiro não pode ser ruim ou fazer uma obra ruim? Aparentemente não, já que o Manifesto Silvestre quer que os críticos saiam aplaudindo qualquer coisa, desde que venda bem. 

Vender, esse é o combustível desses autores, aparentemente. Se vende, é porque é bom, não é? Paulo Coelho vende até não poder mais, Madonna também vende, Michael Bay também explode bilheterias, é isso que vale, não é? Estou exausto só de pensar nisso tudo, no quanto de errado tem nessas afirmações e o quanto tudo isso que eu estou escrevendo é óbvio. Óbvio que seja, parece difícil de compreender. Algumas pessoas não entendem de forma alguma. O mais estranho é que isso só é levado a sério na literatura. Se fosse um Michel Teló pedindo respeito ao sertanejo universitário, dizendo que ele é um artista como qualquer outro e merece o apoio da crítica, todos estariam rindo agora. Se fosse o Uwe Boll...bem, este já convidou seus críticos para lutas de boxe, então não conta. Só digo que, no cinema e na música, existe uma noção do que é bom e o que é ruim. Adam Sandler continua enchendo o rabo de dinheiro, mas as pessoas parecem entender que filmes como "Gente Grande" não são grande arte. Michael Bay, Uwe Boll, Adam Sandler e as pessoas responsáveis por "Todo Mundo Em Pânico" nunca escreveram um manifesto em defesa do filme como entretenimento, criticando os experimentalismos vazios de gente como Jim Jarmusch, Leos Carax e Wong Kar-Wai, elitistas herméticos, desprezados pelo grande público, mas amados pela crítica pedante. Nunca o fizeram, mas eu admito que seria engraçado. 

Mesmo sendo a mesma coisa, ninguém enxerga isso na literatura. Existe essa falácia de que, se é livro, é cultura, então é bom. Ideia bem ridícula se for parar para pensar. Ler não deixa ninguém mais inteligente, se a obra sendo lida é, essencialmente, burra. É como passar a vida assistindo filmes de Hollywood, ninguém vira cinéfilo desse jeito. É masturbação, nada mais que isso. Gente querendo ser entretida por tudo e por todos, sempre. Se para por um segundo, não tem graça. É isso que esses comentários alimentam em nossa cultura. Que é certo só ver a arte como entretenimento e qualquer um que diga o contrário é elitista pretensioso. Mas isso não é nada saudável, acaba com a variedade, torna a arte uma indústria. Isso não é uma crítica contra a escrita comercial e acessível, que fique claro. Esse texto não é, o texto anterior a esse não o foi. É uma crítica contra a atitude "padronizadora" e cheia de regras dos escritores comerciais, que agora querem até controlar opiniões. Não muito tempo atrás eu acreditava que, entre as indústrias da arte, a única que ainda se mantinha aberta e não tão controladora era a literária, mantendo o lançamento de obras provocativas e até estranhas para os padrões comerciais, com determinado sucesso. Só que agora, esses caras decidiram o que vende e o que não vende, decidiram qual deve ser a postura pública de um autor, enfim, o escritor finalmente se tornou um cantor pop, que vale mais pela imagem do que pelo trabalho.

Vejam bem - até porque essa reclamação já está longa e é bom que eu dê um sinal de que estou terminando -, não tenho nada contra o Raphael Draccon, o Luis Eduardo Matta, nem qualquer um dos outros "comerciais", "Silvestres", sejam eles quem forem; nunca os li, para ser bem honesto, talvez tenham qualidade e sejam malvistos pela crítica por causas injustas, não sei, embora tenha vontade de lê-los para resolver logo essa questão para comigo mesmo. Meu problema não é nem pessoal, pois não os conheço. Meu problema é com as coisas que eles dizem que mais parecem aquelas velhas citações do Paulo Coelho que aparecem de vez em quando ("Hermann Hesse é ilegível", "Disseca Ulisses e não dá um twitte"...), vontade de vender por meio da polêmica. Técnica baixa, mas que funciona e, como o objetivo dos caras é vender - e nada além disso -, não dá pra criticar. Agora não acreditem nas tais injustiças e no pedantismo dos críticos. Eu até acreditava, mas hoje vejo que faltam os números comprovando as acusações. Acontece que nem todo o livro é cultura e nem tudo que vende é bom. Livros comerciais podem divertir, podem servir de porta de entrada para obras mais profundas, mas não obrigatoriamente. Essa é a graça da coisa, da arte num geral, não existem padrões, nem limites, e sempre que alguém tenta impor pequenas regras e métodos, esse alguém costuma estar errado.

