Eu acho que essa é primeira obra nacional que esse blog fala sobre. Demorou quase dois anos, mas finalmente aconteceu. E não é nem como se eu evitasse livros nacionais ou coisa assim, verdade que minha estante tem bem mais internacionais - que é uma comparação meio esdrúxula, considerando que envolve um país contra o resto do mundo, ainda assim é bem comum; comparando-se por nações, diria que minha estante é bem equilibrada -, mas li alguns títulos brasileiros, não tão contemporâneos, só nunca me veio a vontade de falar sobre eles, esse caso foi diferente.
Até o Dia em que o Cão Morreu é a história de um cara sem nome, que imaginava que não teria dificuldades com a transição da adolescência para a idade adulta, mas, saindo da casa dos pais, percebeu que a coisa não seria tão fácil. Sem emprego, sem dinheiro, vivendo apenas com seus livros e tragos, ele encontra um cachorro. Cachorro que é meio parecido com ele, sem nome - até certo ponto da história, depois é batizado de Churras -, sem ter pra onde ir nem vontade de ir pra lugar nenhum. Além do cachorro, o protagonista vive uma relação com uma modelo chamada Marcela, que seria um oposto dele, mas nem tanto.
É uma história bem simples, não muito além do que foi descrito acima, tanto que só tem 104 páginas, mas cumpre perfeitamente o seu papel. A narração varia entre o minimalista e o poético, dependendo da necessidade, sempre oral e com tom de memória. Ocasionalmente surgem uns regionalismos, que me fizeram ler mentalmente a história toda com um sotaque gaúcho estereotipado.
Apesar da simplicidade, o enredo conta muito mais que só uma história, coisa que eu sentia falta entre os autores nacionais contemporâneos - internacionais também, já que estamos falando nesses termos.
O cara sem nome reflete bem a visão jovem atual, pelo menos da classe média, com a ideia errada de que é fácil simplesmente pegar uma carreira e seguir com ela pro resto da vida. E se você não souber o que fazer? E se não quiser fazer nada convencional? E pra quê fazer qualquer coisa se tudo acaba na morte e todo o esforço é esquecido? Não só pelo lado do protagonista, que seria a visão indiferente, mas mesmo a de Marcela, que tem planos e quer conquistar o mundo, os questionamentos permanecem ou até se potencializam, já que pra isso é necessário esforço, enquanto, pra deixar tudo de lado, basta deixar tudo de lado. Esses são alguns dos temas trabalhados pelo livro, muito bem por sinal, e que fazem o leitor pensar um pouco.
O livro foi lançado em 2003 pela Livros do Mal (do próprio Daniel Galera), e relançado em 2007 pela Companhia das Letras. A edição da Companhia das Letras é excelente como sempre, simples, mas com papel de qualidade e muito boa revisão - outra coisa que as editoras precisam começar a levar a sério. No livro todo, acho que percebi um erro e eu não estou tão certo disso.
Se é necessário achar um defeito no livro, eu diria que o final - e isso não é um spoiler -, a carta de Marcela, teria dado uma história muito boa por si só, não precisando ser resumida de forma tão "apressada". Entretanto, pelo contexto do enredo, fez todo o sentido que aquela parte da história fosse contada por carta, considerando a natureza egoísta da narração. Uma mudança de ponto de vista seria uma distração na narrativa, por isso, creio eu, que foi daquele jeito. Ainda assim, aquela carta daria pelo menos um conto, se não uma novela, boa o suficiente. Então o defeito não é bem um defeito.
Uns podem ver o livro e pensar que ele é curto demais, só que não, todas as páginas foram muito bem preenchidas. Terminei de ler em quatro horas - o que é um record pessoal -, sem ficar com a impressão de "algo faltando", muito pelo contrário, a construção é impecável. Um livro que mereceu toda a atenção recebida pela crítica e que eu indicaria pra qualquer um que queira conhecer a literatura brasileira contemporânea.
Nota: 5/5
Fiquei interessada. Ainda não li nada do Daniel Galera, embora tenha uma curiosidade imensa em conhecer o trabalho dele. Venho querendo ler o Barba Ensopada de Sangue antes de ler alguma outra coisa dele, mas esse 'Até o Dia em que o Cão Morreu' já entrou pra lista.
ResponderExcluirIa compra o Barba Ensopada de Sangue também, mas estava esgotado, então peguei esse como teste. Me surpreendeu, vou procurar os outros dele agora.
ExcluirFiquei com vontade de ler esse livro, apesar que sou meio traumatizada com literatura brasileira (principalmente a contemporânea), mas assim que acabar minhas metas de leituras (que você sabe que está grande), vou procurar esse livro.
ResponderExcluirLi esse livro de Daniel Galera recentemente e também o achei muito bom. O livro diz muito com poucas palavras, ou com poucas páginas, se preferir. Sem dúvida o Galera é um dos melhores autores da literatura brasileira contemporânea.
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