Por algum motivo a capa vem em três cores. O meu livro veio com a vermelha, mas pode ser azul ou verde. Não faz diferença, mas, na minha opinião, a vermelha faz mais sentido. |
Há um tempo fiz a resenha de Até o dia em que o cão morreu, romance de estreia de Daniel Galera. Tinha gostado bastante do livro e dito que leria os outros assim que possível. Por causa de toda a atenção que Barba ensopada de sangue recebeu em sua época de lançamento (incluindo, além das vendas e da reação de público e crítica, vários prêmios), decidi que seria o próximo livro que leria desse autor.
O pai do protagonista sem nome vai se suicidar. A única coisa que ele quer de seu filho é que ele leve sua cachorra para ser sacrificada. Ele não obedece o pai e, ao invés disso, a leva com ele até Garopaba, cidadezinha do litoral de Santa Catarina. Vai até lá pela tranquilidade e para investigar uma história que seu pai lhe contara antes de morrer sobre seu avô. Sobre como ele sumiu após um baile na cidade, supostamente assassinado, mas sem testemunhas e sem que seu corpo pudesse ser encontrado. Ele aluga um apartamento e arranja um emprego na academia local como professor de natação para sobreviver. Leva uma vida normal, vez ou outra questionando alguns moradores sobre seu avô. O estranho é que ninguém parece se lembrar dele, mas sempre que ouvem a história o tratam com hostilidade, como se ele estivesse se metendo em território proibido.
Narrado em terceira pessoa, Barba Ensopada de Sangue consegue fazer que o leitor entre na mente do personagem sem nome devido à atenção aos detalhes. O protagonista sofre de uma doença que o faz esquecer de rostos em um curto período de tempo, até mesmo do seu próprio rosto e dos seus familiares, por isso ele foca em outros detalhes. Se ele conhece uma mulher e acha que vai vê-la novamente, repara no cabelo, em alguma marca na pele etc. - isso ele faz com todos os personagens. Por ser professor de educação física, ele tem um amplo conhecimento da anatomia humana, usando sempre os termos precisos para cada parte do corpo, assim como descreve cada passo dos exercícios diários que ele pratica e, durante as aulas que ele dá na academia, faz os outros praticarem. Vi em uma entrevista com o autor que, apesar da inserção dele na mente do protagonista fazer parecer que o livro estaria mais próximo da primeira pessoa, ele decidiu escrever em terceira justamente por isso, para poder trabalhar na narração como um escritor pensando como um professor de educação física. Afinal, por mais que o professor saiba anatomia e todos os termos complexos do corpo, dificilmente ele sabe dominar uma narrativa. A terceira pessoa permite que ele vá além, que ele saia da voz do narrador com mais liberdade sem nunca soltar tanto assim a sua mente, o que funciona muito bem em Barba Ensopada de Sangue, diria que é a narração é o ponto alto do livro.
Apesar de girar em torno de um assassinato, raros são os momentos em que essa busca move o enredo. Nesse ponto me lembrei de Haruki Murakami. Como os protagonistas do japonês, o sem-nome é levado pela investigação, e não o contrário. Ele tenta viver normalmente pela maior parte do tempo. Tem seu emprego, passeia com a cachorra, vive alguns relacionamentos emocionalmente deslocados com mulheres que conhece pela cidade, forma amizades (seus alunos e um budista de apelido Bonobo, que se tornou meu personagem favorito) e desafetos (quase a cidade toda). Um cara normal que se vê puxado por algo muito maior que ele. E, porque o mistério da morte de seu avô o parece perseguir, ele decide chegar até o fim e resolver o caso - que, vou evitar ser específico para não estragar a experiência dos que não leram ainda, toma proporções "sobrenaturais", também, mais ou menos como o Murakami.