Obs.: Sim, eu interrompi as resenhas de álbuns por isso, mas não se desesperem, amanhã retorno com a programação normal.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Kansas - Point Of Know Return (1977)


É comum ouvir dizer que, hoje em dia, a boa música está morta. Não deixa de ser verdade, embora eu não aprecie a generalização. Mas, se é pra generalizar, vou mais longe do que todos os outros. Não direi que foi a música de hoje que fodeu com tudo, não direi que foi a década de 90 ou 80 (embora está última tenha dado novos sentidos à palavra decadência). Digo que foi a década de 70. Mais precisamente, 1975.

Nessa época, a indústria estava começando a descobrir como é fácil manipular os jovens. Fato que música pop manipuladora e medíocre existe desde que o mundo é mundo, mas antes não fazia sucesso. Quer exemplo? Quantas de vocês crianças já ouviram o nome Jimi Hendrix? Ah! Todas, muito bem. E quantas já ouviram falar de...eu não consigo pensar em nada esquecível daquela época, isso acaba com a minha analogia. Vamos à década de 70, então, que é o assunto. Quantos já ouviram falar de Deep Purple? Todos de novo, excelente. E Minnie Riperton? Ninguém. E Foreigner? Ninguém também! Logo mais eu explico os motivos pra esse fenômeno, mas agora vamos ao álbum da vez.

Sinta a mediocridade correndo pelos seus canais auditivos.

Serei justo e direi que, reza a lenda, Kansas não estava nos seus melhores dias durante a gravação desse álbum - isso eu digo no sentido emocional -, mas foda-se isso. Point Of Know Return até tem potencial para ser uma música boa, a banda, a parte instrumental da música, é bastante competente, no entanto, quando começa a cantoria a música muda um pouco. Nada crucial, só fica mais leve e deixa de combinar com a levada que a banda estava carregando anteriormente. Por que isso? Não sei, acho que Soft Rock estava entrando na moda, mas antes disso a moda era Rock Progressivo, então eles tentaram misturar. Resultado? Esse desastre.

E essa não é a única faixa culpada de fazer isso, quase todas as músicas cometem o mesmo erro. Em todas elas a impressão que fica é que a banda queria fazer uma coisa, uma coisa mais complexa e pesada, enquanto o vocalista queria outra completamente diferente, Soft Rock à Peter Frampton em seus piores anos (este cara, a propósito, o culpado por tudo de ruim que aconteceu com o rock após a década de 70, na minha opinião).

E todas as outras faixas são iguais também. Umas mais longas, outras mais curtas, mas a estrutura básica é a mesma.

Estou com sérias dificuldades para escolher uma próxima música, porque, mesmo tendo acabado de ouvir essa porra desse disco do começo ao fim e pela primeira vez na vida, já me esqueci de todas as músicas, com exceção de uma que logo cobrirei. Elas se mesclaram na minha cabeça. Só me lembro que elas começavam bem rápidas e complexas, como um improviso à Emerson, Lake & Palmer, e terminam...chatas. Essa é a palavra que define esse disco, ele é chato. E repetitivo.

E o que isso tem a ver com todo meu discurso da música morrendo na década de 70? Bom, é exatamente isso. Eu disse que o rock progressivo estava deixando de existir para dar espaço ao soft rock, essa banda se moldou para seguir a moda. Ela e mais dezenas (Genesis, Yes, até ELP - todas bandas excelente até o fim de 70 começo de 80). Portanto, a repetição de estilo e técnicas da moda, tornaram o disco datado. Em qualquer época eu poderia ouvir esse disco e dizer, isso é de 70, não é? Com a minha experiência musical, talvez até pudesse ser mais específico e dizer que foi feito entre 76 e 78 (assim como I'm In You, do Peter Frampton, e outras abominações).


E aí está a música que, não redime, mas deu uma nota um pouco mais alta ao disco. Dust In The Wind, o grande clássico da banda, única música deles que não foi esquecida, e existe um motivo pra ela. Verdade que as "baladas violão e voz" nunca foram nada novo. Mas esse caso específico tem uma letra suficientemente profunda e uma melodia bonita. O violino também dá um toque interessante e diferente à música. Não é criativa, mas funciona, o que é mais do que pode se dizer sobre o resto das faixas desse álbum.

Claro, isso tudo pode ser uma questão de gosto. Comparando com outras coisas do mercado, as músicas não são ruins, mas isso não quer dizer de forma alguma que elas são boas. Meu padrão de qualidade não é definido pelas coisas ruins que me cercam e eu odeio, mas pelas coisas boas que já me estão a disposição. Gosto é subjetivo, mas as justificativas para a formação do gosto são bastante objetivas. Sendo assim, minha conclusão é que Point Of Know Return é um trabalho datado e esquecível, que, se você nunca ouviu e não se interessa pela época em que ele foi feito, nem perca seu tempo.

Nota: 2,5/5 (bem na metade, pra combinar com a mediocridade) 2 desses pontos são pra Dust In The Wind.

Resenha dedicada à Luana Kraemer, que me indicou essa banda, quando lhe disse que ia fazer uma série de resenhas especiais sobre álbuns.

sábado, 7 de setembro de 2013

Gov't Mule - Dose (1998)


Depois de resenhar Jefferson Airplane, queria, para meu terceiro álbum dessa série de posts, uma banda que fosse diretamente influenciada pelo som daquela época, não tanto daquela banda especificamente, mas com músicos que nasceram em 60 e eram novos demais para fazer parte da magia, ainda assim viviam cercados dela. Estou falando da geração que perdeu os Acid Tests, o Verão do Amor e Woodstock, e agora, já adultos, decidiram reviver a época a sua maneira.

Não pude pensar em músicos mais apropriados para isso que Gov't Mule, mas, antes, um pouco de história. O leitor já ouviu falar de The Allman Brothers Band? Acho bom que sim, se não, saia da cadeira, ajoelhe-se, peça perdão - não me importa para quem, apenas se retrate -, vá ao google e corrija esse problema. Voltou? Bom, então você viu que eles são uma banda lendária, na ativa até hoje e que passaram por diversas mudanças de formação. Na década de 90 - grande retorno da banda -, esta consistia de Warren Haynes na guitarra e Allen Woody no baixo. Estes dois se juntaram ao baixista Matt Abst (que tocou com o guitarrista Dickey Betts, ex-membro da Allman Brothers), e deram luz à Mula.


E é com esse caminhão de música (Blind Man In The Dark) que o disco se inicia, definindo o tom e o padrão de qualidade para todo o restante do álbum, que foi o segundo da banda. Já se torna notável, então, que se trata de um disco pesado, altamente distorcido e com toques de blues aqui e ali, mas, num geral, um ótimo exemplo de como fazer rock. É assim o álbum todo, com faixas relativamente longas (batendo uma média de 6 - 7 minutos).

Nem todas, contudo, seguem esse blues rock, meio ZZ Top (boa fase), meio Allman Brothers. Os músicos de Gov't Mule gostam de exibir suas qualidades, sendo assim, o disco inclui duas faixas instrumentais, Thelonius Beck e Birth of the Mule, cheias de improvisos e muito mais próximas do jazz que de qualquer outra coisa, que servem de homenagem a Thelonius Monk e Miles Davis, respectivamente. Essas duas retiram qualquer duvida que um ouvinte desavisado pudesse ter quanto à qualidade dos músicos do grupo.


Mas não é só por serem fodas que eles são conhecidos. Warren Haynes, além de ter uma das melhores vozes da atualidade, tem um conhecimento musical enciclopédico e, portanto, quando ao vivo, a banda faz muitos covers, fazendo inclusive álbuns inteiros dedicados a essas homenagens (Led Zeppelin e Pink Floyd, por exemplo). Esse disco contém duas dessas versões, uma após a outra, She Said, dos Beatles, e John, The Revelator, gospel tradicional mais conhecido na versão de um dos inventores do blues, Reverend Gary Davis.



A melhor parte desses covers é que eles não seguem os arranjos originais, ou seja, eles têm motivo de existir, trazendo uma nova roupagem à música, ao mesmo tempo que pagando tributo aos artistas. Não ouvi um cover ruim deles ainda, mas esses especificamente eu quase chego a preferir em comparação com as originais, principalmente John, The Revelator, que, mesmo eu não sendo um cara religioso - longe disso -, é muito intensa.

O álbum também faz questão de compensar o ouvinte pelo gasto, sendo, não só uma obra de qualidade, mas ao mesmo tempo longa, com mais de uma hora de duração, o que está acima da média de um CD único normal. Eles não economizam nas faixas, nem no tamanho delas, tampouco lançam qualquer merda para cobrir espaço, todas as músicas seguem o mesmo padrão de qualidade.


Navegando pelos mares do rock, do blues e do jazz, e mantendo-se nas melhores fases desses gêneros, Dose é um dos melhores álbuns da década de 90, o que não é uma afirmação vazia ou fácil. As faixas longas podem atrapalhar alguns ouvintes não iniciados, mas eu realmente gosto de improvisos e invenções instrumentais, quando feitas com propósito e alma, e isso não falta nessa banda. Os sete minutos das faixas chegam a passar rápido demais, honestamente, então, não considero isso um problema, embora alguns possam ver dessa forma. Indicado, ou melhor, obrigatório para todos que gostam do gênero e sentem falta de algo novo e bom.