Daniel Galera tem um puta ouvido para diálogo. Ele não separa as falas da narrativa usando aspas ou travessões, como é o comum, ao invés disso ele cormacmccartheia o texto - quem já leu Cormac McCarthy vai entender o que eu quis dizer com isso. Não fica confuso por causa dessa diferença de vez. Cada pessoa tem seu jeito de falar, uns tem seus maneirismos e regionalismos, outros não. Os diálogos soam como conversas reais e não literárias. Ele também Cormac McCartheia nas reviravoltas violentas, consequências de certos atos do sem-nome.
O uso de notas de rodapé, emprestado talvez das notas do David Foster Wallace (cujos contos e ensaios Daniel Galera ajudou a traduzir), complementam a história, com conversas por telefone, mensagens de facebook, até o trecho do diário de uma prostituta. Nele se revelam as várias subnarrativas do livro, que mesmo focando no assassinato do avô do protagonista, carrega outras histórias, como a relação do sem-nome com sua família (especialmente o irmão e a ex-esposa, que o largou pelo irmão). São pedaços da história que vão se revelando aos poucos, dando vida ao livro e suas personagens.
Só uma nota irrelevante, mas que achei divertido compartilhar. A cachorra, cujo nome é Beta (pois é, ela tem nome, a maioria das personagens têm nome, o protagonista não), é uma pastora australiana. Mesmo sabendo como é uma pastora australiana, enquanto eu lia, minha mente formava algo parecido com uma labradora. Não sei por quê. Vai saber como funcionam essas coisas da cabeça. Talvez porque imaginar uma pastora australiana correndo debaixo do sol de Garopaba, se metendo na areia da praia e mar adentro, sem nunca tomar um banho, fosse me deixar aflito durante o livro todo. Agora voltamos para a resenha normal, mas na verdade é só o parágrafo de conclusão que vem a seguir, seus olhos já devem ter escorregado e observado que o texto está acabando.
As descrições de cenário seguem conforme as descrições das pessoas. Sem-nome é observador, por isso aponta cada detalhe dos caminhos que traça, as casas, a praia, o mar, os restaurantes, as paisagens naturais. Apesar de morar perto, nunca estive em Garopaba, mas depois de ler Barba... sinto como se já a houvesse visitado. Todos esses detalhes formam mais de 400 páginas, que nunca ficam chatas. É a junção perfeita de um livro como obra de arte e como entretenimento. Agora quero ler Mãos de Cavalo, que ouvi ser o melhor do Daniel Galera.
Nota: 5/5
Não confie em mim, leia um trecho aqui e depois compre o livro: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/12453.pdf
Apesar de girar em torno de um assassinato, raros são os momentos em que essa busca move o enredo. Nesse ponto me lembrei de Haruki Murakami. Como os protagonistas do japonês, o sem-nome é levado pela investigação, e não o contrário. Ele tenta viver normalmente pela maior parte do tempo. Tem seu emprego, passeia com a cachorra, vive alguns relacionamentos emocionalmente deslocados com mulheres que conhece pela cidade, forma amizades (seus alunos e um budista de apelido Bonobo, que se tornou meu personagem favorito) e desafetos (quase a cidade toda). Um cara normal que se vê puxado por algo muito maior que ele. E, porque o mistério da morte de seu avô o parece perseguir, ele decide chegar até o fim e resolver o caso - que, vou evitar ser específico para não estragar a experiência dos que não leram ainda, toma proporções "sobrenaturais", também, mais ou menos como o Murakami.
Daniel Galera tem um puta ouvido para diálogo. Ele não separa as falas da narrativa usando aspas ou travessões, como é o comum, ao invés disso ele cormacmccartheia o texto - quem já leu Cormac McCarthy vai entender o que eu quis dizer com isso. Não fica confuso por causa dessa diferença de vez. Cada pessoa tem seu jeito de falar, uns tem seus maneirismos e regionalismos, outros não. Os diálogos soam como conversas reais e não literárias. Ele também Cormac McCartheia nas reviravoltas violentas, consequências de certos atos do sem-nome.