Nota: 5/5

Obs.: repararam que meus parágrafos andam mais curtos nessas resenhas? Pois é, estão entre 3 e 7 linhas agora, ao invés das 15 que eu costumava usar. Isso foi por causa da Luana, que mantém esse blog. Ela me disse que seria mais confortável encurtar e, embora eu já tivesse ouvido falar que parágrafos curtos são melhores - só ignorava esse fato -, decidi seguir o conselho e ver como eu me sentia. Gostei, por isso estou aqui fazendo propaganda grátis do blog dela, porque a ideia foi boa. Não só por isso, ela também posta um conteúdo de qualidade por lá e vocês deviam dar uma olhada. Só cuidado se você estiver com problemas financeiros, ela fica postando sobre promoções de livrarias e isso acaba com o orçamento de qualquer um. Então, já falei, vão lá dar uma olhada e sigam o blog. Ah! Não relacionado a isso - na verdade só estou citando isso aqui para poder formar um parágrafo comicamente longo, só para fazer uma ironia ao fato de que eu disse estar seguindo a ideia de encurtar os parágrafos (o que eu realmente estou fazendo, mas achei que seria engraçado anunciar dessa maneira...sei lá, é meu humor, só que agora eu expliquei e não tem mais graça. Ou talvez a explicação, também comicamente longa, possa ter sido capaz de segurar a graça dessa bobagem...merda, esqueci o que eu ia falar com esses parênteses...lembrei!). Então, a banda Gov't Mule está lançando um disco novo esse mês, mais especificamente dia 25, então haverá resenha. Talvez até uma parecida com a que eu fiz com Deep Purple, escrevendo enquanto eu escuto o disco pela primeira vez. Se bem que isso ia ser uma resenha bem longa, já que o disco vai ser duplo...não sei, depois penso nisso. Não se esqueçam, sigam o blog da Luana, repito, sigam o blog da Luana. Ah! (de novo) Foi por causa dela também que eu fiz essa playlist que ninguém viu. Acabou a graça da piada, né? O problema é que eu não sei como terminar. Acho que vou parar, então, sem explicação

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Surrealistic Pillow - Jefferson Airplane (1967)

Só na década de 60 Travesseiro Surrealista poderia ser o nome de um disco bem sucedido.
Ah, 1967! O ano do verão do amor, do crescimento do movimento hippie, do surgimento de bandas e discos maravilhosos. Como eu sinto falta desse tempo que eu não vivi. Tanto que o segundo disco da minha série de resenhas em homenagem aos "álbuns" é desse ano, e um dos mais importantes deles. Surrealistic Pillow é considerado por muitos como "o" disco essencial da contra-cultura, e Jefferson Airplane o exemplo de como fazer rock psicodélico.


Após um começo rápido com She Has Funny Cars, o disco passa direto para a faixa mais conhecida de toda a história da banda, a música que toca sempre que um filme quer passar o clima da década de 60, Somebody To Love, sendo liderada pela voz bela e sem invenções da Grace Slick, que, junto da Janis Joplin, era vista como uma deusa daqueles tempos - e não por falta de motivos.

No entanto o disco desacelera um pouco com My Best Friend, que pode ser que não tenha envelhecido bem, com uma letra bem simples, mas simbólica dos ideais daqueles dias. Não é das minhas favoritas, mas não posso dizer que é uma música ruim. De qualquer forma, logo depois o ouvinte é agraciado com Today, que, se não bastasse a música como um todo, vem com Jerry Garcia (do Grateful Dead, mas você já deveria saber disso), na guitarra - não é a única participação dele no disco. Seguida de Comin' Back To Me - também com o guru Jerry, que, além de prover a guitarra, foi creditado como conselheiro musical e espiritual da banda -, no mesmo estilo.


Mas tudo acelera novamente com 3/5 Of A Mile In 10 Seconds, seguida de D.C.B.A.-25, também mais elétrica, voltando ao clima acústico em How Do You Feel e o dueto instrumental de violão, Embryonic Journey. Tudo isso para preparar sua pobre consciência para a viagem ácida, inspirada por Lewis Carroll, White Rabbit, novamente com a voz suave como veludo de Grace Slick, carregando o ouvinte com fúria pelo mundo caótico de Alice e seus cogumelos. Encerrando, então, com uma profética canção sobre os aparelhos televisivos, Plastic Fantastic Lover.

Woodstock.

Isso encerra a versão original do disco, contudo ele foi relançado em 2003, com algumas faixas extras tão boas quanto as que realmente compuseram o álbum. O blues psicodélico, In The Morning, J.P.P Mcstep B. Blues, Go To Her, Come Back Baby e duas versões alternativas de Somebody To Love e White Rabbit.

Jerry Garcia toca guitarra nessa também.

Não foi sem motivo que esse disco se tornou quase um momento histórico por si só. Ele representa, não só uma década, mas todo um movimento e conjunto eterno de ideais, coisa que anda faltando na música atual. Tem seus altos e baixos, mas os baixos são muito mais altos que qualquer música que se escute no rádio hoje em dia, não chegando nem a serem faixas "puláveis", e os altos são icônicos. Um álbum realmente essencial para os que querem conhecer a contra-cultura e todo aquele outro mundo que foi a psicodelia.

Nota: 5/5