O uso de notas de rodapé, emprestado talvez das notas do David Foster Wallace (cujos contos e ensaios Daniel Galera ajudou a traduzir), complementam a história, com conversas por telefone, mensagens de facebook, até o trecho do diário de uma prostituta. Nele se revelam as várias subnarrativas do livro, que mesmo focando no assassinato do avô do protagonista, carrega outras histórias, como a relação do sem-nome com sua família (especialmente o irmão e a ex-esposa, que o largou pelo irmão). São pedaços da história que vão se revelando aos poucos, dando vida ao livro e suas personagens.
Só uma nota irrelevante, mas que achei divertido compartilhar. A cachorra, cujo nome é Beta (pois é, ela tem nome, a maioria das personagens têm nome, o protagonista não), é uma pastora australiana. Mesmo sabendo como é uma pastora australiana, enquanto eu lia, minha mente formava algo parecido com uma labradora. Não sei por quê. Vai saber como funcionam essas coisas da cabeça. Talvez porque imaginar uma pastora australiana correndo debaixo do sol de Garopaba, se metendo na areia da praia e mar adentro, sem nunca tomar um banho, fosse me deixar aflito durante o livro todo. Agora voltamos para a resenha normal, mas na verdade é só o parágrafo de conclusão que vem a seguir, seus olhos já devem ter escorregado e observado que o texto está acabando.
As descrições de cenário seguem conforme as descrições das pessoas. Sem-nome é observador, por isso aponta cada detalhe dos caminhos que traça, as casas, a praia, o mar, os restaurantes, as paisagens naturais. Apesar de morar perto, nunca estive em Garopaba, mas depois de ler Barba... sinto como se já a houvesse visitado. Todos esses detalhes formam mais de 400 páginas, que nunca ficam chatas. É a junção perfeita de um livro como obra de arte e como entretenimento. Agora quero ler Mãos de Cavalo, que ouvi ser o melhor do Daniel Galera.
Nota: 5/5
Não confie em mim, leia um trecho aqui e depois compre o livro: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/12453.pdf
Olá!
ResponderExcluirDesconhecia esse livro, mas já me interessei ao ver o título.
Já li alguns livros em que o protagonista não tem nome, o que gosto muito.
Gostei bastante, vou procurar para ler!
=D
http://osdragoesdefogo.blogspot.com/
Procure, vale a leitura.
ExcluirAs suas resenhas, como sempre, me deixando curiosa, Raphael.A história me parece ser muito interessante, ainda mais que eu tinha um seguidor no meu antigo blog que era de Garopaba e eu adorava as coisas que ele escrevia sobre o lugar....Com certeza irei ler... "Mar inquieto" já chegou e lerei em breve.E minha listinha de leitura só aumentando.rs
ResponderExcluirObrigada por sempre partilhar coisas boas.
Beijinho.
Obrigado. Nunca estive em Garopaba, mas o livro tem descrições excelentes. Espero que goste de Mar Inquieto.
ExcluirTenho um amigo que é apaixonado por esse livro. Ele, inclusive, está numa situação engraçada porque o emprestou para outra pessoa e essa pessoa não devolveu haha Então ele está ficando maluco! Mas sempre fala super bem da história e desse autor e sempre fiquei curiosa para ler!
ResponderExcluirSacanagem quando fazem isso. Leia quando puder, vale a pena. Ele é um dos bons escritores brasileiros contemporâneos.
Excluir"Barba Ensopada de Sangue" é o que eu mais ouvi falar dos livros do Galera. Adorei que ele não sacrificou a cachorrinha, confesso que não iria pegar para ler se ele tivesse sacrificado hihihi O mais legal é que a história nem é chamativa, mas com todos os comentários positivos, bate na gente aquela vontade de pegar logo para ler! :x
ResponderExcluirwww.bibliophiliarium.com
O Galera é um dos meus favoritos dessa fornada de autores brasileiros que começou a publicar em 90/00. A sinopse não é chamativa, mas eu não acho que precisa ser. Toda sinopse persuasiva é uma mentira, pelo menos a dele é sincera e o livro é muito bom - que é o que importa no fim das contas.
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